Semana de luta mobilizou centenas de milhares de trabalhadores

Descontentamento aberto na Administração Pública

Domingos Mealha
Começou com um aviso dos representantes do pessoal não docente, prosseguiu com a «marcha da indignação» dos professores, terminou com a greve e a manifestação nacional da Função Pública, mas passou também pelo protesto da Administração Local. As perdas salariais acumuladas, o congelamento dos escalões, o emprego público posto em causa para abrir o Estado aos grupos económicos, a instabilidade e insegurança que alastram com a aplicação da «mobilidade especial», o aumento da idade de reforma e a redução das pensões são motivos justos e bastantes para que mais de 300 mil vozes se juntassem na semana de luta dos trabalhadores da Administração Pública, numa primeira estimativa da Frente Comum de Sindicatos.

O ataque aos trabalhadores faz parte da ofensiva contra os serviços públicos

Na passada sexta-feira, à tarde, milhares de trabalhadores da Administração Central concentraram-se frente à entrada principal do Ministério das Finanças (que tutela o sector), onde aprovaram uma resolução sobre os motivos da luta e afirmando a determinação de a prosseguir. Sensivelmente à mesma hora, centenas de trabalhadores do Município de Lisboa aprovavam, frente aos Paços do Concelho, um texto idêntico.
A resolução, as palavras de ordem gritadas no desfile que levou os protestos desde o Terreiro do Paço e a Praça do Município até à residência oficial do primeiro-ministro, as intervenções dos dirigentes sindicais e os relatos de muitos dos participantes anónimos responderam claramente ao «desconhecimento» que o ministro do Trabalho quis evidenciar na véspera. Em Leiria, no dia 13, Vieira da Silva disse que não entendia os motivos da greve. Em Lisboa, no dia 14, foi-lhe avivada a memória, mais uma vez.
O secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva, lembrou que os trabalhadores da Administração Pública perderam um décimo dos seus salários nos últimos anos, com sucessivas actualizações salariais que ficaram abaixo da inflação. O mesmo está a suceder em 2008, com as previsões da inflação a apontarem já para valores acima dos 2,1 por cento decididos pelo Governo - que foi ainda criticado por persistir em ignorar os protestos dos trabalhadores e dos sindicatos.
Ana Avoila, coordenadora da Federação Nacional dos Sindicatos da Função Pública e também da Frente Comum, acusou o Governo de impor uma grelha salarial que baixa a remuneração média e de procurar, através de um estatuto disciplinar «fascizante», abrir via para despedimentos sem justa causa.
Estes motivos fundamentam a reivindicação de aumentos salariais intercalares, ainda este ano.
A contestação do novo regime de vínculos, carreiras e remunerações, dos despedimentos de funcionários com contrato individual de trabalho, do sistema de avaliação de desempenho assente em critérios contabilísticos e com quotas pré-definidas para a classificação tem a ver com prejuízos reais sentidos pelos trabalhadores do Estado. Mas estas reivindicações e a condenação da forma «indigna» como o Governo trata os funcionários e os sindicatos fizeram-se acompanhar pelo combate à destruição da Administração Pública, que simultaneamente significa a entrega de cada vez mais áreas aos interesses dos grupos económicos privados.
Nas palavras de ordem, notou-se que foi muito repetida a que ripostava «Disponíveis só há um, o Governo e mais nenhum», tal como a contestação da maioria absoluta (também presente em cartazes transportados por vários manifestantes).
Ana Avoila fez um balanço positivo da greve, convocada pela FNSFP/CGTP-IN, apontando para um nível de adesão na ordem dos 70 por cento e indicando vários exemplos de serviços afectados. Numa primeira estimativa, admitiu que a semana de luta mobilizou cerca de 300 mil trabalhadores. Quando disse, na concentração, que a semana de luta foi a demonstração do descontentamento acumulado nos últimos anos pelos funcionários públicos, sublinhou os resultados alcançados. Um exemplo foi a limitação da aplicação da «mobilidade especial», que atinge menos de dois mil trabalhadores, quando o objectivo do Governo era já ter alcançado mais de 18 mil.
São resultados que contam para avaliar a afirmação, feita na resolução desta jornada, de que os trabalhadores da Administração Pública vão «prosseguir a luta para travar o passo a este Governo e às políticas de direita por ele desenvolvidas, com a destruição de direitos fundamentais e da sua dignidade profissional e laboral».
Tanto mais que, como lembraram Carvalho da Silva, frente ao Ministério das Finanças, e Libério Domingues, coordenador da USL/CGTP-IN, na Praça do Município, o descontentamento dos trabalhadores da Função Pública tem muito de comum com os protestos dos trabalhadores dos demais sectores de actividade.

Razões acrescidas

«Na administração local temos razões acrescidas na luta que travamos e vamos continuar a travar», afirma-se na resolução que milhares de trabalhadores das autarquias, convocados pelo STAL/CGTP-IN, levaram ao primeiro-ministro na quarta-feira, dia 12. No documento, a par dos motivos comuns aos demais funcionários dos outros sectores da Administração Pública, são apontados dez motivos que contribuíram fortemente para que a Lisboa, nesse dia, se deslocassem mais de cinco mil trabalhadores, em 93 autocarros - como Francisco Brás, presidente do sindicato, esclareceu à agência Lusa. É que, na poeira da chamada «guerra de números», ainda chegou a ir para o ar a «informação» de que a Polícia referia 800 participantes na manifestação!
Aos que vieram de concelhos e freguesias mais distantes, juntaram-se ainda trabalhadores da área da Grande Lisboa. Começaram por concentrar-se no Terreiro do Paço, entre a estátua de D. José I e as arcadas do Ministério das Finanças, onde aprovaram a resolução. Em manifestação, dirigiram-se à residência oficial de José Sócrates.

Mantém-se a luta

A Plataforma Sindical dos Professores, que integra a Fenprof e mais nove organizações, saudou no dia 13 os cem mil docentes que participaram na «marcha da indignação», bem como os que mantiveram o luto nas escolas, e reafirmou a «unidade em torno da resolução aprovada» no dia 8 e «a necessidade de os professores e educadores manterem todas as formas de luta anunciadas, designadamente os protestos semanais, de rua, previstos para o terceiro período lectivo».
Na sexta-feira, dia 14, uma delegação da Fenprof voltou a reunir com o Ministério da Educação (com quem estivera dia 11), mas o encontro foi «curto e decepcionante». A federação persistiu nas quatro «condições mínimas para o desbloqueamento da actual situação de crise», também saídas da «marcha», e que incluem a suspensão do processo de avaliação do desempenho, sem prejuízo para qualquer docente e, a não aplicação, no corrente ano escolar, de qualquer procedimento decorrente do novo diploma de gestão escolar. Numa nota emitida pelo Secretariado Nacional da Fenprof, após a reunião de dia 11, ficou ressalvado que «uma eventual resposta positiva às condições colocadas não resolve os problemas da Educação», o que «deverá passar pela renegociação do Estatuto da Carreira Docente, pela reabertura de um processo de aprovação de um novo modelo de gestão, pela tomada de medidas que permitam resolver o grave problema de precariedade e desemprego que afecta um tão elevado número de docentes» e outras medidas. Soluções que contribuam para o desbloqueamento dos problemas mais imediatos «estarão muito longe de poderem considerar-se soluções definitivas, as quais apenas poderão ser encontradas com a continuação e o aprofundamento da luta dos professores», avisou a federação.

... e mais três dias
Para os trabalhadores do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, em regime de contrato individual de trabalho, a semana de luta foi seguida por três dias de greves parciais, entre terça-feira e hoje. Os sindicatos da Função Pública, dos Enfermeiros, dos Médicos, das Ciências e Tecnologias da Saúde e dos Psicólogos, convocaram paralisações de três horas por turno e concentrações frente a cada um dos hospitais que fazem parte do CHLO: S. Francisco Xavier, Egas Moniz e Santa Cruz. O protesto é dirigido contra a alteração da forma de pagamento das horas nocturnas e em dias de descanso semanal e feriados.