Passo a passo...
Não há ainda muito tempo, um jornal de grande circulação (JN,23.7.003) divulgou uma história deliciosa. Fátima Felgueiras, a autarca fugitiva, prepara activamente a instalação em Portugal de uma «rede de apoios» que garanta a sua própria absolvição. Destacados membros do Opus Dei e do clero, sobretudo das dioceses do Porto e de Fátima/Leiria, apoiam a iniciativa de Fátima. Dizia-se no JN, citando um membro não identificado do OD: «O caso, já depois da fuga, chegou a ser abordado em Fátima, informalmente e antes de uma reunião do Episcopado. Mas não creio que alguém da Igreja, a título institucional, tome uma posição mesmo que discreta. A solidariedade demonstrada por D.Armindo, em Janeiro, foi um erro involuntário porque foi mal calculado» (o sublinhado é nosso). O jornal foi ouvir alguns bispos sobre o assunto. Depois de, evidentemente, desmentirem as notícias do apoio da igreja à autarca, os bispos lá foram acrescentando: «Nesta fase, em que há muitos casos judiciais abertos, é impossível. Futuramente, não sei...» (resposta do porta-voz do bispo do Porto, D. Armindo Lopes). «Intercedo para que se faça Justiça!» - foi a sibilina declaração de D. Serafim Ferreira, bispo de Fátima/Leiria. «É complicado e difícil que a Igreja tenha essa actuação. No entanto, depende do modo como as coisas forem abordadas e os motivos invocados. Por minha parte, em princípio, não me meterei, só se houver razões caritativas que o justifiquem», replicou nebulosamente D. Manuel Martins, ex-bispo de Setúbal (de novo, o sublinhado é nosso). Evidentemente que toda esta história - que promete! - pode ser abordada a partir de variados e proveitosos ângulos de informação. Numa sociedade como a portuguesa, minada por múltiplos escândalos, quantos deles não estarão relacionados com os negócios da igreja? Se o caso de Fátima Felgueiras vier a revelar-se escaldante, trazendo para terreno aberto o OD e a CEP, abrir-se-ão as portas ao novo questionamento de tantas outras histórias escandalosas que ficaram pelo caminho? De momento, importa fazer aqui duas breves anotações. A primeira é acerca das estratégias que normalmente vinculam a comunicação social à defesa dos tabus e dos interesses da igreja. Basta ver-se que quando um político transita para o governo ou para um lugar no aparelho do Estado são normalmente referidos os seus currículos no serviço público ou em empresas privadas. Até certa altura, os media ainda apontavam a participação dos homens públicos nalgumas estruturas laterais da igreja. De Guterres, sabia-se estar ligado aos Casais de Santa Maria. Lurdes Pintasilgo, ao GRAAL. Assim fornecida, a informação quase nada esclarecia. O cidadão é livre nas suas convicções e na forma como as concretiza.Só nalguns casos os jornais aceitavam estabelecer a relacão igreja/política/interesses privados. Soube-se que Mota Amaral e Jardim Gonçalves são membros do Opus Dei, tal como o foi Amaro da Costa. Que o p. Melícias salta constantemente da Igreja para o Estado e, deste, para os interesses privados. Que Ernâni Lopes representa o país na Europa, a banca no país e a direita no Patriarcado. E pouco mais. É o «déjà vu», o que já está visto. Mas quando as vozes murmuram que o recém-nomeado é homem de confiança da Obra, do Humanismo e Liberdade, do Comunhão e Libertação, nada disso se refere. Fica, então, cortado o invisível fio da informação. Ocultou-se o essencial. Foi assim que, ainda há poucos dias, Arlindo Cunha, ex-ministro da Agricultura e membro do OD, pôde ser conduzido, por uma opaca coligação de autarquias PS/PSD/CDS, para o importante cargo de responsável pela Comissão de Coordenação da Região Norte. Caber-lhe-á, entre outras tarefas, a da articulação dos movimentos cívicos locais com a administração central, função tanto mais essencial quanto é certo que, como se sabe, já foi oficialmente reconhecida a esses movimentos capacidade para concorrerem às próximas eleições autárquicas. Assim como, na Saúde, viu-se o p. Melícias ser subitamente transplantado das suas esferas naturais para uma Plataforma de Fiscalização dos Hospitais S.A,, órgão recentemente imaginado para garantir o respeito pelo Serviço Nacional de Saúde junto das administrações dos hospitais públicos transformados em SAS ! É o desejado trabalho em rede.