Na oportunidade do ano europeu da pessoa com deficiência

Francisco Silva
O facto de haver datas - dias ou anos - dedicados a este ou aquele tema, como é o caso do Ano Europeu da Pessoa com Deficiência, tem sido apreciado de forma contraditória. Uns dizem que o dia ou o ano do(s) celebrado(s) ou lembrado(s) devia ser todos os dias ou todos os anos. Outros, que a celebração ou lembrança não conduzem a nada, talvez apenas a acalmar as más consciências. Mas seja como for, e não obstante os possíveis efeitos perversos - diria eu - o dia ou o ano estando aí, vamos fazer o melhor possível para produzir efeitos eficazes. Neste caso, fá-lo-emos segundo a via da problemática da Ciência ou da C&T e as pessoas deficientes.

(Enquanto isto vou escrevendo, lá me está a surgir com toda a força a inevitável bucha; a despropósito? Pois não é que ali, na televisão pública, no canal 1, no concurso “Passe a Palavra”, é perguntado, como alternativa, se o filósofo Descartes era francês ou suíço, o concorrente, sem pestanejar, responde francês, e Nicolau Breyner, actor e professor, zás, sem pestanejar, afirma: Errado. No fim do programa, já eu «lá» não estava - e quantos também já lá não estariam? -, deram a mão à palmatória. E as dezenas de milhões de franceses que têm Descartes por um dos seus maiores «heróis» de todos os tempos, seria por ele ser um suíço? Mas adiante.)

Então, deve começar por ser referido que o estudo científico das deficiências bem como o desenvolvimento de soluções, com frequência apoiadas tecnologicamente, com vista a atender as necessidades especiais derivadas das mesmas deficiências, têm constituído, desde há muito, uma actividade importante. Contudo, até recentemente, a informação sobre essa actividade tem estado, em geral, confinada aos círculos restritos das pessoas com deficiência e seus familiares, bem como dos técnicos que trabalham neste sector de actividade e os académicos e investigadores dedicados a esta área do conhecimento científico e tecnológico.
Com efeito, sobretudo na área da investigação pedagógica e da criação e aplicação dos métodos delas resultantes, mas também na área que mais comummente é conhecida por científica e tecnológica, já o século XIX foi rico em acontecimentos. Tal foi o caso de Braille e da escrita que leva o seu nome. Uma escrita que pode ser lida através do tactear dos relevos de um conjunto de pontos com a polpa dos dedos. Outro caso, este na área da deficiência auditiva foi o de Bell, mais conhecido como o inventor do telefone do que como professor de crianças surdas (naquele tempo dizia-se surdo-mudos) - o telefone, portanto, um efeito colateral!

Quer dizer, também esta área foi contaminada pelo «fervor» do avançar do conhecimento científico e do desenvolvimento tecnológico que se fez sentir na sequência da Revolução Científica e da Revolução Industrial. E tal aconteceu não obstante o parecer estas tratarem-se de situações, as das pessoas com deficiência, que hoje poderíamos apelidar de situações de nicho. Talvez uma certa - grande? - dose de compaixão, ou de paixão própria, no caso, por exemplo, do cego Braille. De certeza uma grande dose de querer conhecer e resolver problemas, mesmo quando, no conhecido caso de Bell, o resultado bate ao lado do objectivo inicial.

Entretanto, sem grandes alterações neste domínio o tempo foi passando. Sem grandes alterações, aparte esta ou aquela inovação ou medida dirigidas à adaptação de situações de forma a permitir o desfazer de barreiras - nomeadamente arquitectónicas - impostas ao desempenho das pessoas com deficiência. E, com o tempo, mais e mais pessoas com ou sem deficiência, foram vendo, reparando, que a solução dos problemas próprios das primeiras contribuía quase sempre para o benefício das segundas. Quer dizer, fomos entendendo que, para além da compaixão e, mais, dos direitos, havia as vantagens para o conjunto da sociedade.

Em particular na área das comunicações, a congregação de vontades, nomeadamente do lado das ciências sociais e humanas e dos movimentos das pessoas com deficiência, e os progressos científicos e tecnológicos - tanto os gerais como os orientados especificamente para resolver questões levantadas pelas deficiências -, originaram, há umas duas décadas, um processo que se vem desenvolvendo em crescendo. E tal sobretudo a partir da entrada na fase da convergência entre telecomunicações e informática, com a invenção do videotelefone, com o telefone móvel, com a Internet e suas aplicações, com o multimédia.

NOTA - Disse, e disse mal, «questões levantadas pela deficiência». Porque elas são, sim, questões postas pelo «normal» preparar das coisas para as «médias» em vez de para a inclusão de todos…)


Mais artigos de: Argumentos

1941 - Renascem os prelos do PCP

Na Europa, no início da década de quarenta do século XX, ninguém conseguia deter as hordas hitlerianas que progrediam, imperáveis, em várias direcções. Em 1940, as forças nazis invadiram a Escandinávia, e ocuparam a Bélgica, a Holanda e o Luxemburgo. No fim da Primavera entraram em Paris, bombardearam Londres,...

Passo a passo...

Não há ainda muito tempo, um jornal de grande circulação (JN,23.7.003) divulgou uma história deliciosa. Fátima Felgueiras, a autarca fugitiva, prepara activamente a instalação em Portugal de uma «rede de apoios» que garanta a sua própria absolvição. Destacados membros do Opus Dei e do clero, sobretudo das dioceses do...

Ficar sem nada

Terminada, ao menos por agora, a onda de incêndios que devastou o País, já seria possível, entre outras coisas, saber quantas casas arderam por esse Portugal fora, quantos portugueses ficaram à mercê da solidariedade dos restantes, talvez dos dinheiros que provenientes um pouco de todo o lado se foram amealhando naquela...