Todos exigem mudanças; mas para onde?
As eleições primárias americanas, actualmente em curso, são aquelas em que os candidatos à Casa Branca se apresentam ao eleitorado dos diversos estados. Somados os votos obtidos em cada eleição estadual, esses candidatos apresentam-se, depois, à Convenção do seu partido de onde o mais votado segue, directamente, para as eleições finais que se realizarão a 4 de Novembro. A Convenção do Partido Democrático terá lugar de 25 a 28 de Agosto, em Denver, no Estado do Colorado, e a do Partido Republicano, de 1 a 4 de Setembro, em Minneapolis-St.Paul, no Estado do Minnesota.
Não havendo qualquer acidente de percurso, o presidente ainda em funções, o inefável George W. Bush, conhecerá o seu substituto nesse dia 4 de Novembro e o mundo aplaudirá com imenso alívio o seu desaparecimento. Mas a nova situação que a eleição de um novo presidente criará (tomará posse em Janeiro de 2009) será o fim do princípio de uma situação, talvez única, em que os poderosos Estados Unidos da América navegam num oceano desconhecido e a bancarrota se perfila no horizonte.
No momento em que escrevemos está a realizar-se a eleição primária do Partido Democrático no Estado do Michigan (indústria automóvel, equipamento para transportes, maquinaria, etc., também com importância na produção agrícola e na agro-pecuária – população: 10,3 milhões; nível de pobreza absoluta: 11,5%, segundo o Censo do Departamento do Comércio). A 19 de Janeiro, os democratas realizarão a sua eleição primária no Estado de Nevada (alguma indústria transformadora, minas, turismo, etc. – população: 2,3 milhões; nível de pobreza absoluta: 9,9%) e os republicanos no da Carolina do Sul (turismo, agricultura, alguma indústria química e de têxteis – população: 4,3 milhões; pobreza: 14,7%. A 5 de Fevereiro, realizar-se-ão as eleições primárias em nada menos de outros 25 estados e, por essa altura, será possível examinar a soma dos resultados totais e prever, com segurança, quem serão os candidatos finais em representação dos dois partidos.
Entretanto, a América, vemo-la mobilizada para uma intensa e ampla discussão à volta dos diversos candidatos. As características pessoais e a experiência de cada um deles são discutidas até ao mais ínfimo detalhe, mas nota-se, claramente, que o povo americano deseja ver alterada a orientação política do seu país. As guerras no Iraque e no Afeganistão e as ameaças de novas guerras noutros pontos do globo, continuam a ser consideradas como desprezíveis, do ponto de vista da dignidade dos cidadãos. Por outro lado, as consequências económicas e financeiras resultantes de dois desastrosos mandatos de George W. Bush, aparecem aos olhos do povo americano como catastróficas. A economia entrou em recessão, a crise financeira ganha contornos espantosos, o desemprego aumenta, a crise social aprofunda-se, as guerras acima mencionadas continuam a absorver somas gigantescas que empobrecem o país e o próprio secretário de Estado da Defesa, o antigo director da CIA, Robert M. Gates, declarava, há dias, que os Estados Unidos não podem vencer naquelas guerras porque deixaram de dispor de recursos financeiros que possibilitem essa finalidade.
Hillary e Obama no centro das atenções
Os principais candidatos do Partido Republicano (John McCain, Rudy Giulliani, Mitt Romney) nestas eleições primárias são personalidades de direita que procuram aparecer junto do eleitorado em posições distanciadas da política actual da administração republicana mas que não disseram ao país, ainda, quais as medidas que assumirão, no caso de serem eleitos, para combater os grandes problemas que afligem as famílias americanas. Vê-se perfeitamente que qualquer desses candidatos, se eleito, tentaria tudo para estabilizar o país e o capitalismo sem, entretanto, atacar os problemas de base. Os Estados Unidos carecem da aplicação de medidas de grande fundo que os candidatos republicanos não têm ânimo para sugerir e propor porque isso lhes aparece como alheio à sua própria formação ideológica e aos seus compromissos de defesa dos interesses imperialistas. É por isso que a resposta aos anseios das populações do país só pode partir (se partir…) dos candidatos democratas, Hillary Clinton ou Barack Obama. Na verdade, são estas candidaturas que estão a acordar muitos sectores populacionais, normalmente indiferentes, para a luta pelas necessárias mudanças de política. Os republicanos e, de maneira geral, toda a reacção, desejam, apaixonadamente, destruir Hillary cujas propostas são conhecidas, especialmente aquelas que visam a criação de um Serviço Nacional de Saúde acessível a todos, uma proposta que vem de há anos e que Obama também subscreve.
O primeiro candidato de cor com possibilidades de chegar à Casa Branca, vistas as suas qualidades para capturar as atenções e levar expressões de simples retórica ao coração das pessoas, é, de facto, neste momento, aquele que mais chama a curiosidade dos observadores. «Mudança», é a sua palavra de ordem. Mas ninguém viu, até agora, onde se realizará essa mudança, com quem, como. Não existem, até agora, detalhes precisos quanto às grandes medidas de mudança que o original candidato, senador pelo Estado do Illinois, espera levar à prática. Mudanças de pessoal, apenas, não chegam. É preciso mudar as estruturas, as bases de funcionamento do Estado, as grandes prioridades.
Mudança de discurso
É portanto nas candidaturas do Partido Democrático que reside a chave que poderá abrir aos americanos as portas do futuro. Hillary, como se tornou evidente, não pode continuar a aparecer como uma espécie de majestosa soberana, figura de particular contemplação para milhões. O perigo espreita esta grande dama da política americana que espera tornar-se na primeira mulher a entrar na Casa Branca como presidente dos Estados Unidos. Que os resultados das eleições primárias no Iowa e no New Hampshire, deitaram por terra mas, depois, recuperaram. Foi no Iowa que falou a voz de um Estado menos industrializado e de população reduzida (grande produção cerealífera, agro-pecuária, maquinaria para a agricultura, serviços, processamento de produtos alimentares – população: 3 milhões; pobreza: 9,5%). Foi nesse Estado, também, que se revelou um apoio feminino, inesperado, para Obama. Nesta situação, com as sondagens à opinião pública a favorecerem Obama claramente, Hillary Clinton (29,5% dos votos) foi derrotada por Obama (37,6%) e, até, pelo terceiro candidato dos democratas, John Edwards (29,7%). A desmoralização entrou nos serviços da campanha e a América pensou que esta mulher, que já esteve na Casa Branca como primeira dama durante oito anos, poderia estar acabada politicamente, e que as suas ambições conheceriam a ruína ante o aparecimento de novas forças que o eleitorado americano, sem cultura política que se veja, desejaria abraçar.
A situação alterou-se, entretanto, no Estado do New Hampshire (indústrias ligeiras, produção de madeiras, agro-pecuária e pescas, etc. – população: 1 300 000; pobreza: 6%) porque Hillary, desenvolvendo uma apaixonante campanha, cativou o eleitorado que nela viu uma candidata pouco aventureirista e nada demagógica, mais prática e mais sincera, dando-lhe a vitória (39% dos votos) contra Obama (36%) e Edwards (17%). Dirigindo-se aos eleitores que lhe deram os seus votos, disse: «Ouvi as vossas razões e, no processo, encontrei a minha própria voz». O que ninguém sabe, entretanto, é como irá ela resolver, se eleita em Novembro, a crise económica e financeira, ou como conseguirá libertar os Estados Unidos do estrangulamento e do declínio que os atormenta. Na campanha pelo New Hampshire, Hillary Clinton chamou a si a causa dos milhões de pessoas que estão a perder as suas casas devido ao descalabro da indústria dos Bancos. Eis uma causa da qual Obama se afasta porque não pode discutir-se em termos de retórica o problema daqueles que perderam a sua casa.
Há triliões de dólares espalhados pelo mundo
A economia do caos
Como se compreende, a campanha das eleições primárias americanas ganhou momento e intensidade, principalmente, devido à devastadora crise do mercado imobiliário, aos milhões de reapossamentos de casas hipotecadas, à quebra do consumo, ao aumento do desemprego. Estes problemas e muitos outros mais, deram ao eleitorado uma bandeira – a de uma sentida revolta contra a administração Bush. Os americanos, hoje, vendo o perigo de um desastre económico-financeiro que os arruinará, exigem mudança. Mas poucos se atrevem a exigir mudança, por exemplo, para o socialismo. Poucos balbuciam a palavra revolução. Não pode levar-se a mal que tenham esperança neste ou naquele candidato ou que desse candidato esperem que resolva os insolúveis problemas do capitalismo, em harmonia, sem conflitos, sem que o desastre económico e social se torne muito visível, a não ser em forma de fantasma, perante o mundo inteiro.
O caos começou a tornar-se público em Agosto. Parecia que o grande público consumidor tinha deixado de pagar as prestações das hipotecas ligadas à compra de casa de habitação devido ao desemprego, à falta de dinheiro, a um desencanto mortal com o sistema. Nesta conjuntura, os bancos de investimentos tiveram de absorver milhões de hipotecas. Os hipotecados, incluindo muitos emigrantes, tinham abandonado as casas, voluntariamente, ou a isso sido forçados pelos tribunais. O capitalismo, decididamente, não estava, nem está, a funcionar. E agora, seis meses mais tarde, há 170 biliões de dólares em crédito malparado sem contar aqueles triliões que ainda não foram tornados públicos pelos bancos. O negócio de hipotecar as próprias casas onde os cidadãos e as suas famílias vivem nunca teve um mínimo de moralidade. É um negócio, um mero negócio dos bancos. Os tribunais estão cheios de ordens de reapossamento a favor dos bancos. E estes gritam para que o governo crie um pacote de medidas de estímulo fiscal, incluindo uma de estímulo ao consumo no valor de 100 biliões de dólares. Naturalmente, esperam reter essa importância. Quais são esses bancos? São nomes conhecidos, líderes da vida financeira internacional e do globalismo. Mas, neste momento, tiveram de contabilizar largos prejuízos.
Prejuízos dos grandes Bancos credores por empréstimos hipotecários
Bear Stearns - 4 biliões de dólares
Barclays Bank - 5 biliões
Royal Bank of Scotland - 1, 660 milhões
Union de Banques Suisses - 12 biliões de dólares
Merrill Lynch - 12 biliões
Hongkong & Shanghai - 14 biliões
Citigroup - 79 biliões
Deutsche Bank - 2,5 biliões
Countrywide - 2,9 biliões
Lehman Brothers - 0,7 biliões
Morgan Stanley - 1,0 biliões
Se entrarmos no campo do negócio de avaliações a que estes Bancos procederam, estima-se que terão de aceitar perdas no valor de 400 biliões de dólares.
Um tsunami financeiro ameaça os Estados Unidos
A crítica situação que espera o novo presidente
As perdas financeiras e as falências ligadas ao sector do imobiliário, as já célebres hipotecas sub-prime, quase prime e prime, já estão a alargar-se dramaticamente aos sectores do arrendamento comercial, das propriedades fundiárias, dos empréstimos para a compra de automóvel, dos cartões de crédito, dos financiamentos a estudantes, entre outros. É por isso que se espera uma crise financeira de fortes proporções. Esta recessão não vai poder comparar-se com as 1990/91 e de 2001. Há, até, quem diga que a crise económico-financeira de 1929, o famoso crack de Wall Street (24.10.1929) terá sido uma brincadeira de crianças se comparado com aquele que se aproxima. Na verdade, a queda da moeda americana, as dívidas a potências estrangeiras, as colossais perdas da Wall Street dos nossos dias, a guerra em curso, o desemprego, só permitem prenunciar uma estrondosa e dramática crise do capitalismo.
Só para cobrir os saldos deficitários das contas correntes comerciais com os outros países, os Estados Unidos carecem de 70 biliões de dólares, mensalmente. Mas as receitas que até recentemente garantiam alguma estabilidade nestas operações começaram a desaparecer. Segundo o BNP Paribas, o chamado hot money que chegava normalmente do estrangeiro e cobria entre 25% e 30% do papel comercial em curso e as operações de crédito a curto prazo, era o capital em que a América mais confiava. Mas agora o dólar conhece uma existência negativa. Para além dos estrangeiros, os próprios americanos estão a voltar as costas à sua moeda e, por exemplo, os bancos centrais de Singapura, da Coreia do Sul, da Formosa, do próprio Vietname, começaram a deixar de aceitar os títulos do governo americano.
Trocar de moeda
As reservas da China em dólares ascendem a 1,340 biliões e até a Tailândia possui reservas importantes de que deseja desfazer-se. As reservas do Vietname cifram-se em 40 biliões de dólares mas o Banco Central, em Hanói, já disse que pretende trocar estes dólares por moedas mais aceitáveis. Também os estados do Golfo estão a considerar desfazerem-se das suas reservas em dólares. Que outra razão levaria o presidente Bush a uma tão demorada viagem ao Médio Oriente? O Qatar, por exemplo, anunciou que já começou a reduzir as suas reservas que, há meses, ainda representavam qualquer coisa como 50 biliões de dólares.
Os países da OPEC e da Ásia têm sido os principais financiadores dos deficits americanos. Mas, a visita recente a Pequim do secretário de Estado do Tesouro, Hank Paulson, para conversações com o primeiro-ministro Wen Jiabao, teve muito a ver com o facto de que a República Popular da China ser, hoje, um substancial credor tal como o Japão cujas reservas em moeda dos Estados Unidos ascendem a 940 biliões de dólares. Os reinos da Arábia Saudita e do próprio Kuwait estão a seguir o caminho da separação relativamente aos laços que os têm tornado inseparáveis dos Estados Unidos. Quanto ao Irão, o seu governo já afirmou que deixará, em breve, de aceitar dólares em pagamento das suas exportações de petróleo pelo que exigirá que os seus clientes «lhe paguem em moeda mais credível».
Automóveis
Foi ao som de blues cantados pela sensacional Mary J. Blige que abriu em Detroit o Salão Automóvel. Outrora, este acontecimento era o espelho da primeira entre todas as indústrias americanas. Mas nos nossos dias, nem com blues conseguem os fabricantes atrair clientes, investidores, banqueiros, fornecedores. Andavam cow-boys nas ruas de Detroit com esperança, certamente, em poderem chamar as atenções do mundo na grande cidade que os franceses fundaram, começando pela construção de um forte, em 1666. Tudo se passou, porém, com desusada calma e as pessoas falavam mais na crise dos três principais fabricantes americanos do que nos novos modelos expostos.
Com efeito, parece que a Ford vai vender, efectivamente, a Land Rover e a Jaguar para, com o produto da hipoteca realizada sobre a Volvo, na Suécia, e sobre as próprias fábricas Ford conseguir equilibrar as contas. Mas a hipoteca em causa (18 biliões de dólares) é, de facto, um extraordinário compromisso para uma empresa histórica que luta com dificuldades. As vendas totais da Ford perderam mais de um milhão de carros nos últimos cinco anos e a quota de mercado da emblemática companhia não vai, agora, além de uns meros 5,19%.
No momento em que escrevemos está a realizar-se a eleição primária do Partido Democrático no Estado do Michigan (indústria automóvel, equipamento para transportes, maquinaria, etc., também com importância na produção agrícola e na agro-pecuária – população: 10,3 milhões; nível de pobreza absoluta: 11,5%, segundo o Censo do Departamento do Comércio). A 19 de Janeiro, os democratas realizarão a sua eleição primária no Estado de Nevada (alguma indústria transformadora, minas, turismo, etc. – população: 2,3 milhões; nível de pobreza absoluta: 9,9%) e os republicanos no da Carolina do Sul (turismo, agricultura, alguma indústria química e de têxteis – população: 4,3 milhões; pobreza: 14,7%. A 5 de Fevereiro, realizar-se-ão as eleições primárias em nada menos de outros 25 estados e, por essa altura, será possível examinar a soma dos resultados totais e prever, com segurança, quem serão os candidatos finais em representação dos dois partidos.
Entretanto, a América, vemo-la mobilizada para uma intensa e ampla discussão à volta dos diversos candidatos. As características pessoais e a experiência de cada um deles são discutidas até ao mais ínfimo detalhe, mas nota-se, claramente, que o povo americano deseja ver alterada a orientação política do seu país. As guerras no Iraque e no Afeganistão e as ameaças de novas guerras noutros pontos do globo, continuam a ser consideradas como desprezíveis, do ponto de vista da dignidade dos cidadãos. Por outro lado, as consequências económicas e financeiras resultantes de dois desastrosos mandatos de George W. Bush, aparecem aos olhos do povo americano como catastróficas. A economia entrou em recessão, a crise financeira ganha contornos espantosos, o desemprego aumenta, a crise social aprofunda-se, as guerras acima mencionadas continuam a absorver somas gigantescas que empobrecem o país e o próprio secretário de Estado da Defesa, o antigo director da CIA, Robert M. Gates, declarava, há dias, que os Estados Unidos não podem vencer naquelas guerras porque deixaram de dispor de recursos financeiros que possibilitem essa finalidade.
Hillary e Obama no centro das atenções
Os principais candidatos do Partido Republicano (John McCain, Rudy Giulliani, Mitt Romney) nestas eleições primárias são personalidades de direita que procuram aparecer junto do eleitorado em posições distanciadas da política actual da administração republicana mas que não disseram ao país, ainda, quais as medidas que assumirão, no caso de serem eleitos, para combater os grandes problemas que afligem as famílias americanas. Vê-se perfeitamente que qualquer desses candidatos, se eleito, tentaria tudo para estabilizar o país e o capitalismo sem, entretanto, atacar os problemas de base. Os Estados Unidos carecem da aplicação de medidas de grande fundo que os candidatos republicanos não têm ânimo para sugerir e propor porque isso lhes aparece como alheio à sua própria formação ideológica e aos seus compromissos de defesa dos interesses imperialistas. É por isso que a resposta aos anseios das populações do país só pode partir (se partir…) dos candidatos democratas, Hillary Clinton ou Barack Obama. Na verdade, são estas candidaturas que estão a acordar muitos sectores populacionais, normalmente indiferentes, para a luta pelas necessárias mudanças de política. Os republicanos e, de maneira geral, toda a reacção, desejam, apaixonadamente, destruir Hillary cujas propostas são conhecidas, especialmente aquelas que visam a criação de um Serviço Nacional de Saúde acessível a todos, uma proposta que vem de há anos e que Obama também subscreve.
O primeiro candidato de cor com possibilidades de chegar à Casa Branca, vistas as suas qualidades para capturar as atenções e levar expressões de simples retórica ao coração das pessoas, é, de facto, neste momento, aquele que mais chama a curiosidade dos observadores. «Mudança», é a sua palavra de ordem. Mas ninguém viu, até agora, onde se realizará essa mudança, com quem, como. Não existem, até agora, detalhes precisos quanto às grandes medidas de mudança que o original candidato, senador pelo Estado do Illinois, espera levar à prática. Mudanças de pessoal, apenas, não chegam. É preciso mudar as estruturas, as bases de funcionamento do Estado, as grandes prioridades.
Mudança de discurso
É portanto nas candidaturas do Partido Democrático que reside a chave que poderá abrir aos americanos as portas do futuro. Hillary, como se tornou evidente, não pode continuar a aparecer como uma espécie de majestosa soberana, figura de particular contemplação para milhões. O perigo espreita esta grande dama da política americana que espera tornar-se na primeira mulher a entrar na Casa Branca como presidente dos Estados Unidos. Que os resultados das eleições primárias no Iowa e no New Hampshire, deitaram por terra mas, depois, recuperaram. Foi no Iowa que falou a voz de um Estado menos industrializado e de população reduzida (grande produção cerealífera, agro-pecuária, maquinaria para a agricultura, serviços, processamento de produtos alimentares – população: 3 milhões; pobreza: 9,5%). Foi nesse Estado, também, que se revelou um apoio feminino, inesperado, para Obama. Nesta situação, com as sondagens à opinião pública a favorecerem Obama claramente, Hillary Clinton (29,5% dos votos) foi derrotada por Obama (37,6%) e, até, pelo terceiro candidato dos democratas, John Edwards (29,7%). A desmoralização entrou nos serviços da campanha e a América pensou que esta mulher, que já esteve na Casa Branca como primeira dama durante oito anos, poderia estar acabada politicamente, e que as suas ambições conheceriam a ruína ante o aparecimento de novas forças que o eleitorado americano, sem cultura política que se veja, desejaria abraçar.
A situação alterou-se, entretanto, no Estado do New Hampshire (indústrias ligeiras, produção de madeiras, agro-pecuária e pescas, etc. – população: 1 300 000; pobreza: 6%) porque Hillary, desenvolvendo uma apaixonante campanha, cativou o eleitorado que nela viu uma candidata pouco aventureirista e nada demagógica, mais prática e mais sincera, dando-lhe a vitória (39% dos votos) contra Obama (36%) e Edwards (17%). Dirigindo-se aos eleitores que lhe deram os seus votos, disse: «Ouvi as vossas razões e, no processo, encontrei a minha própria voz». O que ninguém sabe, entretanto, é como irá ela resolver, se eleita em Novembro, a crise económica e financeira, ou como conseguirá libertar os Estados Unidos do estrangulamento e do declínio que os atormenta. Na campanha pelo New Hampshire, Hillary Clinton chamou a si a causa dos milhões de pessoas que estão a perder as suas casas devido ao descalabro da indústria dos Bancos. Eis uma causa da qual Obama se afasta porque não pode discutir-se em termos de retórica o problema daqueles que perderam a sua casa.
Há triliões de dólares espalhados pelo mundo
A economia do caos
Como se compreende, a campanha das eleições primárias americanas ganhou momento e intensidade, principalmente, devido à devastadora crise do mercado imobiliário, aos milhões de reapossamentos de casas hipotecadas, à quebra do consumo, ao aumento do desemprego. Estes problemas e muitos outros mais, deram ao eleitorado uma bandeira – a de uma sentida revolta contra a administração Bush. Os americanos, hoje, vendo o perigo de um desastre económico-financeiro que os arruinará, exigem mudança. Mas poucos se atrevem a exigir mudança, por exemplo, para o socialismo. Poucos balbuciam a palavra revolução. Não pode levar-se a mal que tenham esperança neste ou naquele candidato ou que desse candidato esperem que resolva os insolúveis problemas do capitalismo, em harmonia, sem conflitos, sem que o desastre económico e social se torne muito visível, a não ser em forma de fantasma, perante o mundo inteiro.
O caos começou a tornar-se público em Agosto. Parecia que o grande público consumidor tinha deixado de pagar as prestações das hipotecas ligadas à compra de casa de habitação devido ao desemprego, à falta de dinheiro, a um desencanto mortal com o sistema. Nesta conjuntura, os bancos de investimentos tiveram de absorver milhões de hipotecas. Os hipotecados, incluindo muitos emigrantes, tinham abandonado as casas, voluntariamente, ou a isso sido forçados pelos tribunais. O capitalismo, decididamente, não estava, nem está, a funcionar. E agora, seis meses mais tarde, há 170 biliões de dólares em crédito malparado sem contar aqueles triliões que ainda não foram tornados públicos pelos bancos. O negócio de hipotecar as próprias casas onde os cidadãos e as suas famílias vivem nunca teve um mínimo de moralidade. É um negócio, um mero negócio dos bancos. Os tribunais estão cheios de ordens de reapossamento a favor dos bancos. E estes gritam para que o governo crie um pacote de medidas de estímulo fiscal, incluindo uma de estímulo ao consumo no valor de 100 biliões de dólares. Naturalmente, esperam reter essa importância. Quais são esses bancos? São nomes conhecidos, líderes da vida financeira internacional e do globalismo. Mas, neste momento, tiveram de contabilizar largos prejuízos.
Prejuízos dos grandes Bancos credores por empréstimos hipotecários
Bear Stearns - 4 biliões de dólares
Barclays Bank - 5 biliões
Royal Bank of Scotland - 1, 660 milhões
Union de Banques Suisses - 12 biliões de dólares
Merrill Lynch - 12 biliões
Hongkong & Shanghai - 14 biliões
Citigroup - 79 biliões
Deutsche Bank - 2,5 biliões
Countrywide - 2,9 biliões
Lehman Brothers - 0,7 biliões
Morgan Stanley - 1,0 biliões
Se entrarmos no campo do negócio de avaliações a que estes Bancos procederam, estima-se que terão de aceitar perdas no valor de 400 biliões de dólares.
Um tsunami financeiro ameaça os Estados Unidos
A crítica situação que espera o novo presidente
As perdas financeiras e as falências ligadas ao sector do imobiliário, as já célebres hipotecas sub-prime, quase prime e prime, já estão a alargar-se dramaticamente aos sectores do arrendamento comercial, das propriedades fundiárias, dos empréstimos para a compra de automóvel, dos cartões de crédito, dos financiamentos a estudantes, entre outros. É por isso que se espera uma crise financeira de fortes proporções. Esta recessão não vai poder comparar-se com as 1990/91 e de 2001. Há, até, quem diga que a crise económico-financeira de 1929, o famoso crack de Wall Street (24.10.1929) terá sido uma brincadeira de crianças se comparado com aquele que se aproxima. Na verdade, a queda da moeda americana, as dívidas a potências estrangeiras, as colossais perdas da Wall Street dos nossos dias, a guerra em curso, o desemprego, só permitem prenunciar uma estrondosa e dramática crise do capitalismo.
Só para cobrir os saldos deficitários das contas correntes comerciais com os outros países, os Estados Unidos carecem de 70 biliões de dólares, mensalmente. Mas as receitas que até recentemente garantiam alguma estabilidade nestas operações começaram a desaparecer. Segundo o BNP Paribas, o chamado hot money que chegava normalmente do estrangeiro e cobria entre 25% e 30% do papel comercial em curso e as operações de crédito a curto prazo, era o capital em que a América mais confiava. Mas agora o dólar conhece uma existência negativa. Para além dos estrangeiros, os próprios americanos estão a voltar as costas à sua moeda e, por exemplo, os bancos centrais de Singapura, da Coreia do Sul, da Formosa, do próprio Vietname, começaram a deixar de aceitar os títulos do governo americano.
Trocar de moeda
As reservas da China em dólares ascendem a 1,340 biliões e até a Tailândia possui reservas importantes de que deseja desfazer-se. As reservas do Vietname cifram-se em 40 biliões de dólares mas o Banco Central, em Hanói, já disse que pretende trocar estes dólares por moedas mais aceitáveis. Também os estados do Golfo estão a considerar desfazerem-se das suas reservas em dólares. Que outra razão levaria o presidente Bush a uma tão demorada viagem ao Médio Oriente? O Qatar, por exemplo, anunciou que já começou a reduzir as suas reservas que, há meses, ainda representavam qualquer coisa como 50 biliões de dólares.
Os países da OPEC e da Ásia têm sido os principais financiadores dos deficits americanos. Mas, a visita recente a Pequim do secretário de Estado do Tesouro, Hank Paulson, para conversações com o primeiro-ministro Wen Jiabao, teve muito a ver com o facto de que a República Popular da China ser, hoje, um substancial credor tal como o Japão cujas reservas em moeda dos Estados Unidos ascendem a 940 biliões de dólares. Os reinos da Arábia Saudita e do próprio Kuwait estão a seguir o caminho da separação relativamente aos laços que os têm tornado inseparáveis dos Estados Unidos. Quanto ao Irão, o seu governo já afirmou que deixará, em breve, de aceitar dólares em pagamento das suas exportações de petróleo pelo que exigirá que os seus clientes «lhe paguem em moeda mais credível».
Automóveis
Foi ao som de blues cantados pela sensacional Mary J. Blige que abriu em Detroit o Salão Automóvel. Outrora, este acontecimento era o espelho da primeira entre todas as indústrias americanas. Mas nos nossos dias, nem com blues conseguem os fabricantes atrair clientes, investidores, banqueiros, fornecedores. Andavam cow-boys nas ruas de Detroit com esperança, certamente, em poderem chamar as atenções do mundo na grande cidade que os franceses fundaram, começando pela construção de um forte, em 1666. Tudo se passou, porém, com desusada calma e as pessoas falavam mais na crise dos três principais fabricantes americanos do que nos novos modelos expostos.
Com efeito, parece que a Ford vai vender, efectivamente, a Land Rover e a Jaguar para, com o produto da hipoteca realizada sobre a Volvo, na Suécia, e sobre as próprias fábricas Ford conseguir equilibrar as contas. Mas a hipoteca em causa (18 biliões de dólares) é, de facto, um extraordinário compromisso para uma empresa histórica que luta com dificuldades. As vendas totais da Ford perderam mais de um milhão de carros nos últimos cinco anos e a quota de mercado da emblemática companhia não vai, agora, além de uns meros 5,19%.