- Nº 1781 (2008/01/17)
Comentário

Tratado de Lisboa contra direitos laborais

Europa

A recusa do referendo ao Tratado de Lisboa revela o medo que as elites do poder económico e político têm da posição dos cidadãos relativamente a um texto que retoma a dita Constituição europeia e reforça os caminhos cada vez mais neoliberais da União Europeia, criando novos mecanismos repressivos e maior centralização do poder.
Nesta fase, importa recordar que toda a luta contra a famigerada directiva Bolkestein se fez durante a tentativa de ratificação do Tratado Constitucional, o que contribuiu para uma maior compreensão por parte dos cidadãos franceses do que se pretendia com o tal Tratado, e que resultou na sua recusa no referendo realizado na França em 2005.
A verdade é que, mesmo com os recuos a que foram obrigados, a directiva de liberalização dos serviços acabou por ser aprovada e, no passado mês de Dezembro, o Tribunal de Justiça Europeu, em nome da liberdade de estabelecimento, adoptou decisões contra sindicatos da Suécia e da Finlândia, nos célebres casos das empresas Laval e Viking.
Desta forma, para quem tivesse dúvidas do que se pretende com a liberalização dos serviços, através da directiva Bolkestein e outras propostas legislativas que se anunciam, estas decisões da instância superior de justiça comunitária clarificam que o seu objectivo central é defender a todo o custo a liberdade das empresas, sobrepondo-a à liberdade dos trabalhadores se organizarem, defenderem os salários e outros direitos conquistados.

Um exemplo lapidar

O caso da Suécia refere-se ao destacamento de 35 trabalhadores estrangeiros que a empresa Laval, com sede na Letónia, pretendia utilizar numa empreitada na Suécia, em 2004, recusando-se a negociar as condições laborais com os sindicatos suecos. Como, em resposta, os sindicatos suecos da construção e electricidade impuseram um bloqueio à Laval, acusando-a de dumping social por tentar utilizar trabalhadores estrangeiros em condições inferiores às que se praticavam naquele sector no país, a empresa recorreu, mas o processo arrastou-se. Estava-se, então, em fase de aprovação do projecto da dita Constituição europeia e de lutas importantes contra o neoliberalismo.
Mas, em Dezembro de 2007, com o projecto de Tratado de Lisboa, que retoma os conteúdos essenciais da dita Constituição, o Tribunal de Justiça Europeu já não teve dúvidas. E decidiu contra os sindicatos e os trabalhadores suecos, sobrepondo a liberdade de estabelecimento das empresas estrangeiras à liberdade dos trabalhadores e dos seus sindicatos lutarem pelos respectivos direitos, designadamente salariais.
É que o Tratado de Lisboa, seguindo o derrotado Tratado Constitucional, afirma, no protocolo relativo ao mercado interno e à concorrência, que «o mercado interno, tal como estabelecido no artigo 2º do Tratado da União Europeia, inclui um sistema que assegura que a concorrência não seja falseada». Assim, pode-se compreender que se a leitura da directiva sobre o mercado interno dos serviços que os magistrados do Tribunal de Justiça Europeu fazem é dar todo o poder aos grupos económicos, com este protocolo inserido no Tratado de Lisboa, não hesitarão em dar total prioridade ao princípio da livre concorrência, a tal que não querem ver falseada, sempre na defesa dos grupos económicos e sempre contra os trabalhadores.
Os juízes, ao considerarem que os trabalhadores destacados de empresas estrangeiras apenas podem ficar vinculados aos mínimos legais e não aos acordos colectivos do sector e do país para onde vão trabalhar, colocam os trabalhadores dos diferentes países da União Europeia em concorrência entre si.
A decisão é inadmissível e assume particular gravidade no actual contexto do Tratado de Lisboa, que aprofunda a aplicação de mínimos legais inscritos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Como se sabe, esta Carta é uma grave restrição de direitos quando comparada com a Constituição da República Portuguesa e a própria Carta Social Europeia.
Assim, a luta contra o Tratado de Lisboa deve continuar, tal como se impõe a denúncia da fuga à sua ratificação através de referendo, fuga essa que é uma autêntica fraude política face às promessas eleitorais e revela a tentativa de contrabandear um texto idêntico ao Tratado Constitucional, rejeitado pelos povos da França e da Holanda.

Ilda Figueiredo