- Nº 1780 (2008/01/10)
Comentário

Um ano de luta na agricultura

Europa

No ano agora começa estão previstas a avaliação da última reforma da Política Agrícola Comum (PAC) da União Europeia (UE), no primeiro semestre, e, no segundo, iniciar-se-á o processo de revisão do Orçamento Comunitário (OC).
A concertação destes dois processos visa reduzir a comparticipação das grandes potências no orçamento comunitário, sendo para tal necessário uma eventual revisão da PAC e a ratificação do agora dito «Tratado de Lisboa», cujo fim último é reforçar a liderança das grandes potências na integração capitalista europeia.
Desde 1986, aquando da integração de Portugal na CEE/UE, que a agricultura nacional tem vivido um processo de profundas alterações. A Conferência Nacional do Partido sobre Questões Económicas e Sociais(1) realçou alguns desses aspectos – e não é demais repeti-los – em que a agricultura nacional está diferente, para pior, responsabilizando as orientações da PAC para o sector na UE e o seu aproveitamento pelos sucessivos governos do PS, PSD e CDS/PP, sozinhos ou coligados, visando aprofundar a sua política de recuperação capitalista e agrária no país.
Assim, no período entre 1989 e 2006, desapareceram mais de 250 mil explorações e a área média destas passou de 7 para 12 hectares; cresceu a concentração da terra, verificando-se que a Superfície Agrícola Útil (SAU) das explorações com mais de 100 hectares cresceu 12%, a SAU das explorações entre 50 e 100 hectares aumentou 25%, e a SAU das explorações com menos de 50 hectares diminuiu 34%. A agricultura familiar continua a constituir o tipo de estrutura produtiva predominante, representando cerca de 95% do total das explorações.
A integração de Portugal na CEE/UE e as sucessivas reformas da PAC posteriores são marcos incontornáveis de um processo que, como vimos, favoreceu o abandono da actividade de muitos pequenos e médios agricultores e da agricultura familiar, e a progressiva concentração da propriedade. Às profundas injustiças na distribuição de ajudas entre países, produções e produtores das reformas de 1992 e 1999, sucedeu-se a desvinculação das ajudas em relação à produção em 2003 (pagar para não produzir), em paralelo com as negociações no âmbito da Organização Mundial de Comércio, onde a agricultura foi utilizada como moeda de troca pela UE para obter vantagem na liberalização do comércio de outros sectores e investimentos.
Nessa altura iniciou-se o caminho para o progressivo desmantelamento de Organizações Comuns de Mercado (OCM), importantes para Portugal como foram e são as do açúcar, das bananas, das horto-frutícolas e, mais recentemente, a do vinho que, ainda por cima, foi decidida durante a Presidência Portuguesa do Conselho da UE.
No documento que servirá de enquadramento para futuras propostas legislativas, a Comissão Europeia (CE) receita mais do mesmo, ou seja, propõe avançar com a dissociação plena das ajudas através do RPU (alargar o pagamento improdutivo a mais sectores), mantendo intocável o actual regime, aprofundando o seu funcionamento e a definição de limites máximos e mínimos das ajudas agrícolas.
Aparentemente, a definição de tectos máximos para as ajudas seria um passo positivo (embora os valores propostos fiquem muito aquém das necessidades) rumo a uma maior equidade na distribuição das ajudas, visando a sua redução nos escalões mais elevados, ou seja, reduzir de forma degressiva as ajudas aos que mais recebiam. Mas a proposta contempla também a definição de valores mínimos a partir do qual os agricultores possam receber essas ajudas, o que excluirá muitos pequenos agricultores e muita da agricultura familiar dessas ajudas.
No que se refere aos limites máximos, a medida está já a ser contestada pela Alemanha e pela Grã-Bretanha, que não querem ver beliscados os seus grandes recebedores de ajudas. No nefasto rol de propostas inclui-se também o fim do sistema de quotas no sector do leite, em 2015, podendo entrar em desmantelamento já nos próximos anos para fazer “uma aterragem suave”, como afirma a CE.
São tortuosos os caminhos percorridos pela PAC para favorecer as grandes potências e os grandes proprietários absentistas contra quem efectivamente produz, sejam eles trabalhadores agrícolas, pequenos e médios agricultores ou a agricultura familiar.
É um ano de luta, aquele que agora começa para quem produz: por uma ruptura com esta PAC, e pelo retomar do caminho da soberania alimentar e do desenvolvimento agrícola iniciado com o 25 de Abril.
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(1) Documento de compilação dos textos produzidos sectorialmente para a Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais

Maurício Miguel