O canal esquecido

Correia da Fonseca
Como é sabido, a TV distribuída por cabo integra uma diversidade de canais em número e qualidade vária, sendo o lote menos interessante o que está destinado aos telespectadores que escolheram pagar o mínimo possível. Ainda assim, é neste elenco de base, digamos assim, que se inclui o canal específico da Assembleia da República. Não é preciso dispor de números rigorosos, se é que os há, para adivinhar que se trata de um canal de audiência mínima, frequentado por raros. E não espanta que seja assim: em terra onde os dominantes passam o tempo e o espaço a denegrir globalmente «os políticos», os bons e os maus, os uns e os outros, é natural que os cidadãos não se sintam seduzidos pela perspectiva de sintonizarem um canal onde eles, «os políticos», estão em permanência, preferindo naturalmente seguir mais um concurso ou uma das novelas que constituem o forte da actual oferta televisiva. E, contudo, é grande pena que seja assim. Não que o canal da Assembleia da República seja excelente, que não o é, mas sim porque cumpre com eficácia bastante o que poderia ser designado pelos seus serviços mínimos. Talvez até se possa arriscar uma espécie de palpite: sendo as coisas o que são e sendo o canal gerido como é, mais valerá talvez que se atenha aos tais serviços mínimos em vez de se arriscar em cavalarias altas, passe a expressão, sobre terrenos difíceis e de escassa confiança. O canal da AR permite-nos acompanhar as sessões do Plenário, o trabalho em comissões, mais algumas coisas ainda, e o acesso que nos permite bem justifica o hábito de visitas regulares por parte dos telespectadores/cidadãos. Porque ali, em São Bento são falados, discutidos, bem ou mal resolvidos, muitos problemas que estão no próprio cerne do nosso quotidiano. Bem se sabe que o Parlamento não é o País, que cá fora há gente que sofre, povo que protesta, vozes que explicam, mas nem por isso deixa de ser de primeiríssima importância para a nossa informação e lucidez sabermos o que por lá se diz e acontece. De onde a vantagem de visitar o canal da AR, infelizmente só acessível por cabo.

Uma provável surpresa

Mas há mais uma coisa. Só naquele canal é possível assistir às intervenções dos deputados comunistas, aparentemente desprovidas de «interesse jornalístico» bastante para que excertos delas sejam passados nos canais generalistas. Só sintonizando o AR podemos partilhar o que para muitos será inesperado: as imagens e o som de uma bancada comunista em que a maioria dos deputados são de uma juventude surpreendente, desmentido factual à lenda venenosa segundo a qual os comunistas são um punhado de velhotes obsoletos e o comunismo uma velharia sem remédio. Naquele canal podemos ver e ouvir como os jovens deputados comunistas dominam as matérias abordadas, argumentam com sólidas razões, desenvolvem um trabalho precioso e intenso que os media calam. Porque eles, os grandes media, são em larga medida controlados pelos que têm medo do comunismo, dos comunistas em geral e talvez especialmente dos comunistas jovens. Como aqueles deputados. Vendo-os e ouvindo-os, entende-se ainda mais claramente a importância de que se revestiu a substituição de alguns deputados excelentes e verdadeiramente inesquecíveis como Odete Santos ou Abílio Fernandes por parlamentares de uma nova geração. Também se percebe melhor o que representou a obstrução a que alguma renovação se fizesse. O que aquele canal esquecido de quase todos afinal nos revela é que o futuro do PCP também está ali, naquela bancada, seguro e muitas vezes fulgurante. Nenhum outro canal nos dá esta notícia, bem pelo contrário. Também lá estão, naturalmente, as outras bancadas, os outros partidos, os outros deputados. Mas envelhecidos, gastos, sem credibilidade, a repetirem as suas velhas cassetes. Tanto e de tal modo que, em confronto com qualquer dos jovens deputados comunistas, o supostamente «sempre jovem» Paulo Portas faz figura de um velhote de chinó que colecciona fotocópias.


Mais artigos de: Argumentos

Fé, Esperança e Caridade

É conhecida a devoção quase idólatra que a hierarquia católica portuguesa nutre pelo papa em funções. Por este papa, por ser o que está. Por outro papa, quando outro vier. Por isso – e só por isso – devemos prestar atenção às cartas encíclicas que Ratzinger vai publicando. Essencialmente, elas são como que um barómetro...

Digitalização <em>versus</em> «ser digital»

Hoje, estando nós mais afastados das origens dos respectivos processos, pode ser entendido com mais clareza. Os objectivos que para as gentes das telecomunicações, para as gentes com a tarefa de buscar as soluções a aplicar na evolução das redes a seu cuidado, de planear o seu desenvolvimento, os objectivos envolvidos no...