Discurso directo
Por muito que se diga acerca de destacados militantes comunistas como Joaquim Pires Jorge e Francisco Miguel Duarte, muito fica por dizer. Conscientes que, também nestas linhas, muito ficará sem ser dito, publicamos em seguida algumas citações dos próprios, retiradas dos livros publicados pelas Edições Avante!: «Com uma imensa alegria», de Joaquim Pires Jorge, e «Das prisões à liberdade», de Francisco Miguel.
Pires Jorge
«Depois empreguei-me, aí com onze anos, numa fábrica de cortiça que havia lá na rua. Estive lá seis ou sete meses, como aprendiz, a escolher rolhas e a trabalhar com pranchas. Ganhava dois tostões por dia, mas dava o dinheiro inteirinho à minha mãe e ela depois lá me dava qualquer coisinha.»
«No sindicato é que eu comecei logo de pequeno. O meu pai aderia sempre às greves da Carris.»
«Tudo aquilo [o levantamento militar de Fevereiro de 1927] acabou assim que os oficiais nos mandaram depor as armas e retirar, senão éramos todos massacrados. Eu, como todos os outros, deixámos ficar as armas no local e fomos para casa. E no dia seguinte fomo-nos apresentar no Quartel dos Marinheiros. (…) Depois, sem qualquer processo ou julgamento, fomos deportados, uns para a Madeira, outros para São Tomé, outros ainda para Angola.»
«E quando fui contactado pelo Partido para entrar no País não hesitei. Vim para Lisboa trabalhar na clandestinidade. Nessa altura, funcionários clandestinos no Partido éramos três ou quatro: era o Bento, o Zé de Sousa e pouco mais.»
«Assistimos na cadeia de Cáceres a coisas terríveis. Os fuzilamentos, dentro e fora da prisão, eram todos os dias. Havia gente de endoidecia pelo terror em que se vivia à espera de ser chamado.»
«[Na cela da fortaleza de Angra] Não havia luz. Dava dez passos para um lado, dez passos para o outro e tocava numa parede de cimento. Não havia lá nenhuma peça de mobiliário. As necessidades faziam-se no chão.»
«O trabalho de reorganização foi extremamente complexo e duro, até porque não tínhamos quaisquer meios para nós próprios subsistirmos.»
«Eu vivia nessa altura [1946] na Travagem, ali para os lados da Areosa, e entrava no Porto de manhã, de bicicleta, em conjunto com aqueles magotes de operários que vinham para a cidade. Depois, até isso a polícia tornou difícil. Mas eu, que estive lá três ou quatro anos a trabalhar, que conheço o Porto e arredores como as minhas mãos, tinha já dezoito entradas para a cidade.»
«No Sul era muito interessante o trabalho com o proletariado rural. Muito interessante, mas muito difícil. Eram as chamadas praças de jorna, utilizadas para a luta no Ribatejo. Depois, nós fizemos o mesmo trabalho no Alentejo…»
«Tive assim um contacto com duas realidades completamente diferentes: os camponeses do Norte e do Sul, ou seja, os camponeses e os operários agrícolas. E a grande diferença estava na questão da propriedade.»
«Uma vez fui almoçar com ele [o guarda Serradas, do forte de Peniche, que colaborou na fuga de 3 de Janeiro de 1960] aí para Colares: peixe cozido, uma caldeirada, mais umas coisas, e muita conversa. Era preciso tirar o Álvaro cá para fora. Que não, que era muito difícil, mesmo impossível. Mas depois convenceu-se.»
«No dia seguinte, quando se soube da fuga, foi uma grande alegria. Houve terras onde tocaram os sinos e estouraram foguetes.»
«Lutei com os polícias, mesmo dentro da sala do tribunal, enquanto continuava com a declaração. Foi tão violenta a luta que acabei quebrado, com uma hérnia. Levaram-me então em charola para fora da sala, mesmo pelo meio das testemunhas, para uma cela na Boa Hora. E ali fiquei, no calabouço, até que, umas horas depois, foram lá ler-me a sentença: dez anos e “medidas de segurança”..»
«Quando voltei finalmente a Portugal fui para o trabalho de organização nas Beiras, uma região que eu conhecia como as minhas mãos. Mas agora, como tudo era diferente. O Partido com os centros de trabalho abertos, com a sua imprensa legal, com campanhas de recrutamento, com milhares e milhares de militantes…»
Francisco Miguel
«As grandes dificuldades económicas em que os meus pais viviam, a miséria e a fome que conheci em criança, fizeram-me tomar a vida muito a sério antes mesmo que tivesse idade para isso. Eu creio que, de certo modo, essa foi a primeira escola revolucionária.»
«Cuidei de cavalos, de burros, de ovelhas e de cabras; mondei trigo; fiz todos os trabalhos do campo que um rapaz entre os 7 e os 13 anos pode fazer. Fiz não poucas vezes trabalhos que excediam em muito as minhas possibilidades físicas.»
«Um dia do mês de Janeiro de 1924, os jornais Diário de Notícias e O Século traziam o retrato de Lénine e a notícia da sua morte. Nesse dia, ao entrar na oficina, muito calado como sempre, todos repararam que mestre Bento trazia um fumo no casaco, sinal de luto. (…) este luto por Lénine foi para mim inesquecível.»
«A violenta repressão que se seguiu ao 18 de Janeiro provocou dificuldades na organização partidária. Mas o certo é que, apesar de tudo, o 18 de Janeiro revelou um Partido com boa implantação na classe operária, suficientemente forte para vir a corrigir as suas insuficiências, reorganizar as suas fileiras e ocupar um lugar insubstituível na luta contra o fascismo.»
«Na minha actividade de onze meses como responsável do Comité Local de Lisboa encontrei muitas dificuldades. Porque trabalhava, ao mesmo tempo, com o camarada mais responsável do Partido nesse momento, um camarada que não podia sair de dia nem mesmo de noite, por ser conhecido da polícia, e eu era obrigado a ter muito movimento, muitos contactos. Uma tal situação, nas condições de então, não era a mais aconselhável e continha muitos inconvenientes de vária ordem.»
«O [agente] José Gonçalves agarrou-me violentamente. Aproximando-me a pistola da cara (certamente a mesma com que 6 anos mais tarde havia de assassinar o Alfredo Dinis), intimava-me a levantar as mãos. “Mãos ao ar”, gritava-me ele. Eu, por minha vez (talvez imprudentemente), agarrei-o também pelos virados do casaco e chamei-lhe bandido, etc. Nesse momento vi aparecer ao longe os camaradas com quem nos íamos encontrar, o que aconselhava a fazermos tudo para que a polícia nos levasse dali o mais depressa possível.»
«Ao sair de lá [do segredo do Aljube] estava aparentemente mais gordo. Tinha uma cor esquisita e uma cara bolachuda como nunca tivera antes. Em Caxias o Ludgero explicou-me que aquilo era devido à falta de luz e que dentro de 8 ou 9 dias estaria no meu estado normal.»
«Não podendo escapar, resolvi deter-me e obrigar o guarda a perder tempo comigo o mais tempo possível, de modo a que o [Jaime] Serra se pudesse salvar.»
«Enquanto Esmeraldo Pais Prata foi médico do Tarrafal e até à derrota dos nazis em Stalinegrado, éramos às vezes obrigados a comer a carne dos bois que estavam tuberculosos.»
«O sol batia na porta de ferro e o calor ia-se tornando sempre mais difícil de suportar. Íamos tirando a roupa, mas o suor corria incessantemente. A “frigideira” teria capacidade para dois ou três presos por cela. Chegámos a ser doze numa área de nove metros quadrados. A luz e o ar entravam com muita dificuldade pelos buracos na porta e em cima pela abertura junto ao tecto. (…) A “frigideira” matava.»
«Foi o talento do Partido e a sua ligação com o povo que tornaram possível a fuga de Peniche.»
«Em cada prisão fascista havia sempre 2 realidades: a realidade da prisão, a tortura, os métodos policiais fascistas, a sua finalidade; e a alma dos presos, a sua conduta de lutadores, a sua inteligência, a sua vontade de estudar, a sua dedicação à causa do povo.»
«Depois empreguei-me, aí com onze anos, numa fábrica de cortiça que havia lá na rua. Estive lá seis ou sete meses, como aprendiz, a escolher rolhas e a trabalhar com pranchas. Ganhava dois tostões por dia, mas dava o dinheiro inteirinho à minha mãe e ela depois lá me dava qualquer coisinha.»
«No sindicato é que eu comecei logo de pequeno. O meu pai aderia sempre às greves da Carris.»
«Tudo aquilo [o levantamento militar de Fevereiro de 1927] acabou assim que os oficiais nos mandaram depor as armas e retirar, senão éramos todos massacrados. Eu, como todos os outros, deixámos ficar as armas no local e fomos para casa. E no dia seguinte fomo-nos apresentar no Quartel dos Marinheiros. (…) Depois, sem qualquer processo ou julgamento, fomos deportados, uns para a Madeira, outros para São Tomé, outros ainda para Angola.»
«E quando fui contactado pelo Partido para entrar no País não hesitei. Vim para Lisboa trabalhar na clandestinidade. Nessa altura, funcionários clandestinos no Partido éramos três ou quatro: era o Bento, o Zé de Sousa e pouco mais.»
«Assistimos na cadeia de Cáceres a coisas terríveis. Os fuzilamentos, dentro e fora da prisão, eram todos os dias. Havia gente de endoidecia pelo terror em que se vivia à espera de ser chamado.»
«[Na cela da fortaleza de Angra] Não havia luz. Dava dez passos para um lado, dez passos para o outro e tocava numa parede de cimento. Não havia lá nenhuma peça de mobiliário. As necessidades faziam-se no chão.»
«O trabalho de reorganização foi extremamente complexo e duro, até porque não tínhamos quaisquer meios para nós próprios subsistirmos.»
«Eu vivia nessa altura [1946] na Travagem, ali para os lados da Areosa, e entrava no Porto de manhã, de bicicleta, em conjunto com aqueles magotes de operários que vinham para a cidade. Depois, até isso a polícia tornou difícil. Mas eu, que estive lá três ou quatro anos a trabalhar, que conheço o Porto e arredores como as minhas mãos, tinha já dezoito entradas para a cidade.»
«No Sul era muito interessante o trabalho com o proletariado rural. Muito interessante, mas muito difícil. Eram as chamadas praças de jorna, utilizadas para a luta no Ribatejo. Depois, nós fizemos o mesmo trabalho no Alentejo…»
«Tive assim um contacto com duas realidades completamente diferentes: os camponeses do Norte e do Sul, ou seja, os camponeses e os operários agrícolas. E a grande diferença estava na questão da propriedade.»
«Uma vez fui almoçar com ele [o guarda Serradas, do forte de Peniche, que colaborou na fuga de 3 de Janeiro de 1960] aí para Colares: peixe cozido, uma caldeirada, mais umas coisas, e muita conversa. Era preciso tirar o Álvaro cá para fora. Que não, que era muito difícil, mesmo impossível. Mas depois convenceu-se.»
«No dia seguinte, quando se soube da fuga, foi uma grande alegria. Houve terras onde tocaram os sinos e estouraram foguetes.»
«Lutei com os polícias, mesmo dentro da sala do tribunal, enquanto continuava com a declaração. Foi tão violenta a luta que acabei quebrado, com uma hérnia. Levaram-me então em charola para fora da sala, mesmo pelo meio das testemunhas, para uma cela na Boa Hora. E ali fiquei, no calabouço, até que, umas horas depois, foram lá ler-me a sentença: dez anos e “medidas de segurança”..»
«Quando voltei finalmente a Portugal fui para o trabalho de organização nas Beiras, uma região que eu conhecia como as minhas mãos. Mas agora, como tudo era diferente. O Partido com os centros de trabalho abertos, com a sua imprensa legal, com campanhas de recrutamento, com milhares e milhares de militantes…»
Francisco Miguel
«As grandes dificuldades económicas em que os meus pais viviam, a miséria e a fome que conheci em criança, fizeram-me tomar a vida muito a sério antes mesmo que tivesse idade para isso. Eu creio que, de certo modo, essa foi a primeira escola revolucionária.»
«Cuidei de cavalos, de burros, de ovelhas e de cabras; mondei trigo; fiz todos os trabalhos do campo que um rapaz entre os 7 e os 13 anos pode fazer. Fiz não poucas vezes trabalhos que excediam em muito as minhas possibilidades físicas.»
«Um dia do mês de Janeiro de 1924, os jornais Diário de Notícias e O Século traziam o retrato de Lénine e a notícia da sua morte. Nesse dia, ao entrar na oficina, muito calado como sempre, todos repararam que mestre Bento trazia um fumo no casaco, sinal de luto. (…) este luto por Lénine foi para mim inesquecível.»
«A violenta repressão que se seguiu ao 18 de Janeiro provocou dificuldades na organização partidária. Mas o certo é que, apesar de tudo, o 18 de Janeiro revelou um Partido com boa implantação na classe operária, suficientemente forte para vir a corrigir as suas insuficiências, reorganizar as suas fileiras e ocupar um lugar insubstituível na luta contra o fascismo.»
«Na minha actividade de onze meses como responsável do Comité Local de Lisboa encontrei muitas dificuldades. Porque trabalhava, ao mesmo tempo, com o camarada mais responsável do Partido nesse momento, um camarada que não podia sair de dia nem mesmo de noite, por ser conhecido da polícia, e eu era obrigado a ter muito movimento, muitos contactos. Uma tal situação, nas condições de então, não era a mais aconselhável e continha muitos inconvenientes de vária ordem.»
«O [agente] José Gonçalves agarrou-me violentamente. Aproximando-me a pistola da cara (certamente a mesma com que 6 anos mais tarde havia de assassinar o Alfredo Dinis), intimava-me a levantar as mãos. “Mãos ao ar”, gritava-me ele. Eu, por minha vez (talvez imprudentemente), agarrei-o também pelos virados do casaco e chamei-lhe bandido, etc. Nesse momento vi aparecer ao longe os camaradas com quem nos íamos encontrar, o que aconselhava a fazermos tudo para que a polícia nos levasse dali o mais depressa possível.»
«Ao sair de lá [do segredo do Aljube] estava aparentemente mais gordo. Tinha uma cor esquisita e uma cara bolachuda como nunca tivera antes. Em Caxias o Ludgero explicou-me que aquilo era devido à falta de luz e que dentro de 8 ou 9 dias estaria no meu estado normal.»
«Não podendo escapar, resolvi deter-me e obrigar o guarda a perder tempo comigo o mais tempo possível, de modo a que o [Jaime] Serra se pudesse salvar.»
«Enquanto Esmeraldo Pais Prata foi médico do Tarrafal e até à derrota dos nazis em Stalinegrado, éramos às vezes obrigados a comer a carne dos bois que estavam tuberculosos.»
«O sol batia na porta de ferro e o calor ia-se tornando sempre mais difícil de suportar. Íamos tirando a roupa, mas o suor corria incessantemente. A “frigideira” teria capacidade para dois ou três presos por cela. Chegámos a ser doze numa área de nove metros quadrados. A luz e o ar entravam com muita dificuldade pelos buracos na porta e em cima pela abertura junto ao tecto. (…) A “frigideira” matava.»
«Foi o talento do Partido e a sua ligação com o povo que tornaram possível a fuga de Peniche.»
«Em cada prisão fascista havia sempre 2 realidades: a realidade da prisão, a tortura, os métodos policiais fascistas, a sua finalidade; e a alma dos presos, a sua conduta de lutadores, a sua inteligência, a sua vontade de estudar, a sua dedicação à causa do povo.»