Do coeficiente 8,2 ao coeficiente 6,9, dizem eles. Só?

Aumentam as desigualdades sociais em Portugal

Anselmo Dias
O Eurostat reportado ao ano de 2005 dizia que, na União Europeia (então a 25), Portugal era o país com as maiores diferenças no que diz respeito à distribuição da riqueza. O Eurostat utilizava, para o efeito, o rendimento global dos 20% da população mais rica e o rendimento global dos 20% da população mais pobre, dividindo o resultado do 1.º grupo pelo 2.º grupo. Dessa operação resultava um valor (coeficiente) que se traduz no seguinte: quanto mais baixo for esse coeficiente mais homogénea é a sociedade; quanto mais elevado for esse coeficiente mais desigual é a sociedade.
Para uma melhor compreensão, vamos admitir, no plano meramente teórico, que o 1.º grupo de 20% da população tinha um rendimento global de um milhão de euros e que o 2.º grupo de 20% da população tinha, igualmente, um rendimento de um milhão de euros.
Isto, que não acontece em nenhum país, significa a igualdade plena, comprovada pelo coeficiente igual a um.
Vamos admitir, com base no exemplo atrás referido, que o 1.º grupo passava do rendimento de um milhão para dois milhões e que o 2.º grupo continuava na mesma.
Neste caso o coeficiente passava a ser dois, ou seja: aumentava a desigualdade.
No plano dos exemplos vejamos um outro caso: vamos admitir que o 1.º grupo passava a ter um rendimento global de 4,9 milhões de euros e que o 2.º grupo continuava na mesma, com um rendimento de um milhão de euros.
Neste caso o coeficiente passava a ser 4,9 tanto quanto era a média, em 2005, nas assimetrias sociais na União Europeia entre os 20% da população mais rica e os 20% da população mais pobre.
Pois bem, tornamos a insistir: quanto mais sobe esse coeficiente mais cresce a desigualdade.
É o que acontece em Portugal cujo coeficiente de 8,2 é o valor mais elevado, ou seja o valor mais assimétrico dos já referidos 25 países da União Europeia.
Não há nenhum país, (importa insistir nisto para que cada um de nós tenha a resposta na ponta da língua) com tanta desigualdade. As situações mais próximas mas que não chegam, sequer, ao coeficiente sete são a Lituânia, a Letónia e a Polónia.
Os países com menos desigualdades relativas, inferiores, inclusive, ao coeficiente quatro, são a Suécia, a Dinamarca, a Finlândia, a Áustria, o Luxemburgo e a Eslováquia.
Entretanto, no passado dia 15 de Outubro, o Instituto Nacional de Estatística (INE) no «louvável» propósito de comemorar o Dia Internacional de Erradicação da Pobreza, com base, diz o próprio, no Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (2005) afirma que a população residente em situação de risco de pobreza era de 19%, o que perfaz cerca de dois milhões de portugueses.
Sobre este valor pouco há a dizer pois corresponde mais ou menos àquilo que têm sido os cálculos do Eurostat.
A grande surpresa do referido estudo do INE resulta da seguinte afirmação e passamos a citar: «o rendimento dos 20% da população com maior rendimento era 6,9 vezes (o sublinhado é nosso) o rendimento dos 20% da população com menor rendimento».
Como foi possível esta diminuição das assimetrias terem descido 2.2 pontos, ou seja: 16% em termos percentuais?
Para nós trata-se de um profundo mistério na medida em que entra em contradição com o estudo que fizemos com base nas declarações dos rendimentos brutos declarados às Finanças em sede de IRS.

Resultado de 30 anos de política de direita

Para efeito do referido estudo, o Grupo Parlamentar do PCP fez um requerimento em 18/7/2007 solicitando ao governo, através do Ministério das Finanças, uma listagem relativa ao rendimento dos portugueses, listagem essa desagregada por 26 escalões, começando no rendimento inferior a 3000 euros anuais e acabando no rendimento anual superior a 1 000 000 de euros.
A resposta, com base na informação da Direcção Geral dos impostos (DGCI), foi dada em 21 /9 relativa a 4 372 436 agregados familiares (não confundir com «famílias clássicas») cujos rendimentos brutos, em 2005, totalizaram, em valor arredondado, 73 532 milhões de euros.
Pois bem, estudámos convenientemente a referida listagem e utilizámos o seguinte critério de análise:
– fizemos uma listagem por ordem crescente de rendimentos (dos mais pobres para os mais ricos);
– fizemos uma listagem por ordem decrescente de rendimentos (dos mais ricos para os mais pobres);
– cruzámos os dados das duas listagens, uma e outra, organizada sucessivamente por somas e percentagens acumuladas.
Desse cruzamento concluímos o seguinte;
– os 20% da população mais pobre (874 487 agregados familiares) tiveram um rendimento global bruto de cerca de 2888 milhões de euros;
– os 20% da população mais rica ( 874 487 agregados familiares) tiveram um rendimento global bruto de cerca de 40 283 milhões de euros.
Daqui decorre que o coeficiente apurado é de 13,9. Registe-se que o Eurostat quantifica-o em 8,2 e o INE em 6,9.
Convém referir, em nome da verdade e do rigor, que os nossos cálculos estão feitos na base dos rendimentos brutos declarados em sede de IRS, pelo que não estão corrigidos face aos impostos que, mercê da sua progressividade, são mais elevados nos altos rendimentos e mais baixos e até nulos nos rendimentos modestos. Convém também referir que o nosso estudo baseia-se nos rendimentos monetários e exclui qualquer parcela relativa a rendimentos em espécie.
Embora a progressividade fiscal contribua para baixar as assimetrias e a agricultura de subsistência possa amenizar a dimensão da pobreza, temos para nós que uma coisa e outra não explicam as enormes diferenças atrás referidas. Pela nossa parte explicámos o método de análise, pelo que seria conveniente que o INE, de cujos investigadores não pomos em causa a sua competência técnica, publicamente explicasse porque é que o coeficiente entre os 20% da população mais rica e os 20% da população mais pobre é de apenas 6,9. E para que não restem dúvidas quanto a isto tornamos pública a listagem que nos foi fornecida pela Direcção Geral dos Impostos para que cada um avalie as assimetrias existentes em Portugal e possa, assim, confirmar que o PCP tem toda a razão quando, reiteradamente, declara que as assimetrias em Portugal estão a aumentar. De facto, a listagem em anexo permite concluir o seguinte drama colectivo:
cerca de 745 000 portugueses têm, por dia, um rendimento médio de 1,61 euros. Não. Não há nenhum erro de cálculo. Os 307 968 agregados mais pobres tiveram globalmente um rendimento bruto de 438 305 040 euros. Como, em média, cada agregado familiar é composto por 2,42 pessoas, a conclusão é rigorosamente aquela atrás referida: cada pessoa, no extracto social mais baixo, dispõe, em média, por dia, de 1,61 euros. Eis onde nos levaram as políticas de direita nos últimos 30 anos.
Entretanto, por via da redução da forma de cálculo das pensões de reforma e da redução prevista, quer dos subsídios de desemprego quer de doença, tudo indica que a não haver uma forte resistência às políticas do Governo de Sócrates aqueles 1,61 euros poderão vir a ser reduzidos.
Nota final: No decurso do nosso estudo fomos confrontados com um excelente artigo, assinado por Ana Cristina Pereira, publicado no jornal «Público» em 11 do corrente.
Nesse artigo são abordados casos pessoais envolvendo quer famílias quer pessoas isoladas, cujos rendimentos per capita por dia iam da ausência monetária até ao máximo de 4,93 euros, caso de uma família constituída por cinco pessoas. No caso de uma outra família constituída por três pessoas, o rendimento monetário per capita, por dia, correspondia a 3,49 euros.


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O Orçamento de Estado para 2008 <strong>(*)</strong>

Um Orçamento de Estado é um instrumento. É um instrumento de uma política. Debatê-lo não é avaliar um documento técnico. Não se trata de fazer um exame de finanças públicas e de ver se o documento elaborado responde aos objectivos políticos que deve servir. Se fosse esse o caso, eu não daria nota ao sr. ministro das Finanças. Ele ainda teria de ir à oral… Trata-se, sim, de ver a quem serve este orçamento, tal como foi apresentado. Pelo que um orçamento não é bom ou mau. Serve ou não serve, e quem serve.