- Nº 1773 (2007/11/22)
Resposta ao despotismo

América Latina não se cala

Internacional
Venezuela, Bolívia e Nicarágua instaram os seus homólogos na Cimeira Ibero-americana a seguirem caminhos de justiça social. A reunião ficou ainda marcada pelo insulto de Juan Carlos a Hugo Chávez.

Em Santiago do Chile, a agenda dos 22 chefes de Estado incluía temas como a coesão social e o desenvolvimento, mas fartos de declarações de intenções que redundam em políticas contrárias aos interesses dos povos, Hugo Chávez, Evo Morales e Daniel Ortega sublinharam que passar das palavras aos actos significa romper com o capitalismo e deixar de servir os interesses das multinacionais.
O nicaraguense propôs mesmo a criação de um fórum de nações da região cujo objectivo seja a defesa dos povos e países. Daniel Ortega disse que tal seria num avanço histórico face às políticas de livre mercado e ao expansionismo norte-americano e europeu.
O presidente da Nicarágua foi secundado pelo boliviano, Evo Morales, que insistiu na contingência da América Latina e do Caribe abandonarem o modelo neoliberal. Falando da situação no seu país, Morales denunciou as ingerências norte-americanas no subcontinente e lembrou que tais práticas são sempre favoráveis às oligarquias nacionais e ao capital internacional, e contrárias às transformações sociais e à soberania dos povos.

Despotismo real

Rafael Correa, presidente do Equador, e Carlos Lage, vice-presidente de Cuba, destoaram igualmente das intenções mornas, mas foi Hugo Chavez quem acabou por ser o alvo da raiva da grande burguesia.
Depois de rejeitar a expressão «coesão social» insistindo na sua substituição pelo termo «justiça social», e de pedir aos participantes que explicassem «como se pode tornar coeso o que está despedaçado?», Chávez acusou as potências capitalistas de desrespeitarem a escolha democrática dos povos. Cháves lembrou o golpe de Estado na Venezuela, em 2002, e apelidou o então primeiro-ministro espanhol, Aznar, de fascista, referindo-se ao seu envolvimento na intentona.
O actual chefe do executivo de Madrid, Rodriguez Zapatero, defendeu Aznar, e foi perante a reafirmação de Chávez que o rei espanhol decidiu insultar o venezuelano mandando-o calar.
Ao episódio têm reagido personalidades e organizações políticas repudiando a atitude de Juan Carlos. Em poucos dias, um abaixo-assinado dinamizado por intelectuais de todo o mundo granjeou mais de 2500 subscrições.
No texto, os signatários notam que «os índios, os oprimidos e os esquecidos entraram definitivamente no cenário político ibero-americano, e nem monarcas nem neoliberais disfarçados de esquerdistas os poderão calar».

Solidários com a Venezuela

Em Portugal para um encontro com José Sócrates depois da assinatura do acordo entre a Galp e a Petróleos da Venezuela, anteontem, Hugo Chávez não esqueceu os que por cá também lutam.
Depois de duas horas de espera no Aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa, as duas centenas de pessoas ali concentradas viram a sua persistência reconhecida quando o venezuelano parou a comitiva e saiu para saudar calorosamente os presentes, entre palavras de ordem de «Chávez amigo, o povo está contigo!».
Sensível aos incentivos, Chávez aceitou um texto subscrito pela Associação de Amizade Portugal–Cuba, pela Comissão de Solidariedade com a Venezuela Bolivariana, pela CGTP/IN, pela Interjovem, pela JCP, pelo MDM, pela USL, pela USS e pela URAP, no qual as organizações sublinham «a sua amizade e solidariedade para com o processo, os avanços e os novos desafios da Revolução Bolivariana».
«Cientes que as profundas transformações em curso na Venezuela constituem um exemplo substancial das mudanças sensíveis de raiz popular e progressista em curso na América Latina, que tanta atenção e esperanças suscitam na Humanidade», os promotores da iniciativa saudaram ainda «a política externa da Venezuela Bolivariana virada para a cooperação, a amizade e a paz entre os povos».

Da democracia

Descendia o rei
De outros reis e senhores
Matadores
De Índios
(Pois já o diz a sabedoria
Das grandes nações:
Que o único índio bom
É o índio morto).
E então o bom rei quis
Silenciar o índio.
Mas a era dos índios
Calados
Acabara
E o rei saiu da sala
Com a coroa entre as pernas
E a fama de democrata -
Como convém a um rei
Por um grande democrata
Nomeado.
Os democratas, em uníssono,
Aplaudiram.
O índio?
Não! O rei


José António Gomes