- Nº 1763 (2007/09/13)
Avanteatro 2007

Experiências, paixão, encantamentos

Festa do Avante!

Todos os anos o pavilhão do Avanteatro proporciona experiências inesquecíveis a milhares de visitantes da Festa. Uns, levados pela paixão antiga pelo Teatro, encontram no seu diversificado programa a oportunidade de acompanhar o que de melhor se produz no País em matéria de artes de palco. Outros, levados pela simples curiosidade dos não iniciados, deixam-se conquistar ao primeiro contacto pelo prazer da representação teatral, pela expressividade dos actores, pelos jogos de luz, pela música.
Mas é no público de mais tenra idade, levado pela mão diligente dos progenitores, que a magia do espectáculo produz o seu mais notório e comovente encantamento. Com a entrada dos actores, as irrequietas e barulhentas figurinhas ao colo dos pais, sentadas nas cadeiras ou de pernas cruzadas no chão à boca de cena, imobilizam-se compenetrando-se no palco, suspensas pelo olhar sério e imenso que transborda de fantasia.
É para receber todos estes públicos, miúdos e graúdos, leigos e entendidos, que o experimentado núcleo de profissionais comunistas renova todos anos a aposta de produzir teatro no contexto ímpar da Festa do Avante!

Diversidade de tendências

À longa série de êxitos sucessivos das edições precedentes somou-se a programação deste ano, cuja qualidade foi reconhecida e premiada por uma assinalável afluência de público.
No diversificado programa onde, para além do teatro, se incluiu a dança, a música, o bailado e o cinema documental, destacou-se pela sua singularidade o espectáculo realizado pel’ O Bando no espaço exterior defronte ao pavilhão.
Nas duas representações da peça «Cabeça de Pregos sem Cabeça», efectuadas nas noites de sexta-feira e de sábado, a companhia dirigida por João Brites surpreendeu e cativou a vasta plateia ao ar livre com uma peça de sabor experimental, que adoptou como palco o plano inclinado de um telhado de telha vermelha, ali montado sob uma estrutura metálica.
Mais de meio milhar de pessoas (sem contar com o permanente desfile de visitantes que faziam uma pausa na caminhada), seguiram sem arredar pé a linguagem gestual dos actores, os seus movimentos arriscados em equilíbrio periclitante, as histórias retalhadas sem aparente coerência, aceitando o desafio de completar o sentido das palavras com a sonoridade vocal e expressão corporal das personagens.
Também a ESTE- Estação Teatral, companhia sedeada no Fundão, propôs a divertida e inusitada peça «Pax Romana», em que três soldados romanos falam num latim ininteligível, o que não impediu o estabelecimento de uma viva comunicação com o público, guiado pelo gesto e por uma ou outra palavra-chave retirada da língua de Camões.
Um teatro mais «convencional» foi proporcionado pelo Ninho de Víboras, grupo de Almada, com a peça «Punchwork», em torno dos tradicionais espectáculos de fantoches nas zonas costeiras de Inglaterra que, tal como os nossos «Robertos», ofereciam diversão nas praias com violentos números que terminam invariavelmente à paulada.
Por sua vez, o grupo de Coimbra Bonifrates, com a peça «Eu não sou o Rappaport», trouxe a temática da terceira idade, o drama da solidão, da luta quotidiana pela sobrevivência e por uma existência com dignidade.
O desenvolvimento do processo criativo que precede uma estreia teatral foi o tema do interessante documentário de Rui Simões que seguiu passo a passo a construção do espectáculo baseado no livro de José Saramago «Ensaio sobre a Cegueira», levado à cena pelo O Bando.
Para além das peças para a infância do grupo de Setúbal Espelho Mágico e do Tarumba com as suas marionetas de mesa, que encantaram não só os mais novos, pelos palcos do Avanteatro passaram ainda o duo de voz e harpa Ela não é Francesa, Ele não é Espanhol, o jazz do Trio de Filipe Raposo, que contou com a participação especial de Amélia Muge, e os ritmos dançantes da música klezmer da tradição judaica pelo grupo de André Santos.
Ainda no domínio musical, o programa encerrou com um recital de João Afonso inteiramente preenchido com as canções de Zeca Afonso, a quem o Avanteatro prestou homenagem ao lado de Adriano Correia de Oliveira e Henrique Viana, o consagrado actor comunista recentemente falecido.

Carlos Nabais