
- Nº 1760 (2007/08/23)
A CIA ontem, hoje e amanhã
Internacional
Há umas quantas semanas, com a devida pompa e circunstância dos media nacionais e internacionais, todos eles afinadinhos pelo mesmo diapasão, a CIA publicou 702 páginas «revelando» algumas das suas acções dos últimos anos. Fê-lo, em boa parte, como resposta a pressões da sua própria opinião pública e não faltou quem de imediato saísse por aí a dizer que «assim é como funciona uma democracia». DemocraCIA deveriam ter dito. Esses tais papeis não revelaram nada e nada de novo trouxeram para a rua. O que ali se «revelou» já era conhecido de quem quer saber minimamente como, para quê e para quem funciona a CIA. E até um jornal tão bem comportadinho como o New York Times veio a público afirmar que essas 702 páginas, conhecidas como as «jóias da coroa», ainda que esperadas há muito «deixaram de fora muitas outras. Muitas secções foram censuradas, evidenciando que a CIA ainda não pode mostrar todos os esqueletos que esconde nos seus armários[1]». Contudo, não deixa de ser interessante recordar algumas das tropelias fascistóides perpetradas em nome da democracia e da civilização ocidental.
Das tarefas «caseiras» da CIA...
O artigo em que questão lembra-nos que a CIA, durante a histeria anticomunista dos anos 60 e 70 espiou ilegalmente os seus próprios cidadãos para «descobrir» alguma relação entre os governos comunistas de então e as manifestações pacifistas contra a guerra. Em 1967, Lyndon B. Johnson – o mesmo que foi presidente graças ao assassinato de John F. Kennedy, o democrata da invasão de Baía dos Porcos – tinha a idéia fixa de que essas manifestações eram coisas dos comunistas e ainda que fosse contra os princípios da CIA – vejam só isto: a CIA até tem «princípios» – ordenou a Richad Helms que se deixasse de legalismos e espiasse os seus concidadãos. O pobrezinho do Helms não teve outra opção senão obedecer! Esta operação, que se estendeu ao longo de sete anos, foi baptizada com o simbólico nome de «Caos» e alongou-se até ao regime de outro delinquente que também chegou à Casa Branca pela porta grande e saiu com o rabo entre as pernas: Richard Nixon.
... àquelas de alcance internacional...
As tais 702 páginas «revelam» que a CIA e outras agências com nomes menos suspeitos treinaram e equiparam estrangeiros para que servissem os seus respectivos países «e, em segredo, os Estados Unidos». Entre militares e políticos, milhares de pessoas de 25 países – os tais papeis não dizem quantas em Portugal, mas algumas não serão assim tão difíceis de localizar – foram instruídas para espiar a favor do imperialismo nos inícios dos 60. Tudo isto feito de tal forma que, segundo Robert Amory, uma das cabeças principais da Agência, afirmou que podia levar a «tácticas ao estilo da Gestapo».
... passando por outras de simples alcoviteirice!
Suspeita que a sua amante o atraiçoa? Se for um gangster, a CIA dá-lhe uma mãozinha. Foi o que se passou com Sam Giancana, um mafioso de Chicago que esteve envolvido numa conspiração para assassinar Fidel Castro. A CIA devia-lhe uma e como Giancana desconfiava que a sua amante, a cantante Phyllis McGuire tinha certa «amizade» com o comediante Dan Rowan, conseguiu que a CIA desencadeasse uma operação de vigilância para determinar o «grau de intimidade» entre os dois. Bonito não é? Mas a Agência fazia ainda outros favores. Durante o «reinado» de Kennedy, os seus amigos Maria Callas e Aristóteles Onassis – o mesmo que depois casaria com a viúva de Kennedy – estavam tão urgidos de voar de Roma a Atenas e não podiam esperar as incomodidades de um vôo comercial ainda que fosse em primeira classe. Quem poderia resolver problema tão sério? Adequadamente instruído pelo seu máximo chefe, a CIA pôs à ordem do magnata um avião da Força Aérea. Tudo ao melhor estilo de qualquer republiqueta bananeira!
A CIA “era” assim?
Estas «revelações» só são feitas agora porque se tivessem sido destapadas antes teriam «infligido feridas mortais na CIA e privado a nação de tudo de bom que a Agência poderia fazer no futuro». Este cinismo só é comparável a uma declaração fresquinha do general Michael V. Hayden, o novo cérebro maior da CIA, que nos quer fazer acreditar que isso foi o passado e que «actualmente as práticas da CIA respeitam os preceitos legais».
Sabemos que não é assim. Que nunca será assim. E também sabemos que, dentro de 20, 30 ou 40 anos, a CIA do futuro admitirá os crimes que comete hoje.
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[1] NYT 27 de Junho, que nos serve de base a esta nota.
Pedro Campos