No Dia do Livro
No passado dia 23, segunda-feira, Dia Mundial do Livro, e a RTP deu claro sinal de não ser insensível à efeméride: o «Prós e Contras» dessa noite teve como anunciado tema (na imprensa e no próprio site da RTP) o «Livro de Reclamações» ao dispor dos cidadãos um pouco por toda a parte, unidades da indústria hoteleira e outras. É certo que o Livro de Reclamações não corresponde exactamente ao género de livros e de leitura que seguramente está na raiz do Dia Mundial, mas nessa diferença é que reside, presumo, o fino sentido de humor da nossa operadora pública de televisão. Como quem diz aos que apesar dela própria, RTP, se obstinam em gostar de ler, qualquer coisa como: «-Ah, querem que na TV se fale de livros em «prime time»? Pois aí têm, por aí se sirvam!». A ideia deve ter tido pilhas de graça para quem fosse capaz de saboreá-la e até teria tido o mérito acrescido de constituir excepção à regra do «Prós e Contras», que é a de não ter graça nenhuma. Além, é claro, de que há gostos para tudo. De qualquer modo, por muito apetitosa que seja a tentação de falar hoje aqui de reclamações de um modo geral e do livro supostamente instituído para as acolher, será preferível referir a celebração do Dia Mundial do Livro e respeitá-la talvez um pouco mais que a própria RTP. Falando disso mesmo, do livro, e do que nesse dia a RTP fez por ele.
Leituras: as novas e as «velhas»
Para lá da divertidíssima piada de que o «Prós e Contras» iria consagrar o dia 23 ao Livro de Reclamações, a RTP falou de livros noutros momentos da sua emissão daquela data, designadamente no «Sociedade Civil», rubrica que a «2» transmite todos os dias úteis às 14h00. Aí, sim, o tema foi exactamente «Dia Mundial do Livro – Novas Leituras». A jornalista Fernanda de Freitas, habitual apresentadora do programa, conversou com o que me pareceu serem três simpáticas bruxinhas, entre as quais julguei reconhecer a minha velha amiga «Maga Patológica» um pouco transformada e muito melhorada pelo decorrer do tempo. Qualquer das três está de um modo ou de outro ligada ao problema da leitura, e portanto também dos livros, mas pelo que ali se ouviu talvez todas mais sensíveis à questão das chamadas «novas leituras», aliás presente no título da emissão, ao relacionamento mais geral entre livros e leitores. Ainda assim, porém, e fora desse específico âmbito, foi ali divulgada uma ou outra notícia não só agradável mas também susceptível de muito nos maravilhar. Por exemplo: que 91,35% dos portugueses lêem livros. Perante isto, fiquei a perguntar-me como tão lisonjeira percentagem é compatível com os conhecidos níveis de analfabetismo e iliteracia, e não encontrei resposta. Outro exemplo: segundo outra informação prestada no programa, em Março último 68% dos portugueses estava a ler um livro. Mesma agradável surpresa, mesma perplexidade. Admito, é claro, que por incontornáveis limitações de entendimento não tenha eu conseguido descodificar o profundo sentido destas informações. Fica, porém, a dúvida: e se não tiver sido assim? Se aquelas magníficas taxas não passam de dois magníficos disparates? Entretanto, foi notório que ao longo de todo o programa nem sempre o livro esteve associado a formas de leitura que têm o papel como suporte, isto é, que de facto decorrem do livro e do seu manuseamento. Tudo bem, a gente sabe que o texto informático existe, que a Net foi uma explosão, mas a verdade é que o dia 23 foi o Dia Mundial do Livro e não de Leitura. E a diferença não é pequena. É que a leitura de textos em livro, sobretudo em textos de ficção, não é substituível por leitura informática sem enorme perda de efeitos de grande e incomparável riqueza. Na verdade, no Dia Mundial do Livro era esperável a defesa e promoção do livro como veículo de ainda insubstituídos prazeres para o leitor. Não foi o que aconteceu neste «Sociedade Civil», e a presença complementar da fórmula «novas leituras» no título do programa parece corresponder a uma parcial capitulação do livro perante as novas tecnologias. A questão não seria importante se não se soubesse o permanente desprezo da RTP por aquilo a que ela gostaria talvez de chamar, abertamente, «velhas leituras». Que, contudo, ainda são um fundamental factor civilizacional. Ela é que não sabe. Nem sonha.
Leituras: as novas e as «velhas»
Para lá da divertidíssima piada de que o «Prós e Contras» iria consagrar o dia 23 ao Livro de Reclamações, a RTP falou de livros noutros momentos da sua emissão daquela data, designadamente no «Sociedade Civil», rubrica que a «2» transmite todos os dias úteis às 14h00. Aí, sim, o tema foi exactamente «Dia Mundial do Livro – Novas Leituras». A jornalista Fernanda de Freitas, habitual apresentadora do programa, conversou com o que me pareceu serem três simpáticas bruxinhas, entre as quais julguei reconhecer a minha velha amiga «Maga Patológica» um pouco transformada e muito melhorada pelo decorrer do tempo. Qualquer das três está de um modo ou de outro ligada ao problema da leitura, e portanto também dos livros, mas pelo que ali se ouviu talvez todas mais sensíveis à questão das chamadas «novas leituras», aliás presente no título da emissão, ao relacionamento mais geral entre livros e leitores. Ainda assim, porém, e fora desse específico âmbito, foi ali divulgada uma ou outra notícia não só agradável mas também susceptível de muito nos maravilhar. Por exemplo: que 91,35% dos portugueses lêem livros. Perante isto, fiquei a perguntar-me como tão lisonjeira percentagem é compatível com os conhecidos níveis de analfabetismo e iliteracia, e não encontrei resposta. Outro exemplo: segundo outra informação prestada no programa, em Março último 68% dos portugueses estava a ler um livro. Mesma agradável surpresa, mesma perplexidade. Admito, é claro, que por incontornáveis limitações de entendimento não tenha eu conseguido descodificar o profundo sentido destas informações. Fica, porém, a dúvida: e se não tiver sido assim? Se aquelas magníficas taxas não passam de dois magníficos disparates? Entretanto, foi notório que ao longo de todo o programa nem sempre o livro esteve associado a formas de leitura que têm o papel como suporte, isto é, que de facto decorrem do livro e do seu manuseamento. Tudo bem, a gente sabe que o texto informático existe, que a Net foi uma explosão, mas a verdade é que o dia 23 foi o Dia Mundial do Livro e não de Leitura. E a diferença não é pequena. É que a leitura de textos em livro, sobretudo em textos de ficção, não é substituível por leitura informática sem enorme perda de efeitos de grande e incomparável riqueza. Na verdade, no Dia Mundial do Livro era esperável a defesa e promoção do livro como veículo de ainda insubstituídos prazeres para o leitor. Não foi o que aconteceu neste «Sociedade Civil», e a presença complementar da fórmula «novas leituras» no título do programa parece corresponder a uma parcial capitulação do livro perante as novas tecnologias. A questão não seria importante se não se soubesse o permanente desprezo da RTP por aquilo a que ela gostaria talvez de chamar, abertamente, «velhas leituras». Que, contudo, ainda são um fundamental factor civilizacional. Ela é que não sabe. Nem sonha.