- Nº 1742 (2007/04/19)

A miséria «motora» da população (I)

Argumentos

As críticas à situação desportiva do nosso País e à formação motora dos portugueses, é normalmente, muito mal recebida. O conformismo em relação ao «pensamento único», ou seja, à doutrina generalizadamente difundida e fora da qual pouca margem de manobra existe, leva a que universidades e órgãos de Poder não encarem, sequer, a análise desta questão.
Os próprios educadores, não na totalidade, mas numa percentagem que espanta, são incapazes de encarar a extensão do seu trabalho para além da sua escola e para além do quadro «normal» que receberam do passado.
Por outro lado, o «barulho» que se faz periodicamente em torno das vitórias internacionais de alguns dos nossos atletas de «alto nível», e, em especial, os êxitos do futebol, encobrem a situação real em que vive o Desporto Nacional. De tal forma os órgãos de comunicação social ampliam estes resultados, se preocupam com constantes episódios de uma telenovela em muitos casos abjectamente sensacionalista que não tem fim, e passam despreocupadamente por cima de qualquer análise mais profunda da realidade, que muitos se interrogam sobre a justeza das análises «negativistas», ou sobre as reivindicações daqueles que pretendem alterar uma situação que consideram grave.
No entanto, existem elementos seguros que permitem estruturar uma visão aproximada da situação. Apesar da escandalosa escassez de estudos realizados neste campo, ainda por cima estranhamente contraditórios, afirma-se que a percentagem total de praticantes de uma qualquer actividade físico-desportiva oscila entre os 10% e 23% da população. O que significa que 8 a 9 milhões de portugueses estão completamente alheados de qualquer tipo de prática. Estamos perante a mais baixa percentagem de praticantes da Europa.
Num outro sentido, é possível ver em estudos do Conselho da Europa que, no nosso País, as crianças do 1.º ciclo do Ensino Básico tem duas horas semanais de educação física. Como se sabe isso é falso, e não deve ser escamoteado pela acção desenvolvida com carácter esporádico e não verdadeiramente sustentado, em certas escolas do antigo Ensino Primário.

País do «4.º mundo»

Com o desporto escolar passa-se uma situação idêntica: diz-se que ele existe, mas não se refere em que extensão e com que características. Para além da análise pedagógica do seu significado, que se manifesta negativa, sabe-se que o número de alunos que nele se integra está muito longe dos 80%, 90% e até 100% apresentados por vários países da Comunidade Europeia. De facto, o número oficial é de cerca de 7% a 11% para Portugal, pois também aqui as estatísticas são pouco fiáveis.
A percentagem de adultos com mais de 30 anos que se dedicam a qualquer tipo de prática cresceu nos últimos 20 anos, mas o seu número continua a ser desconhecido, o mesmo acontecendo com os idosos. Porém, num e noutro caso, a simples observação da realidade mostra como se está longe do admissível.
Integrando esta situação no funcionamento global do Sistema Educativo, é fácil compreender o significado da expressão do antigo bispo de Setúbal, que afirmou que Portugal, em termos desportivos, era «um País do 4.º ”mundo”».
Como sempre, nestas situações, os mais duramente atingidos são as crianças e os jovens que pertencem aos extractos populares. Das mulheres e dos homens trabalhadores infelizmente nem vale a pena falar e, nesta realidade, nem entram sequer os mais duramente atingidos pelas actuais condições sociais («os excluídos»).
Habitualmente passa-se por cima desta realidade com o maior à vontade. Os «homens do desporto» fechados no círculo restrito do «seu» clube e na «sua» federação não têm condições para abordar tal problemática. Às efémeras referências que a ela são feitas por educadores ou políticos, responde o Poder com promessas, queixas de falta de meios, e/ou a indiferença.
A miséria não se define unicamente através das estatísticas, forma, aliás, muito frequente de escamotear a verdadeira dimensão humana da situação. Também se «lê» nos próprios corpos de cada um. E se não a encontramos, felizmente, nos nossos filhos, isso não nos deve fazer esquecer a realidade referida a um grande número de crianças, jovens e adultos do nosso País.

A. Mello de Carvalho