Calderón confirma-se gestor do neoliberalismo

Crise das tortilhas abala México

Dois meses e meio após ter tomado posse, Filipe Calderón enfrenta a crescente contestação popular. Centenas de organizações preparam uma greve geral para o mês de Maio.

Movimentos populares preparam protestos e uma greve geral

Na base dos protestos contra o governo liderado por Calderón estão o aumento generalizado dos preços dos bens de primeira necessidade, o conflito político e social em Oaxaca e noutras regiões do país, e a fraude eleitoral com que o candidato do Partido de Acção Nacional chegou ao poder.
Domingo, dia 4, na Cidade do México, representantes de cerca de 600 organizações de trabalhadores, camponeses, estudantes e comunidades indígenas assinaram um pacto contra o neoliberalismo, em defesa da soberania nacional e da legitimidade democrática. Os signatários comprometem-se em não dar tréguas ao agravamento da política de direita no México, exigindo, simultaneamente, a revogação do mandato de Calderón. Estão agendadas dezenas de manifestações descentralizadas e outras iniciativas de protesto, as quais deverão culminar com uma greve geral e uma gigantesca mobilização no 1.º de Maio.
Por digerir continua a monumental chapelada que conduziu Calderón à chefia do Estado, situação que só encontra paralelo nas eleições de 1988, quando Salinas de Gortari foi aclamado presidente apesar de derrotado nas urnas. Igualmente derrotado nas urnas, em Julho de 2006, o candidato apoiado pelos sectores conservadores e pelas multinacionais norte-americanas tomou posse a 1 de Dezembro do ano passado. Entre as primeiras medidas de Calderón figuram o aumento do preço do leite e dos ovos, mas quem julgava que a aplicação dos ditames neoliberais seria refreada por forma a acalmar os exaltados ânimos de classe, encontra nas raízes da actual crise razões suficientes para não se voltar a iludir.

A revolta das tortilhas

Carne, gasolina, gás e electricidade foram alguns dos géneros fundamentais que, nos primeiros 60 dias da presidência de Calderón subiram em flecha, registando aumentos entre os 20 e os 40 por cento, com a consequente perda do poder de compra dos sectores populares, estimada pelos economistas locais em aproximadamente 18 por cento. O nível de vida do povo mexicano já só é comparável aos índices de há 12 anos. Três milhões de crianças trabalham em regime quase escravo nas principais cidades do país e cerca de 50 milhões de mexicanos sobrevivem abaixo do limiar da pobreza.
Apesar de tudo, o que parece ter acendido definitivamente o rastilho contra o executivo foi o brutal aumento do preço das tortilhas, base da alimentação da esmagadora maioria dos mexicanos e responsável pelo sustento de milhares de pequenos produtores agrícolas, industriais e comerciantes. No primeiro dia deste mês, milhares de pessoas saíram à rua exigindo medidas efectivas de combate à inflação, mas a chamada marcha das tortilhas promete, a breve prazo transformar-se em revolta generalizada.
Antes, um quilo de tortilhas custava cerca de 3,5 pesos, mas a escassez de farinha de milho rapidamente fez disparar o preço do «pão mexicano» até valores que chegaram próximos dos 15 pesos.
O aumento da procura de milho para transformação em etanol nos EUA e o açambarcamento de elevadas quantidades daquele cereal por entrepostos distribuidores gananciosos – no último mês chovem as denúncias populares sobre armazéns contendo toneladas de milho escondido, queixas a que o governo procura dar resposta sem sucesso - são parte da explicação oficial, mas mais não fazem que ocultar as causa profundas.

Dependência extrema

À chamada crise das tortilhas respondeu Calderón, a meio do mês de Janeiro, com o estabelecimento de um preço consensual de 8,5 pesos, medida aplaudida pelos grandes distribuidores e agrários nacionais e internacionais, mas considerada insuficiente pelo povo e pelos pequenos produtores e comerciantes. A população, vítima da fome e da especulação (o consumo de tortilhas caiu entre 20 e 30 por cento em apenas três semanas com graves reflexos na quantidade de calorias diariamente ingeridas), os agentes económicos locais, incapazes de competir com as grandes cadeias do sector.
A semana passada, o governo voltou a tentar remendar a crise com o anúncio da importação de centenas de milhares de toneladas de milho dos EUA, mas a decisão, ao invés de se demonstrar eficaz, só agrava ainda mais a dependência do México face aos interesses das multinacionais.
Para compreender as razões da crise no país é necessário ter em conta que o México integra o espaço de livre comércio com o Canadá e os EUA.
O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (North American Free Trade Agreement, Nafta, na sigla inglesa) colocou o México no lugar do Japão como o maior parceiro comercial dos EUA, mas arrasou a política económica e agrícola do país em poucos anos. Milhares de camponeses ficaram sem subsídios à produção de um momento para o outro. Os salários nas cidades caíram abruptamente. Pelo menos metade da população trabalha em regime precário e as jornadas de trabalho atingem níveis de exploração extrema. O crescimento económico antes pujante é agora abaixo de mediano.
O milho cultivado no país foi progressivamente substituído pelo homólogo com a chancela de multinacionais como a Monsanto. Os excedentes made in USA, em 2008, vão inundar sem barreiras o mercado mexicano. Um ano antes, a política de choque teve início pela mão de Calderón.

Obrador reclama política social

Em périplo por várias regiões do país, o vencedor não reconhecido das últimas eleições no México, Andrés Manuel López Obrador, defende que o governo não pode capitular perante os interesses das companhias petrolíferas norte-americanas concedendo-lhes a exploração das jazidas de hidrocarbonetos.
Num comício na conturbada região de Chiapas, Obrador afirmou que «o povo não pode permitir a entrega dos recursos naturais a particulares, nacionais ou estrangeiros, porque tal resultaria na ruína do Estado».
O ex-candidato à presidência explicou que cerca de 40 por cento do orçamento do país depende directamente dos lucros do petróleo, por isso, entregá-lo a privados seria um negócio lesivo aos interesses do país e do povo. Obrador teme que com tal medida, sectores como a saúde ou a educação vejam os respectivos orçamentos serem drasticamente cortados.


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