
- Nº 1728 (2007/01/11)
Eles, os jovens
Argumentos
Na passada segunda-feira, o regressado «Prós e Contras» abordou os actuais problemas dos jovens portugueses: os que eles, os jovens, enfrentam e também os que eventualmente suscitam. Na imprensa diária lera-se que o programa teria um título que já anunciava um aspecto da questão; «Juventude inquieta»; no ecrã dos televisores surgiu um outro mais neutro, «O estado da juventude», como se a RTP não quisesse correr o risco de perturbar minimamente a tranquilidade de espírito dos cidadãos telespectadores, mas essa nem sequer chega a ser uma questão menor. Coincidindo decerto involuntariamente com esta possível intenção, a intervenção inicial de Daniel Sampaio foi nesse sentido: disse ele que não se trata de «nada de muito inquietante». Recordando que hoje os jovens ficam mais tempo na casa paterna, enfatizou que essa situação implica também um prolongamento da formação académica, o que é um ganho, embora sabendo-se que este ganho tem más raízes (expressão esta que não é do professor, entenda-se) que são a dificuldade de emprego e o alto preço da habitação. Aludiu também aos altos abandono e insucesso escolares, que considerou factos graves, mas fê-lo quase de passagem e em tom tranquilo. Assim, os primeiros minutos do programa decorreram em alguma mornidão, ou assim me pareceu, de tal modo que comecei a recear que tudo assim prosseguisse até ao fim e se passasse ao lado do fundamental. Até que Barata-Moura, partilhando ou não o risco que eu julgava pressentir ou por não estar disposto a perder o seu serão a acompanhar conversas que não passariam dos «entretantos», para utilizar aqui uma fórmula vocabular há anos popularizada por uma novela brasileira, decidiu-se a passar aos «finalmentes». Lembrou ele, com a veemência adequada, que estamos a viver «um regresso violentíssimo das condições de trabalho» do passado e que «estamos a aceitar» esse facto. Acrescentou a necessidade de não deixarmos que se afirme «a confusão entre o que é a Economia e uma certa gestão do capitalismo». Registe-se que às suas palavras se seguiu a primeira salva de palmas da noite. E também que da sua intervenção claramente se depreendia que o problema do emprego é uma das causas da angústia que assalta os jovens, porventura a que mais se prolonga no tempo, e que dela decorre uma boa parte dos restantes flagelos juvenis, passe esta expressão.
A «esperança trabalhada»
Seguiu-se uma fase em que Fátima Campos Ferreira abordou jovens sentados na primeira fila da plateia e deles recolheu testemunhos. Por mim, estranhei que entre tantos nem um só se contasse entre os muitos milhares que ao longo de meses, de anos, buscam um emprego sem resultado: todos eles tinham escapado a esse interminável drama e às suas sequelas, e todos tinham formação universitária. Confirmava-se assim o sereno optimismo inicial do professor Daniel Sampaio, mas talvez sobretudo por falta de representatividade da amostragem presente. Receei que tudo fosse um regresso às águas mornas, mas o facto é que muito se falou de precariedade e de recibos verdes (Carla Mouro, presidente do Conselho Nacional da Juventude, informou que 42% dos jovens só encontram trabalho precário). Porém, o momento do programa em que voltei a sentir-me empolgado, digamos assim, foi quando Fátima Campos Ferreira passou a abordar os líderes das juventudes partidárias. Não tanto pelo que eles disseram, pois cada qual se referiu sobretudo ao que considera problema maior, mas porque Fátima não resistiu a aproveitar aquele tempo para relançar a sua campanhazinha pessoal contra a «política», os «políticos» e o «fazer política». Não imagino sequer onde a jornalista, que ainda é suficientemente jovem para não ser contemporânea da cartilha salazarista, e não apenas salazarista mas também fascista ou no mínimo parafascista, foi tão devastadoramente infectada pelo vírus da suposta antipolítica. Sem se dar conta de que a «política» que ela recusa mesmo em público e no exercício das funções profissionais é, afinal, a vida democrática na democracia que temos, e que a distracção dos «políticos», de todos os «políticos» e não apenas de alguns, integra a imagem de marca de todas as ditaduras desde as mais odiosas até às supostamente mais «soft». Já perto do final, foi ainda uma frase de Barata-Moura que iluminou o comum horizonte imaginário: apontou para «o optimismo através de uma esperança trabalhada». É bem caso para que com reforçadas convicções nos lancemos todos a esse trabalho.
Correia da Fonseca