Informação à hora certa
Esta é uma história que não começa como a maioria das que nos habituámos a ouvir, quando o tradicional «era uma vez» nos despertava o imaginário de fábulas com monarcas e cortes algures num passado descontínuo no tempo.
Nesta narrativa, os personagens principais são povo de carne e osso e testemunham um viver colectivo inaugurado há 75 anos, com o primeiro número do Avante!.
Aqui se conta uma experiência que se distingue também porque amanhã se continuará a escrever, e a paginar, imprimir, distribuir e ler, porém, tudo começou...
Na foto: Mário Portal, em primeiro plano, e José Rondanito
«Tudo começou com uma reunião no Vitória». A expressão soou exactamente igual à que foi dita na Assembleia de Organização Concelhia de Sintra, quando José Rondanito, ex-trabalhador da EPAL, comunicou aos camaradas o balanço da tarefa que agora o preenche.
Na dita reunião, cerca de 30 camaradas apuraram orientações sobre como aumentar a distribuição do Avante!. «Porquê? Porque as empresas foram despedindo os trabalhadores e isso reflectiu-se na venda do jornal e no contacto dos camaradas com a actividade regular do Partido. A ideia era discutir formas de fazer chegar o jornal às pessoas nos locais de residência e com isso mantê-las a par da nossa acção. Depois, a questão passou por colocar essa orientação em prática», resume Rondanito com tal entusiasmo que as maçãs do rosto ameaçaram fazer sumir os olhos sagazes.
«Cada caso é um caso, e eu e o Xico – Francisco Silva, ou Xico Avante!, alcunha carinhosa que camaradas e habitantes da Idanha lhe colocaram devido aos anos que dedicou e continua a dedicar à distribuição do Òrgão Central do PCP - começámos a falar sobre como fazer cumprir na freguesia de Belas e na localidade onde vivemos, a Idanha. Temos que arranjar leitores, tanto faz que sejam do Partido, como não», acrescenta.
Em toda a freguesia distribuíam-se semanalmente seis jornais. Chegados ao Centro de Trabalho do PCP, no Cacém, o Xico Avante! levava-os para casa de uma camarada onde os militantes os iam buscar quando podiam. Por vezes acumulavam-se e por desmotivação ou justificação semelhante alguns acabavam por desistir. Exigia-se um esforço para que o Avante! chegasse com regularidade e a mais gente.
Habituado a distribuir o Avante! «já durante a clandestinidade, tanto no Alentejo como depois na Escola Profissional Veiga Beirão, em Lisboa», Rondanito acolheu com agrado o desafio, ao qual se juntou Mário Portal, militante do PCP nas primeiras horas de Abril e desde então assíduo leitor do periódico do Partido.
A experiência adquirida «durante o fascismo, a ouvir os camaradas operários mais velhos» e a militância na célula da Lisnave «onde se aprendia e discutia o Avante!», semearam em Portal a consciência de nunca desistir e o rigor na execução da responsabilidade assumida, características que sobressaem temperadas com simpatia.
Obstinados em levar por diante a colocação do Avante!, ambos, Portal e Rondanito, trocaram ideias sobre como ultrapassar as dificuldades. Elaboraram uma lista de camaradas – «entre os quais alguns que trabalhavam na Alfredo Alves, na Mague, na Sorefame, e outros colectivos onde o Avante! circulava e que por isso já estavam habituados a comprar», sublinha Portal; fizeram um mapa com os horários e os locais mais convenientes a cada um dos leitores e deitaram pernas aos caminhos que percorrem sem olhar a quilómetros.
À hora certa
Os resultados começaram a animar. Camaradas que se apercebiam que à distribuição se haviam associado outros dois pares de mãos e que o Avante! andava mais nas ruas da Idanha, começaram a pedir também. «Esta semana não estou a contar contigo, mas para a próxima já te trago o jornal», respondeu Rondanito numa ocasião.
O volume crescente de vendas obrigava Xico Avante! a carregar 20, 30, depois quase 40 jornais entre o Cacém e a Idanha. O peso nutrido do maço de semanários não perdoa a quem a saúde prega irritantes partidas, e o próprio Xico resolve o inconveniente propondo aos camaradas que os «avantes» passem a ser entregues em sua casa.
Problema resolvido, Rondanito passa todas as quintas-feiras às 8h30 da manhã e como a solução colectiva é sempre mais rica que o voluntarismo, outros obstáculos perdem contexto: «alcançámos o que já tínhamos percebido que era muito importante, a entrega do jornal à hora certa e sem que restassem “sobras”, ou seja, tudo o que fosse pedido tinha que ser entregue», explica Rondanito.
Mais Avante!, mais Partido
Fruto da discussão, responsabilização e empenho em trazer mais gente à luta dos comunistas e às razões que lhes assistem, o Avante! mudou de percurso na localidade.
Apesar do primeiro a receber o jornal ser um camarada com décadas de activa militância, muitos são os que voltaram à participação regular na vida do Partido em consequência do reanimado contacto com o Avante!.
Nesta história, não faltam também os que, não sendo do PCP votam nas nossas listas eleitorais, ou mesmo em listas de outras forças políticas, mas que insistem em comprar o nosso jornal.
Na freguesia são 13 os não militantes que ficam regularmente com o Avante!. Alguns acederam após uma breve conversa sobre a necessidade de ter nas mãos informação que não vem em nenhum outro jornal. O hábito de ler noticias com outra perspectiva de classe da que se apresenta dominante pegou em todos eles. Quer Mário Portal, quer Rondanito têm influência no cultivar deste gosto.
Sempre que entregam o Avante! dão com prazer dois dedos de conversa. «Não te esqueças de ler o artigo A ou B» – dizem. «E lêem mesmo, que depois nos cafés e nas esplanadas apanhamos esses amigos a defenderem a opinião do Partido e vemo-los a exibirem o Avante! sem preconceitos», revela Portal.
«Ainda há duas semanas arranjámos mais um leitor. Isto galvaniza-nos, porque se andássemos a falar com camaradas e amigos e nos fechassem a porta, talvez baixássemos os braços, mas como temos tido êxito, continuamos persistentes», destaca ainda.
Os frutos deste trabalho não se ficam pela venda regular do Avante!. Recentemente, três leitores aderiram ao PCP e «nas iniciativas e actividade regular do Partido temos mais gente a participar.
«Porque passámos a utilizar o mesmo sistema dos jornais, também a recolha da quotização registou melhorias significativas. Antes do fim do primeiro semestre deste ano já todos tinham o substancial da sua contribuição em dia», esclarece Mário Portal.
Pontos nos ii
O trajecto que aqui se conta não é alheio a percalços, mas a tais contrariedades sobrepôs-se até agora a vontade tenaz de promover o esclarecimento e a consciencialização.
Exemplos disso são «quatro ou cinco camaradas que influenciados nitidamente pela desinformação e pelas mentiras num período crítico da vida do Partido, o das histórias dos “renovadores” que nada queriam renovar, colocavam questões sobre o fulano ou sicrano, duvidavam da justeza das decisões da direcção do Partido. Entendemos que o melhor era pôr os pontos nos ii. Passavam a receber semanalmente o Avante!, reflectiam e tiravam as devidas conclusões sobre as várias incidências», lembrou Portal.
«Todos os que estavam nesta situação aceitaram o nosso desafio. Ao cabo de um mês, camaradas que já não iam sequer a uma reunião, a partir da leitura do Avante! e das conversas durante a distribuição, começaram a dizer que andavam enganados. Hoje são camaradas que raramente falham uma reunião», disse ainda Mário Portal.
Actualmente, Mário Portal e José Rondanito distribuem quase 40 «avantes» na localidade da Idanha. O afinco e altruísmo modelados pela vida e pela conduta comunista quebram barreiras que à primeira vista parecem inultrapassáveis; contribuem para desmontar enganadores destaques de primeira página que deturpam a prática comunista e aberturas de telejornal que douram as pílulas amargas da política de direita; ajudam a construir a consistência colectiva necessária à luta contra a exploração.
«Se todos fizermos um bocadinho o Partido sai reforçado, as pessoas adquirem consciência, e quem ganha com tudo isto não são os comunistas, é o povo», conclui Mário Portal.
Fraternidade a toda a prova
Neste relato, sobressaíram já provas suficientes de que a fraternidade comunista vence as dificuldades mais enraizadas, mas quando a escolha se faz entre alimentar o espírito ou o corpo, o caso ganha contornos mais complexos.
Sendo a Freguesia de Belas uma zona simultaneamente rural e urbana, as bolsas de pobreza persistente notam-se a olho nu. Os comunistas estão entre os que vivem dia-a-dia com salários e reformas de miséria e, por isso, por muito que custe e doa, às vezes também têm que cortar na obrigação militante de comprar a imprensa partidária.
Mas há coisas que calam mais forte, e como o objectivo traçado é não devolver um jornal que seja, quando um camarada vai de férias, os que não têm possibilidades económicas de ficar com o Avante! regularmente, fazem das tripas coração e asseguram a compra do jornal durante o período de descanso do militante a quem a publicação se destina nas demais semanas do ano. Entre nós, a fraternidade não é certamente uma palavra vã, regista-se.
Foto de Jorge Cabral
Na dita reunião, cerca de 30 camaradas apuraram orientações sobre como aumentar a distribuição do Avante!. «Porquê? Porque as empresas foram despedindo os trabalhadores e isso reflectiu-se na venda do jornal e no contacto dos camaradas com a actividade regular do Partido. A ideia era discutir formas de fazer chegar o jornal às pessoas nos locais de residência e com isso mantê-las a par da nossa acção. Depois, a questão passou por colocar essa orientação em prática», resume Rondanito com tal entusiasmo que as maçãs do rosto ameaçaram fazer sumir os olhos sagazes.
«Cada caso é um caso, e eu e o Xico – Francisco Silva, ou Xico Avante!, alcunha carinhosa que camaradas e habitantes da Idanha lhe colocaram devido aos anos que dedicou e continua a dedicar à distribuição do Òrgão Central do PCP - começámos a falar sobre como fazer cumprir na freguesia de Belas e na localidade onde vivemos, a Idanha. Temos que arranjar leitores, tanto faz que sejam do Partido, como não», acrescenta.
Em toda a freguesia distribuíam-se semanalmente seis jornais. Chegados ao Centro de Trabalho do PCP, no Cacém, o Xico Avante! levava-os para casa de uma camarada onde os militantes os iam buscar quando podiam. Por vezes acumulavam-se e por desmotivação ou justificação semelhante alguns acabavam por desistir. Exigia-se um esforço para que o Avante! chegasse com regularidade e a mais gente.
Habituado a distribuir o Avante! «já durante a clandestinidade, tanto no Alentejo como depois na Escola Profissional Veiga Beirão, em Lisboa», Rondanito acolheu com agrado o desafio, ao qual se juntou Mário Portal, militante do PCP nas primeiras horas de Abril e desde então assíduo leitor do periódico do Partido.
A experiência adquirida «durante o fascismo, a ouvir os camaradas operários mais velhos» e a militância na célula da Lisnave «onde se aprendia e discutia o Avante!», semearam em Portal a consciência de nunca desistir e o rigor na execução da responsabilidade assumida, características que sobressaem temperadas com simpatia.
Obstinados em levar por diante a colocação do Avante!, ambos, Portal e Rondanito, trocaram ideias sobre como ultrapassar as dificuldades. Elaboraram uma lista de camaradas – «entre os quais alguns que trabalhavam na Alfredo Alves, na Mague, na Sorefame, e outros colectivos onde o Avante! circulava e que por isso já estavam habituados a comprar», sublinha Portal; fizeram um mapa com os horários e os locais mais convenientes a cada um dos leitores e deitaram pernas aos caminhos que percorrem sem olhar a quilómetros.
À hora certa
Os resultados começaram a animar. Camaradas que se apercebiam que à distribuição se haviam associado outros dois pares de mãos e que o Avante! andava mais nas ruas da Idanha, começaram a pedir também. «Esta semana não estou a contar contigo, mas para a próxima já te trago o jornal», respondeu Rondanito numa ocasião.
O volume crescente de vendas obrigava Xico Avante! a carregar 20, 30, depois quase 40 jornais entre o Cacém e a Idanha. O peso nutrido do maço de semanários não perdoa a quem a saúde prega irritantes partidas, e o próprio Xico resolve o inconveniente propondo aos camaradas que os «avantes» passem a ser entregues em sua casa.
Problema resolvido, Rondanito passa todas as quintas-feiras às 8h30 da manhã e como a solução colectiva é sempre mais rica que o voluntarismo, outros obstáculos perdem contexto: «alcançámos o que já tínhamos percebido que era muito importante, a entrega do jornal à hora certa e sem que restassem “sobras”, ou seja, tudo o que fosse pedido tinha que ser entregue», explica Rondanito.
Mais Avante!, mais Partido
Fruto da discussão, responsabilização e empenho em trazer mais gente à luta dos comunistas e às razões que lhes assistem, o Avante! mudou de percurso na localidade.
Apesar do primeiro a receber o jornal ser um camarada com décadas de activa militância, muitos são os que voltaram à participação regular na vida do Partido em consequência do reanimado contacto com o Avante!.
Nesta história, não faltam também os que, não sendo do PCP votam nas nossas listas eleitorais, ou mesmo em listas de outras forças políticas, mas que insistem em comprar o nosso jornal.
Na freguesia são 13 os não militantes que ficam regularmente com o Avante!. Alguns acederam após uma breve conversa sobre a necessidade de ter nas mãos informação que não vem em nenhum outro jornal. O hábito de ler noticias com outra perspectiva de classe da que se apresenta dominante pegou em todos eles. Quer Mário Portal, quer Rondanito têm influência no cultivar deste gosto.
Sempre que entregam o Avante! dão com prazer dois dedos de conversa. «Não te esqueças de ler o artigo A ou B» – dizem. «E lêem mesmo, que depois nos cafés e nas esplanadas apanhamos esses amigos a defenderem a opinião do Partido e vemo-los a exibirem o Avante! sem preconceitos», revela Portal.
«Ainda há duas semanas arranjámos mais um leitor. Isto galvaniza-nos, porque se andássemos a falar com camaradas e amigos e nos fechassem a porta, talvez baixássemos os braços, mas como temos tido êxito, continuamos persistentes», destaca ainda.
Os frutos deste trabalho não se ficam pela venda regular do Avante!. Recentemente, três leitores aderiram ao PCP e «nas iniciativas e actividade regular do Partido temos mais gente a participar.
«Porque passámos a utilizar o mesmo sistema dos jornais, também a recolha da quotização registou melhorias significativas. Antes do fim do primeiro semestre deste ano já todos tinham o substancial da sua contribuição em dia», esclarece Mário Portal.
Pontos nos ii
O trajecto que aqui se conta não é alheio a percalços, mas a tais contrariedades sobrepôs-se até agora a vontade tenaz de promover o esclarecimento e a consciencialização.
Exemplos disso são «quatro ou cinco camaradas que influenciados nitidamente pela desinformação e pelas mentiras num período crítico da vida do Partido, o das histórias dos “renovadores” que nada queriam renovar, colocavam questões sobre o fulano ou sicrano, duvidavam da justeza das decisões da direcção do Partido. Entendemos que o melhor era pôr os pontos nos ii. Passavam a receber semanalmente o Avante!, reflectiam e tiravam as devidas conclusões sobre as várias incidências», lembrou Portal.
«Todos os que estavam nesta situação aceitaram o nosso desafio. Ao cabo de um mês, camaradas que já não iam sequer a uma reunião, a partir da leitura do Avante! e das conversas durante a distribuição, começaram a dizer que andavam enganados. Hoje são camaradas que raramente falham uma reunião», disse ainda Mário Portal.
Actualmente, Mário Portal e José Rondanito distribuem quase 40 «avantes» na localidade da Idanha. O afinco e altruísmo modelados pela vida e pela conduta comunista quebram barreiras que à primeira vista parecem inultrapassáveis; contribuem para desmontar enganadores destaques de primeira página que deturpam a prática comunista e aberturas de telejornal que douram as pílulas amargas da política de direita; ajudam a construir a consistência colectiva necessária à luta contra a exploração.
«Se todos fizermos um bocadinho o Partido sai reforçado, as pessoas adquirem consciência, e quem ganha com tudo isto não são os comunistas, é o povo», conclui Mário Portal.
Fraternidade a toda a prova
Neste relato, sobressaíram já provas suficientes de que a fraternidade comunista vence as dificuldades mais enraizadas, mas quando a escolha se faz entre alimentar o espírito ou o corpo, o caso ganha contornos mais complexos.
Sendo a Freguesia de Belas uma zona simultaneamente rural e urbana, as bolsas de pobreza persistente notam-se a olho nu. Os comunistas estão entre os que vivem dia-a-dia com salários e reformas de miséria e, por isso, por muito que custe e doa, às vezes também têm que cortar na obrigação militante de comprar a imprensa partidária.
Mas há coisas que calam mais forte, e como o objectivo traçado é não devolver um jornal que seja, quando um camarada vai de férias, os que não têm possibilidades económicas de ficar com o Avante! regularmente, fazem das tripas coração e asseguram a compra do jornal durante o período de descanso do militante a quem a publicação se destina nas demais semanas do ano. Entre nós, a fraternidade não é certamente uma palavra vã, regista-se.
Foto de Jorge Cabral