(In)Segurança Social – a hora dos porquês
Diz-se que o sistema de Segurança Social teve a sua génese no Estado Previdência europeu desenhado por Bismarck, em finais do século XIX. Foi, contudo, fundamental a influência do modelo social da então União Soviética, em que se garantia a universalidade do direito à segurança social, com a atribuição de prestações sociais como verdadeiros direitos. A influência dos países socialistas e a adopção de políticas de protecção dos trabalhadores e dos seus direitos, bem como do acesso universal à saúde, educação e prestações sociais foram o sustentáculo da manutenção de verdadeiros sistemas públicos de segurança social.
Em Portugal, o forte associativismo operário e a luta de homens e mulheres por um sistema público de Segurança Social teve os seus resultados com a Revolução de Abril. A inexistência de um sistema de protecção social universal traduziu-se na sua incorporação como direito fundamental: «Todos têm direito à Segurança Social», cuja organização, coordenação e subsídio incumbe ao Estado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais trabalhadores.(1)
Não obstante, o modelo social vinha já sofrendo mutações estribadas nos desenvolvimentos sócio-económicos do pós guerra e na alteração profunda dos sistemas de produção e das relações laborais.
A conferência de Bretton Woods, em 1944, que cria o FMI e o Banco Mundial, marca passo na determinação das políticas financeiras a serem impostas à generalidade dos países. Alteram-se as opções económicas que empurram vertiginosamente a humanidade para elevados níveis de pobreza, desemprego e exclusão social.
A «nova ordem mundial»(2) sustenta-se na pobreza e na adopção de políticas que promovem a redução de direitos sociais, nomeadamente de jovens, mulheres e idosos. A crise petrolífera de 1973 enceta o período do declínio do modelo social e o arranque inequívoco das teses neoliberais, estreadas com Pinochet, acentuadas após a queda do Muro de Berlim e a dissolução da URSS. As mesmas medidas económicas são aplicadas a nível mundial. Sob a égide do FMI, do BM e da Organização Mundial de Comércio, as reformas facilitam as actividades de bancos globais e empresas multinacionais que se alimentam da miséria humana e da mão-de-obra barata. Foi, porém, no período de governação de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, que as medidas implementadas conduziram à desintegração do Estado Social.
Também as alterações dos processos produtivos potenciaram a grande concentração de meios num número reduzido de empresas multinacionais, reduzindo substancialmente a capacidade de intervenção dos Estados nacionais na definição da política económica.
Um imenso exército industrial de reserva é mantido no desemprego, ou, quando empregado, em situações de profunda precariedade, fruto da flexibilização das legislações laborais. O empobrecimento de um vasto sector da população mundial conduz, assim, a despesas crescentes na protecção social sem que o outro lado da balança – o crescimento económico – seja o contrapeso.
Aqui chegados, embatemos com as ditas necessárias reformas dos sistemas de Segurança Social. Não são novas, nem tão pouco novidades. É o Banco Mundial que introduz o esquema dos três pilares, a pretexto da repartição das fontes de financiamento. Precisamente os pilares da reforma deste Governo, que foram beber às Grandes Opções do Plano de 1987 (leia-se, às opções de Cavaco Silva). O 1.º pilar engloba o sistema universal e obrigatório, em regime de repartição, financiado pelos contribuintes. O 2.º pilar, um sistema facultativo em regime de capitalização e financiado pelas empresas. O terceiro pilar, um sistema facultativo, em regime de capitalização e exclusivamente financiado pelos particulares. O que não foi dito aos portugueses é que este sistema visa uma evolução tendente à existência do 3.º pilar como fundamental, reservando-se ao Estado um papel residual, de cariz assistencialista, tão bem ilustrado pela Grã-Bretanha de Thatcher.
A implantação deste modelo resultará na aniquilação da democracia. A redução dos direitos sociais, a desintegração do papel do Estado, a entrega por completo ao privado dos sistemas de protecção social tem o resultado já ditado. Um nicho de combate à pobreza e exclusão social, quase encarada como “caridade”, é já o que resta nalguns países e é o que este Governo pretende implementar.
A propósito da privatização dos EUA, podemos ler que a privatização não protegeria os reformados perante a falência do Sistema de Segurança Social. Mesmo com um efeito redistributivo mediano da Segurança Social, a pobreza e as desigualdades na América estão a aumentar. A privatização apenas irá piorar o estado das coisas. (3)
Outros países, como a Suécia, levaram a cabo “reformas” idênticas e concluíram serem medidas profundamente injustas e impulsionadoras de uma prolífera degradação das condições sociais.
Desumanidade, ataque a direitos fundamentais, violação da Constituição: são estas as rosas desta reforma de um Governo dito social(ista) cujos espinhos ferem de morte uma das mais basilares conquistas de Abril.
Mas Abril está na rua. Esteve em Novembro, esteve em Outubro, e está hoje e sempre. Porque os direitos defendem-se agora!
(1)Artigo 63º da Constituição da República Portuguesa
(2) Artigo 63º da Constituição da República Portuguesa
(3) Artigo 63º da Constituição da República Portuguesa
Em Portugal, o forte associativismo operário e a luta de homens e mulheres por um sistema público de Segurança Social teve os seus resultados com a Revolução de Abril. A inexistência de um sistema de protecção social universal traduziu-se na sua incorporação como direito fundamental: «Todos têm direito à Segurança Social», cuja organização, coordenação e subsídio incumbe ao Estado, com a participação das associações sindicais, de outras organizações representativas dos trabalhadores e de associações representativas dos demais trabalhadores.(1)
Não obstante, o modelo social vinha já sofrendo mutações estribadas nos desenvolvimentos sócio-económicos do pós guerra e na alteração profunda dos sistemas de produção e das relações laborais.
A conferência de Bretton Woods, em 1944, que cria o FMI e o Banco Mundial, marca passo na determinação das políticas financeiras a serem impostas à generalidade dos países. Alteram-se as opções económicas que empurram vertiginosamente a humanidade para elevados níveis de pobreza, desemprego e exclusão social.
A «nova ordem mundial»(2) sustenta-se na pobreza e na adopção de políticas que promovem a redução de direitos sociais, nomeadamente de jovens, mulheres e idosos. A crise petrolífera de 1973 enceta o período do declínio do modelo social e o arranque inequívoco das teses neoliberais, estreadas com Pinochet, acentuadas após a queda do Muro de Berlim e a dissolução da URSS. As mesmas medidas económicas são aplicadas a nível mundial. Sob a égide do FMI, do BM e da Organização Mundial de Comércio, as reformas facilitam as actividades de bancos globais e empresas multinacionais que se alimentam da miséria humana e da mão-de-obra barata. Foi, porém, no período de governação de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, que as medidas implementadas conduziram à desintegração do Estado Social.
Também as alterações dos processos produtivos potenciaram a grande concentração de meios num número reduzido de empresas multinacionais, reduzindo substancialmente a capacidade de intervenção dos Estados nacionais na definição da política económica.
Um imenso exército industrial de reserva é mantido no desemprego, ou, quando empregado, em situações de profunda precariedade, fruto da flexibilização das legislações laborais. O empobrecimento de um vasto sector da população mundial conduz, assim, a despesas crescentes na protecção social sem que o outro lado da balança – o crescimento económico – seja o contrapeso.
Aqui chegados, embatemos com as ditas necessárias reformas dos sistemas de Segurança Social. Não são novas, nem tão pouco novidades. É o Banco Mundial que introduz o esquema dos três pilares, a pretexto da repartição das fontes de financiamento. Precisamente os pilares da reforma deste Governo, que foram beber às Grandes Opções do Plano de 1987 (leia-se, às opções de Cavaco Silva). O 1.º pilar engloba o sistema universal e obrigatório, em regime de repartição, financiado pelos contribuintes. O 2.º pilar, um sistema facultativo em regime de capitalização e financiado pelas empresas. O terceiro pilar, um sistema facultativo, em regime de capitalização e exclusivamente financiado pelos particulares. O que não foi dito aos portugueses é que este sistema visa uma evolução tendente à existência do 3.º pilar como fundamental, reservando-se ao Estado um papel residual, de cariz assistencialista, tão bem ilustrado pela Grã-Bretanha de Thatcher.
A implantação deste modelo resultará na aniquilação da democracia. A redução dos direitos sociais, a desintegração do papel do Estado, a entrega por completo ao privado dos sistemas de protecção social tem o resultado já ditado. Um nicho de combate à pobreza e exclusão social, quase encarada como “caridade”, é já o que resta nalguns países e é o que este Governo pretende implementar.
A propósito da privatização dos EUA, podemos ler que a privatização não protegeria os reformados perante a falência do Sistema de Segurança Social. Mesmo com um efeito redistributivo mediano da Segurança Social, a pobreza e as desigualdades na América estão a aumentar. A privatização apenas irá piorar o estado das coisas. (3)
Outros países, como a Suécia, levaram a cabo “reformas” idênticas e concluíram serem medidas profundamente injustas e impulsionadoras de uma prolífera degradação das condições sociais.
Desumanidade, ataque a direitos fundamentais, violação da Constituição: são estas as rosas desta reforma de um Governo dito social(ista) cujos espinhos ferem de morte uma das mais basilares conquistas de Abril.
Mas Abril está na rua. Esteve em Novembro, esteve em Outubro, e está hoje e sempre. Porque os direitos defendem-se agora!
(1)Artigo 63º da Constituição da República Portuguesa
(2) Artigo 63º da Constituição da República Portuguesa
(3) Artigo 63º da Constituição da República Portuguesa