Milhões rejeitam governo
A oposição libanesa mobilizou milhões de pessoas, domingo, 10 de Dezembro, na maior iniciativa de massas contra o governo, manifestação que teve forte participação dos trabalhadores.
«Comungam o repúdio por um regime que enriquece banqueiros e especuladores»
Texto de Bill CecilGeorge Bush não é mais honesto quando fala do Líbano que quando se refere ao Iraque, por isso esconde que aqui se desenrola um movimento de importância histórica, tal como a Intifada palestiniana ou a luta popular contra o Apartheid na Àfrica do Sul.
Domingo, mais de meio Líbano desfilou nas ruas que circundam o parlamento em repúdio ao regime de Fouad Siniora, apoiado pelos EUA. Manhã cedo, nas avenidas de Beirute que nos levam aos bairros operários do Sul da capital, centenas de milhares de pessoas caminhavam vindas dos subúrbios. Nas auto-estradas, um mar de carros e autocarros vertia lentamente sobre a cidade o povo proveniente de todo o país.
A marcha foi gigantesca – dois milhões de pessoas, disseram os promotores -, superando todas as iniciativas ocorridas nos últimos dez dias de demonstrações e acampamentos no centro de Beirute. A maioria reafirmou a vontade de continuar a luta até que as suas exigências sejam atendidas. Dormem em tendas cujo número aumenta todas as noites.
Depois do trabalho, muitos mais se juntam aos que permaneceram em vigília e ficam para os debates políticos e os concertos, homens e mulheres, adultos e crianças. Quem são? O que fazem? São operários, estudantes, agricultores, pedreiros, pequenos comerciantes, trabalhadores por conta própria e desempregados. Num país dividido pelas crenças, encontramos xiitas e sunitas juntos com ortodoxos, cristãos maronitas, drusos e arménios. Os comunistas, os socialistas e os democratas patriotas também não faltam. São membros de partidos muito diversos, sindicatos, grupos de estudantes ou organizações de mulheres e tomam a palavra expressando livremente o que lhes vai na alma.
Pela primeira vez, juntos
«O nosso país foi tão dividido por religiões - disse Ghada, uma estudante de Dahye - que sinto que pela primeira vez nos encontramos unidos».
Os que o ouvem são trabalhadores que comungam o repúdio por um regime que enriquece banqueiros e especuladores empobrecendo a maioria do povo. Um regime que nos últimos quatro anos acumulou uma dívida externa na ordem dos 20 mil milhões de dólares.
Estão fartos da escandalosa taxa de desemprego – cerca de 35 por cento – e de ver partir jovens libaneses pelos caminhos da emigração, esgotados por um país onde o salário mínimo ronda os 250 dólares (embora uma parte considerável da população ganhe ainda menos), e os preços em algumas cidades equivalham aos praticados em Nova Iorque, definitivamente cansados de um governo que nada fez diante da chacina israelita e se deixa manietar pelos que forneceram armas para os bombardeamentos, os EUA. Esta é a sua luta, pela soberania e a justiça.
A voz do povo nas ruas tem que ser ouvida, «particularmente pelos que se encontram confortáveis nas suas mansões», sintetizou Naim Qassam, dirigente do Hezbollah, antes de avisar que «o apoio norte-americano e de algumas nações árabes ao executivo de Siniora de nada vai servir».
Governo apoiou israelitas
As palavras proferidas por Qassam secundam as declarações da noite de 7 de Dezembro, quando dezenas de milhares de libaneses voltaram às ruas de Beirute para ouvirem a mensagem do secretário-geral do Hezbollah, Sayid Hassan Nasrullah, personalidade cujo prestígio cresceu entre a população, não só pela resistência aos ataques de Israel, mas também pela imediata dinamização dos trabalhos de reconstrução levados a cabo num Líbano arrasado pela guerra.
No discurso transmitido pela TV, Nasrullah acusou alguns dos membros da Coligação 14 de Março de terem apoiado o ataque israelita ao ordenarem ao exército que não combatesse e ao recusarem entregar armas para que o povo se defendesse. O Líbano não se transformará num novo Iraque, disse, por muito que os EUA instiguem o sectarismo e a divisão, acrescentou.
Quem também não foi esquecido pelo dirigente foi o manifestante morto por apoiantes do governo, Ahmad Mahmoud, quando regressava a casa depois do protesto. «O que pretendiam era que respondêssemos com violência, mas como recusamos a guerra civil e a discórdia, as nossas armas só se levantaram contra Israel», declarou Nasrullah.
Na conclusão da sua intervenção, o líder do Hezbollah deixou aberta a porta às negociações, mas avisou que «o povo não vai deixar as ruas até que o Líbano garanta a soberania e a justiça».
Preocupados e sem solução
O movimento que agora se levanta reclama um maior peso dos sectores populares no governo da nação e medidas imediatas de justiça social, razões suficientes para preocupar os partidos do regime e os privilegiados que os sustentam.
A tenacidade dos libaneses nesta batalha ameaça a Casa Branca, a UE e os respectivos planos de dominação na região, mas também alguns dos soberanos apoiados pelo Ocidente, como os reis da Jordânia, Arábia Saudita e Egipto. O receio dos poderosos é que o Líbano se torne num exemplo para os povos do Médio Oriente e estes decidam escrever por outras linhas o futuro colectivo, trocando de políticas e redesenhando até os mapas herdados da dominação colonial.