Greve geral na Administração Pública
Os trabalhadores do Estado cumprem hoje e amanhã uma greve geral, «em resposta à política de destruição de serviços, de empregos e de direitos», afirmou Ana Avoila, coordenadora da Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública, em entrevista ao Avante!.
«Estamos perante o quadro mais negro, na Administração Pública, desde o 25 de Abril»
Quais são os objectivos da greve?
Pretendemos denunciar os projectos do Governo que retiram o direito dos funcionários públicos às suas carreiras, através de um processo em tudo semelhante ao que está a decorrer com os professores.
Por outro lado, o Governo está a tentar destruir o vínculo público dos funcionários do Estado, um direito consagrado na Constituição da República, através de um diploma que visa alterar as remunerações, proporcionando aumentos salariais apenas para quem tenha avaliações de desempenho com resultado de bom.
Que outras consequências poderão decorrer desse diploma sobre as remunerações?
Sendo aprovado, os funcionários públicos, a partir de 2008, deixarão de ter direito à anualidade das actualizações salariais. A anualidade salarial é uma das matérias básicas da negociação colectiva a que todos os trabalhadores têm direito. Deixando de existir, ficam comprometidas leis relativas à contratação colectiva e direitos básicos nela consagrados.
Para já, estamos confrontados com aumentos salariais de 1 por cento, e não de 1,5, como diz o Governo, porque os trabalhadores no activo viram ser-lhes aumentados os descontos para a ADSE, de 1 para 1,5 por cento. Para os aposentados, o aumento do desconto foi de 1 por cento, o dobro. Os reformados ficarão com pensões muito inferiores às que o Governo apregoa.
Ameaçado está também um vasto conjunto de serviços através do PRACE, o Programa de Reestruturação da Administração Central. Quais são os objectivos desta reestruturação?
O PRACE já consta nas leis orgânicas divulgadas pelos ministérios onde são referidos os serviços a extinguir. O objectivo central é passar os serviços que possam ser rentáveis ou lucrativos, posteriormente, para as mãos dos grandes grupos económicos, através de privatizações, num acto de total sujeição do Governo às propostas saídas do encontro chamado «Compromisso Portugal».
Nesse «compromisso», os empresários reivindicaram o despedimento de 200 mil funcionários púbicos, através da extinção e passagem de serviços para o sector privado.
Durante anos, milhares de trabalhadores lutaram pelo direito ao vínculo de emprego público. Com o fim deste estatuto, no ano passado, como ficaram os trabalhadores?
O vínculo de emprego público está consagrado na Constituição com preceitos muito concretos relativos aos deveres dos funcionários e tem sido um garante da existência de equidade e transparência nas relações do Estado com os cidadãos. Com o vínculo, os funcionários estão obrigados a atender, defender e apoiar todos os cidadãos, por igual.
Com a sua destruição, é isso que fica comprometido.
Muitos trabalhadores, como os cerca de 5 mil não docentes lutaram por este vínculo e daí resultou a sua entrada no quadro, embora através de contratos individuais de trabalho, o que foi já uma grande “machadada” nos seus direitos. Com o fim das entradas, a integração tornou-se impossível.
Agora, o Governo quer ir ainda mais longe, ao pretender retirar o vínculo a todos os funcionários. A ofensiva actual é, portanto, muito mais generalizada e a todos diz respeito.
Para nós, o fim do vínculo é, claramente, inconstitucional.
Como se tem comportado o Governo nas negociações com os sindicatos?
Com extrema prepotência. Não negoceia com os sindicatos democraticamente e prima por falta de cultura democrática.
Logo à partida, apresenta propostas e recusa alterar-lhes uma vírgula que seja. Como parte mais forte na negociação, faz tudo para obrigar os trabalhadores à total submissão. Não negoceia e apenas finge fazê-lo.
É a gravidade das intenções anunciadas e a incapacidade do Governo para fazer uma efectiva negociação que não deixa alternativa, aos trabalhadores, que não seja a luta.
Estamos, sem dúvida, perante o quadro mais negro existente na Administração Pública desde o 25 de Abril de 1974.
Tem havido uma introdução cada vez maior da precariedade e um crescente recurso a empresas privadas de outsourcing. Quais são as consequências destas medidas para o Estado, a população, e os trabalhadores?
A precariedade do emprego, na Administração Pública, já é superior à existente no sector privado.
De 1999 até hoje, entraram mais de 110 mil trabalhadores na Função Pública com contratos precários de várias formas: a termo, recibos verdes, por tarefa por tempo indeterminado. A redução fez-se através do congelamento das vagas, quase na mesma medida. No mesmo período, o número de funcionários com vínculo público foi reduzido em 102 mil e abrange, actualmente, pouco mais de 400 mil funcionários.
Com o recurso ao outsourcing, embora ainda não tenhamos dados para saber quantos são os trabalhadores nessa situação, constatamos um grande aumento da despesa pública para satisfazer serviços que saíam bem mais baratos quando eram assumidos pelo Estado. Não por culpa dos salários praticados - porque também ganham muito mal -, mas devido às avultadas verbas destinadas a essas empresas.
O Governo devia reflectir seriamente sobre os riscos para a sociedade e o País que o recurso a estes serviços implica.
A recém-aprovada Lei da mobilidade vai comprometer dezenas de milhares de empregos. Quais vão ser os sectores mais afectados?
Todos serão afectados, embora falte o Presidente da República promulgar a Lei e o parecer do Tribunal Constitucional, porque a Frente Comum apelou à sua fiscalização preventiva.
No entanto, alguns ministérios preparam já a sua aplicação.
Na proposta de OE para 2007, prevê-se a redução, em 5,3 por cento, na despesa com pessoal. Isto significa que os objectivos respeitantes a dispensas para o quadro de supranumerários, nomeadamente através do regime de mobilidade especial e anunciados para serem cumpridos até ao fim da legislatura serão cumpridos já no próximo ano.
Mantendo-se esta intenção, assistiremos a mais uma sangria de saídas, apenas para que o Governo possa reduzir o défice, de novo à custa dos direitos dos trabalhadores.
Quais serão os ministérios mais afectados com cortes de pessoal?
Todos serão afectados mas particularmente grave é a situação na Saúde e na Educação, onde muitos serviços ficarão à beira da ruptura, por falta de pessoal.
Através da avaliação de desempenho, o Governo vai tentar negociar a saída de muitos funcionários. Isto, apesar da evidente falta de meios humanos que está a deixar imensos serviços sociais completamente paralisados.
Perante este ataque generalizado aos direitos de trabalhadores e populações, estamos a caminhar para onde?
Passando tudo para mãos privadas, caminhamos para um Estado mínimo, alheio a obrigações sociais, que vai servir - e mal - apenas os indigentes, e que não dará resposta à restante população, a todos os níveis.
O Governo, que se diz socialista, está simplesmente a descapitalizar o Estado.
Que passos vão dar os trabalhadores para travar estas políticas?
Continuaremos a luta até que o Governo recue. Estamos certos, pela razão que nos assiste, de que os funcionários públicos vão continuar a dar ao executivo de José Sócrates a resposta adequada, porque é a qualidade de vida de todos os portugueses que está em causa.
Pretendemos denunciar os projectos do Governo que retiram o direito dos funcionários públicos às suas carreiras, através de um processo em tudo semelhante ao que está a decorrer com os professores.
Por outro lado, o Governo está a tentar destruir o vínculo público dos funcionários do Estado, um direito consagrado na Constituição da República, através de um diploma que visa alterar as remunerações, proporcionando aumentos salariais apenas para quem tenha avaliações de desempenho com resultado de bom.
Que outras consequências poderão decorrer desse diploma sobre as remunerações?
Sendo aprovado, os funcionários públicos, a partir de 2008, deixarão de ter direito à anualidade das actualizações salariais. A anualidade salarial é uma das matérias básicas da negociação colectiva a que todos os trabalhadores têm direito. Deixando de existir, ficam comprometidas leis relativas à contratação colectiva e direitos básicos nela consagrados.
Para já, estamos confrontados com aumentos salariais de 1 por cento, e não de 1,5, como diz o Governo, porque os trabalhadores no activo viram ser-lhes aumentados os descontos para a ADSE, de 1 para 1,5 por cento. Para os aposentados, o aumento do desconto foi de 1 por cento, o dobro. Os reformados ficarão com pensões muito inferiores às que o Governo apregoa.
Ameaçado está também um vasto conjunto de serviços através do PRACE, o Programa de Reestruturação da Administração Central. Quais são os objectivos desta reestruturação?
O PRACE já consta nas leis orgânicas divulgadas pelos ministérios onde são referidos os serviços a extinguir. O objectivo central é passar os serviços que possam ser rentáveis ou lucrativos, posteriormente, para as mãos dos grandes grupos económicos, através de privatizações, num acto de total sujeição do Governo às propostas saídas do encontro chamado «Compromisso Portugal».
Nesse «compromisso», os empresários reivindicaram o despedimento de 200 mil funcionários púbicos, através da extinção e passagem de serviços para o sector privado.
Durante anos, milhares de trabalhadores lutaram pelo direito ao vínculo de emprego público. Com o fim deste estatuto, no ano passado, como ficaram os trabalhadores?
O vínculo de emprego público está consagrado na Constituição com preceitos muito concretos relativos aos deveres dos funcionários e tem sido um garante da existência de equidade e transparência nas relações do Estado com os cidadãos. Com o vínculo, os funcionários estão obrigados a atender, defender e apoiar todos os cidadãos, por igual.
Com a sua destruição, é isso que fica comprometido.
Muitos trabalhadores, como os cerca de 5 mil não docentes lutaram por este vínculo e daí resultou a sua entrada no quadro, embora através de contratos individuais de trabalho, o que foi já uma grande “machadada” nos seus direitos. Com o fim das entradas, a integração tornou-se impossível.
Agora, o Governo quer ir ainda mais longe, ao pretender retirar o vínculo a todos os funcionários. A ofensiva actual é, portanto, muito mais generalizada e a todos diz respeito.
Para nós, o fim do vínculo é, claramente, inconstitucional.
Como se tem comportado o Governo nas negociações com os sindicatos?
Com extrema prepotência. Não negoceia com os sindicatos democraticamente e prima por falta de cultura democrática.
Logo à partida, apresenta propostas e recusa alterar-lhes uma vírgula que seja. Como parte mais forte na negociação, faz tudo para obrigar os trabalhadores à total submissão. Não negoceia e apenas finge fazê-lo.
É a gravidade das intenções anunciadas e a incapacidade do Governo para fazer uma efectiva negociação que não deixa alternativa, aos trabalhadores, que não seja a luta.
Estamos, sem dúvida, perante o quadro mais negro existente na Administração Pública desde o 25 de Abril de 1974.
Tem havido uma introdução cada vez maior da precariedade e um crescente recurso a empresas privadas de outsourcing. Quais são as consequências destas medidas para o Estado, a população, e os trabalhadores?
A precariedade do emprego, na Administração Pública, já é superior à existente no sector privado.
De 1999 até hoje, entraram mais de 110 mil trabalhadores na Função Pública com contratos precários de várias formas: a termo, recibos verdes, por tarefa por tempo indeterminado. A redução fez-se através do congelamento das vagas, quase na mesma medida. No mesmo período, o número de funcionários com vínculo público foi reduzido em 102 mil e abrange, actualmente, pouco mais de 400 mil funcionários.
Com o recurso ao outsourcing, embora ainda não tenhamos dados para saber quantos são os trabalhadores nessa situação, constatamos um grande aumento da despesa pública para satisfazer serviços que saíam bem mais baratos quando eram assumidos pelo Estado. Não por culpa dos salários praticados - porque também ganham muito mal -, mas devido às avultadas verbas destinadas a essas empresas.
O Governo devia reflectir seriamente sobre os riscos para a sociedade e o País que o recurso a estes serviços implica.
A recém-aprovada Lei da mobilidade vai comprometer dezenas de milhares de empregos. Quais vão ser os sectores mais afectados?
Todos serão afectados, embora falte o Presidente da República promulgar a Lei e o parecer do Tribunal Constitucional, porque a Frente Comum apelou à sua fiscalização preventiva.
No entanto, alguns ministérios preparam já a sua aplicação.
Na proposta de OE para 2007, prevê-se a redução, em 5,3 por cento, na despesa com pessoal. Isto significa que os objectivos respeitantes a dispensas para o quadro de supranumerários, nomeadamente através do regime de mobilidade especial e anunciados para serem cumpridos até ao fim da legislatura serão cumpridos já no próximo ano.
Mantendo-se esta intenção, assistiremos a mais uma sangria de saídas, apenas para que o Governo possa reduzir o défice, de novo à custa dos direitos dos trabalhadores.
Quais serão os ministérios mais afectados com cortes de pessoal?
Todos serão afectados mas particularmente grave é a situação na Saúde e na Educação, onde muitos serviços ficarão à beira da ruptura, por falta de pessoal.
Através da avaliação de desempenho, o Governo vai tentar negociar a saída de muitos funcionários. Isto, apesar da evidente falta de meios humanos que está a deixar imensos serviços sociais completamente paralisados.
Perante este ataque generalizado aos direitos de trabalhadores e populações, estamos a caminhar para onde?
Passando tudo para mãos privadas, caminhamos para um Estado mínimo, alheio a obrigações sociais, que vai servir - e mal - apenas os indigentes, e que não dará resposta à restante população, a todos os níveis.
O Governo, que se diz socialista, está simplesmente a descapitalizar o Estado.
Que passos vão dar os trabalhadores para travar estas políticas?
Continuaremos a luta até que o Governo recue. Estamos certos, pela razão que nos assiste, de que os funcionários públicos vão continuar a dar ao executivo de José Sócrates a resposta adequada, porque é a qualidade de vida de todos os portugueses que está em causa.
Reorganizar não é destruir!
A Frente Comum tem como objectivos fundamentais para 2007 a recuperação do poder de compra, a aproximação gradual do índice 100 ao valor do salário mínimo nacional e dar resposta aos anseios dos trabalhadores quanto ao respeito pelos direitos adquiridos, pela sua dignidade e a segurança no emprego.
A greve de 9 e 10 de Novembro é mais um passo determinante para impedir as intenções do Governo de destruir o vínculo público de emprego e as carreiras, congelar as progressões nos escalões, alterar o regime de horário, faltas e férias, atacar o regime retributivo, aplicar o regime de mobilidade especial com consequentes despedimentos e reestruturar serviços, destruindo-os ou entregando-os a privados.
Este é o 7.º ano consecutivo de perda de poder real de compra dos trabalhadores do Estado e o Governo propõe um aumento de 1,5 por cento nos salários, para 2007.
Entre 2003 e 2006, enquanto os preços aumentaram numa média de 11 por cento – dados do Instituto Português do Consumidor -, os salários médios, na Administração Pública, apenas subiram 5,9 por cento. A quebra real no poder de compra foi de 4,6 por cento.
O índice 100 está cada vez mais longe do salário mínimo nacional (SMN) tendo-se afastado, entre 2000 e 2006, em 16,6 por cento, situando-se nos 321,92 euros. O SMN é de 385,90 euros.
Quando se fala em salários, na Função Pública, raramente se referem estes dados.