Numa democracia apenas técnica
Tony Blair vai continuar a governar
mas no seu mundo paralelo

Grande manifestação em Manchester

Manoel de Lencastre
Após os congressos dos Sindicatos (Brighton) e do Partido Trabalhista (Manchester), o que ficou? A revolução não aconteceu. Os punhais não foram brandidos. Preferiu-se a paz de Blair, que já se comprometera a abandonar a chefia do partido e a do governo, provavelmente, em fins de Maio, depois das eleições locais, mas sem se comprometer quanto a uma data precisa ou quanto a um eventual apoio a Gordon Brown, actual chanceler do Tesouro, para lhe suceder.
Nasceu, assim, uma situação de paz um tanto apodrecida. Mas boa parte dos congressistas que tomaram parte nos trabalhos do vasto pavilhão ‘G-Mex Centre’ em Manchester achou que talvez valesse a pena pagar o preço da paz de Blair. E tudo acabou com um discurso de Bill Clinton que a todos e a si próprio rotulou de progressistas.

Nestas circunstâncias, Blair vai continuar a sua aprofundada retórica sobre terroristas, o governo vai manter-se tal como está, Gordon Brown continuará no N.º 11 de Downing Street à frente das pastas da Economia e das Finanças no cargo de Chanceler do Tesouro. Os que confiam em Blair trataram-no com magnanimidade porque ele, afinal, venceu em três eleições gerais. Mas os que desde há muito perderam a confiança no primeiro-ministro, pressentem que, cedo ou tarde ele criará uma situação, possivelmente envolvendo terrorismos para que falte à palavra dada ao país e considere ser de profundo interesse nacional que ele continue até ao fim do mandato (três anos mais …). Uma certeza ficou: o desenvolvimento da vida política internacional britânica indica que o país, sempre tão orgulhoso da sua trajectória histórica, perdeu a independência porque tudo, na verdade, se resolve na Casa Branca segundo os interesses do imperialismo americano. Nunca vimos, na verdade, qualquer dirigente político britânico tão submetido, tão servil, tão amarrado a esses interesses. Quase diríamos que Tony Blair, para além de ser primeiro-ministro da Grã-Bretanha, é empregado dos Estados Unidos. Mesmo que, na situação criada, desejasse demitir-se e dizer adeus a tudo, a entidade patronal não lho permite. Estranha situação. Quem diria que o primeiro-ministro que está no lugar que foi de um Churchill, de um Clement Attlee, de um Harold Macmillan desempenha funções iguais às de um Hamid Karzai (Afeganistão) e às de um Pervez Musharraf (Paquistão)? Não servem, todos, o mesmo patrão?

Morning Star
Estrela do Congresso dos Sindicatos


O Congresso dos Sindicatos, em Brighton, não reuniu para demitir o primeiro-ministro. Mas foi impressionante o número de delegados que não recuou diante da necessidade de mostrar a Tony Blair o que pensa dele e da sua política. Vivos protestos contra a guerra no Iraque e no Afeganistão. Mais protestos, ainda, contra a entrega a empresas privadas de grande parte das compras e dos serviços do «National Health Service» (Serviço Nacional de Saúde), o que representa uma privatização indirecta. Mais protestos, também, quando um delegado asseverou que Gordon Brown, afinal, defende idêntica política. Tony Blair, olhando a imensa plateia, revelou-se desinspirado. Falava, monotonamente, de bilhetes de identidade, de terroristas, de imigrantes, da globalização. Mas o que transcendeu tudo e levou ao rubro os delegados foi o momento em que o presidente do Sindicato dos Transportes, Bob Crow, ergueu um enorme cartaz onde uma só palavra estava escrita: «Go!». Ao registar este belo momento, a televisão voltou atrás, apressadamente, para não deixar escapar a cena inolvidável de um dos congressistas que, muito atentamente, lia o Morning Star, o jornal diário dos comunistas britânicos.

Um homem morto

Palavras de Tony Blair: «Devemos sentir-nos orgulhosos dos sacrifícios dos nossos soldados. Aqueles que os atacam no Iraque e no Afeganistão, fazem-no para desprestigiar e destruir as nossas raízes democráticas.» Palavras de delegados: «Manda-os regressar! Manda-os regressar!». Muitos começaram a abandonar a sala. Mais palavras do primeiro-ministro a provocarem revolta e dor: «No conflito do Líbano, muitas pessoas, muçulmanas ou não, sentiram-se mobilizadas contra Israel, mas raramente se ouviram mencionar as mortes de israelitas inocentes que foram atingidos pelos foguetes iranianos no norte do pais!». Mais palavras dos delegados: «Lixo! Lixo! Isto é uma vergonha! Fora! Fora! Manda regressar os nossos rapazes! Paz! Paz!». No dia seguinte (13.09) o diário conservador The Daily Telegraph, escrevia: «Aos olhos dos sindicatos britânicos, o primeiro-ministro é, claramente, um homem morto. Ficou a impressão de que muitas perguntas feitas pelos delegados se dirigiam, na verdade, não a Tony Blair, mas ao seu sucessor.» No fim do Congresso, todos concordavam em que Tony Blair já não passa de um primeiro-ministro apodrecido, sem valor, um homem que vive num mundo paralelo, num país que só tecnicamente é uma democracia. O mundo real, segundo o jornal acima mencionado, é um mundo de salários em queda livre, de pressões crescentes no fundamental campo da habitação própria, como no da saúde em total crise. Brendan Barber, secretário-geral da central sindical única (Trades Unions Congress), passa por não simpatizar nem com Blair nem com Gordon Brown, o que se compreendeu melhor quando afirmou: «Há muita gente com talento no movimento da classe trabalhadora britânica!» O próximo primeiro-ministro, na verdade, ainda não está encontrado.

«Blair, valor negativo
deve ser substituído antes de 3 de Maio»

Ilusões perdidas e fuga à realidade

O grande momento do Congresso do Partido Trabalhista, cuidadosa e quase policialmente organizado para defender o primeiro-ministro, foi o da poderosa manifestação de sábado, 23 de Setembro, na véspera do início dos trabalhos. Blair, como se esperava, voltou-lhe as costas e foi entrar no edifício do ‘G-Mex Centre’ pela porta das traseiras. Mas ficou a mensagem de milhares de pessoas: «Go! Go! Go!». Os manifestantes, gente que estava em Manchester para integrar-se na grande marcha contra a política de Blair ou vive na importante cidade do Lancashire, surgiram na esperança de vê-lo anunciar, imediatamente, a sua demissão de leader do partido correndo, logo, ao Palácio de Buckingham, para anunciar à rainha a decisão tomada informando-a, simultaneamente, do nome que o Partido Trabalhista propunha para suceder-lhe. Mas cedo se perderiam todas as ilusões.
Praticamente, todos os secretários de Estado e ministros do governo de Blair se tinham declarado a favor da substituição do primeiro-ministro, ainda em exercício, pelo chanceler da Tesouraria (Gordon Brown). Um após outro, passavam pelos estúdios da TV ou reuniam com jornalistas anunciando a sua preferência – John Prescott (vice-primeiro-ministro), Margaret Beckett (Foreign Office), Jack Straw (leader dos Comuns), Peter Hain (Irlanda do Norte), Alistair Darling (Comércio e Indústria), Harriet Harman (Assuntos Constitucionais), Ed Balls (Tesouraria), Geoff Hoon (Assuntos europeus) – todos dando a entender que a sucessão trabalhista estava garantida e que Blair renunciaria a favor de Brown. E Geeoff Hoon, antigo «blairista» e Secretário de Estado da Defesa quando a guerra do Iraque se iniciou, seria o primeiro a abrir as hostilidades verbais entre os trabalhistas ao declarar que Tony Blair é um valor negativo que deve ser substituído antes das eleições autárquicas de 3 de Maio próximo. Entretanto, esperava-se pelos discursos oficiais de Gordon Brown e do primeiro-ministro. Esses discursos determinariam a direcção que o Congresso tomaria.

Gordon Brown não foi coroado

A intervenção do Chanceler do Tesouro (2.ª feira, 25.09) era aguardada com uma expectativa quase tumultuosa. O chanceler do Tesouro ia perfilar-se perante o Congresso como o próximo primeiro-ministro em quem se confia para que da cena política britânica sejam eliminadas a duplicidade e a mentira. Desta vez, além de todo o seu partido, Gordon Brown tinha sobre si o olhar atento e profundo de toda a Inglaterra, interessada, naturalmente, em saber melhor quem é este escocês que domina a Chancelaria e anda a preparar-se para sair do N.º 11 e entrar no N.º10 de Downing Street. Mas as expectativas foram iludidas. Brown, mostrou-se excessivamente nervoso, falou como um aluno que teme não conseguir convencer os examinadores, discursou dominado pelo sentimento que o tem caracterizado, constantemente, o de uma ambição insegura, e usou de um estilo retórico que o Congresso conhece bem desde há dez anos.
Falando de matérias em que poucos estariam interessados, dado o momento que se vivia, como a devolução de poderes acumulados pelo governo central e a reforma constitucional causou monotonia nas fileiras. Depois, recordou os seus êxitos, a estabilidade económica, o aumento do investimento no Serviço Nacional de Saúde e, retoricamente, falou de globalização, terrorismo, desordem social, crime. E afirmou, um tanto hipocritamente: «Para mim, foi um privilégio trabalhar com Tony Blair!». Ouvindo estas palavras, a esposa do primeiro-ministro, Cherie Blair, disse, logo: «É mentira!».

Tony Blair não abdicou

A intervenção do ainda primeiro-ministro e «leader» do partido, acabou por emocionar uma boa parte dos presentes. Quase chorou. Fingiu-se em dificuldades para dominar as suas emoções. E disse: «A minha mulher não pode com o nosso vizinho do lado!» Referia-se a Gordon Brown que vive no N.º 11 de Downing Street. Ao contrário do que se esperava, Blair recusou-se a mencionar a data exacta da sua demissão oficial. Em vez disso, afirmou: «Vou ficar durante os próximos meses!» Tudo ambiguidades, incertezas, mentiras. Fez grande espectáculo com o seu desejo de alcançar a paz no Médio Oriente, falou de imigração, da justiça, da educação. Um grupo de delegados, obviamente escolhidos, ergueu cartazes: «Thank you, Tony! Fica!» Respondeu a alguns rumores produzidos na vasta sala: «O Chanceler do Tesouro é um homem notável. Um grande servidor deste país. Essa é que é a verdade! Mas, reparem: a função de primeiro-ministro é dura e é preciso demonstrar capacidade de comando!» Terminaria acusando os conservadores de recorrerem a políticas de imagem, sem real conteúdo, e defendendo a sua política externa e as guerras no Iraque e no Afeganistão. O Congresso, preferiu a paz dos hipócritas, a de Tony Blair. Pode dizer-se que, em vez de encerrar os trabalhos, fugiu. Fugiu da realidade.

Candidatos

Além do Chanceler do Tesouro, há diversos nomes que, segundo se observa, poderão, mais cedo ou mais tarde, declarar-se como candidatos à sucessão de Tony Blair. São os seguintes:

1. o óbvio Gordon Brown: homem decente, chefe de família de estilo conservador. Não foi capaz de impressionar o Congresso porque não é intriguista. Sente-se mal quando o acusam de ter aprovado o «golpe de Estado» contra Blair levado a cabo pelos seus apoiantes, há algumas semanas. Decididamente, não sabe organizar um golpe de Estado. Está a ser acusado de não ter o perfil próprio de um primeiro-ministro. O seu grande trunfo é a estabilidade económica em que a Grã-Bretanha tem vivido;
2. John Reid: actual Secretário de Estado do Interior e da Justiça (Home Office). É um «blairista» assumido. Grande defensor e protagonista da luta contra os terroristas que, com a Polícia, procura por todo o país. Procura apresentar-se como um «duro». O seu discurso é fascizante. Tem pouco apoio no grupo parlamentar e no partido:
3. Alan Johnson: actual Secretário de Estado da Educação; homem de carreira no Partido Trabalhista, não conseguiu atingir a alma do Congresso mantendo-se nos bastidores e professando a sua humildade e a sua dedicação à causa dos desfavorecidos; dizem que é bom para inventar anedotas.

Note-se que não existem nem podem existir candidaturas oficiais posto que o primeiro-ministro permanece como dirigente principal do Partido Trabalhista.

Candidatos ao lugar de Vice-líder do Partido:1. Jack Straw: anterior Secretário de Estado do «Foreign Office» e actual líder da Câmara dos Comuns; grande adepto do futebol e do Newcastle United; 2. Peter Hain: actual Secretário de Estado da Irlanda do Norte; tornou-se conhecido em 1969, ainda um jovem, quando se colocou na frente da luta contra o «Apartheid» e conseguiu «destruir» a campanha da selecção de «rugby» da África do Sul na Grã-Bretanha; tem pouco apoio dos Sindicatos; 3. Jon Cruddas: Deputado aos Comuns por Dagenham onde a Ford possuía uma das suas mais importantes fábricas na Grã-Bretanha; homem muito ligado à classe operária e aos Sindicatos; 4. Harriet Harman: antiga ministra, mulher ainda jovem sempre interessada nas grandes causas do sexo feminino; possui largo apoio no seio do grupo parlamentar trabalhista.


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