- Nº 1703 (2006/07/20)

INEVITABILIDADES

Editorial

Apalavra inevitabilidades – tanto no plural como no singular - é, hoje, uma das mais utilizadas por governantes, homens do grande capital, comentadores políticos de serviço – e, lamentávelmente, também por muitos cidadãos comuns, que à força de tanto a ouvirem a repetem, regra geral utilizando-a contra os seus próprios interesses. Não foi por acaso que os grandes grupos económicos e financeiros se apropriaram da quase totalidade dos média nacionais…
O que são essas inevitabilidades? São todas as medidas consideradas indispensáveis para que os grandes grupos económicos e financeiros obtenham, todos os anos, maiores lucros. Para que a palavra faça caminho e colha nas mentalidades desprevenidas, os propagandistas do grande capital envolvem-na numa pretensa modernidade com a qual pretendem ocultar-lhe a provecta idade que possui. Ao fim e ao cabo, as tão repetidas inevitabilidades são, tão-somente, a adaptação aos tempos de hoje da velhíssima, da arcaica, ordem natural das coisas, com a qual, durante séculos, os ideólogos da burguesia exploradora justificaram a existência de exploradores e explorados.
Assim sendo, para eles, a inevitabilidade primeira, aquela que é o ponto de partida essencial para alcançar o objectivo pretendido – o lucro máximo para os capitalistas - é aquilo que nenhum deles trata pelo verdadeiro nome: a exploração. Depois segue-se o longo cortejo de inevitabilidades complementares que, nos tempos que vivemos, querem dizer: salários baixos, desemprego, emprego precário, trabalho sem direitos, reformas de miséria, aperto do cinto, sacrifícios, aumento das desigualdades e das injustiças sociais, e por aí fora.
E, como se sabe, as inevitabilidades são o grande argumento de todos os governos que, nos últimos trinta anos, têm vindo a praticar a política de direita ao serviço dos interesses do grande capital.

Se puxarmos pela memória, lembrar-nos-emos de três declarações comuns a todos os primeiros-ministros nos respectivos discursos de tomada de posse: o País está de rastos (ou de tanga); a culpa é do governo anterior; é inevitável fazer sacrifícios, apertar os cintos. Então, para tirar o País da situação de tanga em que se encontra, o governo acabado de empossar manda às urtigas as promessas eleitorais com as quais caçou os votos dos incautos e começa de imediato a fazer a mesmíssima política que o anterior fazia – regra geral acentuando tudo o que é negativo para os trabalhadores, o povo e o País – e da qual emerge como única preocupação assegurar que os grandes grupos económicos e financeiros aumentem os seus lucros.
Assim sendo, quer o ano seja de ou de retoma, quer o ano seja de redução do défice ou de aumento do défice, os lucros deles não param de aumentar.
Daí que, nas últimas três décadas, o anúncio dos lucros desses grupos, de tão regularmente divulgado, tenha passado a ocupar lugar permanente na ementa informativa que a comunicação social dominante serve aos portugueses e portuguesas. Do outro lado desse paraíso está o inferno do aumento da exploração dos trabalhadores, da quebra dos salários reais, do aumento do desemprego e do emprego precário, enfim, o agravamento das condições de vida e de trabalho de quem trabalha e vive do seu trabalho.

Soube-se recentemente que no ano de 2005 – ano de crise, ano de aumento do défice, logo ano tão bom como qualquer outro para os aumentos de lucros que temos vindo a referir - os cinco maiores bancos privados nacionais viram aumentados os seus lucros em relação ao ano de 2004 – que já não tinha sido nada mau… – em 37%, percentagem que, traduzida em números, significa qualquer coisa como mil e seiscentos milhões de euros. É obra!
Se atentarmos nos métodos utilizados para a obtenção desses lucros verificaremos que eles caracterizam luminarmente a situação que hoje se vive em Portugal em matéria de desrespeito pelos direitos dos trabalhadores e no que respeita ao grau atingido pela exploração – e à impunidade com que tudo isso é feito. Com efeito, parte grande desses lucros ficaram os referidos bancos a devê-la a milhares de horas de trabalho suplementar não remunerado, numa frontal violação da lei e dos direitos dos trabalhadores. O contrato colectivo em vigor estabelece um horário de sete horas de trabalho diário para os trabalhadores bancários?: sim, mas outros valores mais altos se levantam, no caso concreto a necessidade de os lucros dos bancos aumentarem e, sendo assim, as sete horas passam a nove, a dez, ou a mais – não remuneradas porque, lá diz o Governo, todos temos que fazer sacrifícios... Em resumo: para assegurar a inevitabilidade do lucro no fim do ano, impõe-se a inevitabilidade, de sentido oposto, de assegurar a prática de milhares de horas de trabalho suplementar não remunerado – medida que tem ainda a suprema vantagem não apenas de eximir a Banca de admitir mais trabalhadores, mas também de prosseguir com as reestruturações, as fusões e todas as inevitabilidades que lhe permitirão despedir mais trabalhadores sobrecarregando os que ficam com mais trabalho suplementar e não remunerado. Todas estas inevitabilidades violam a Constituição, atentam contra os direitos humanos, flagelam brutalmente a democracia? É claro que sim: sabem-no os banqueiros e sabe-o o Governo. Mas isso que importa? Para os banqueiros não há Constituição, nem direitos humanos, nem democracia que se sobreponham à sua ânsia de lucro. Quanto ao Governo, não há Constituição, nem direitos humanos, nem democracia que se sobreponham à sua ânsia de bem cumprir a tarefa de levar por diante a política que ao grande capital interessa.