A montanha e o rato
O Governo tornou pública a sua proposta de lei de finanças locais. Se ilusões houvesse em espíritos mais crédulos sobre o que dali poderia resultar a proposta encarrega-se de as destroçar.
O Governo tenta agora colocar a população contra as autarquias
O que o Governo propõe é o que seria de esperar: uma acentuada redução das verbas para o poder local, acompanhada de critérios de distribuição que contribuirão para aumentar as assimetrias e desigualdades regionais. Na verdade, a proposta do Governo traduz-se numa quebra da participação das autarquias nas receitas do Orçamento de Estado superior a 270 milhões de euros (que a aplicação conjuntural para 2007 proposta pelo Governo prevendo a arrecadação da parcela dos 3% do IRS procura disfarçar) e na redução, em mais de 80% dos municípios, do valor das transferências, com particular incidência nos municípios mais pobres e com menos recursos.
A proposta agora conhecida encontra-se suportada numa intensa operação de propaganda e assente num conjunto de falsificações que é necessário ter presente.
Primeiro, o ataque dirigido contra o poder local e a sua autonomia financeira é, de há muito, acompanhado por uma intensa ofensiva ideológica destinada a distorcer o enquadramento político e constitucional do regime de finanças locais. A esta ofensiva são caras duas ideias: a de que as transferências para as autarquias seriam um encargo para o Estado e a de que essas transferências resultariam de um gesto de boa vontade do Estado (aqui entendido como administração central ou poder político em exercício) que, a cada momento ou ciclo de uma dada lei de finanças locais, este entenderia atribuir.
Os promotores desta ofensiva fogem ao essencial: as transferências para as autarquias são um imperativo constitucional que as concebe e consagra ao mesmo nível dos recursos de que o Estado central dispõe para alcançar os seus fins e satisfazer as suas responsabilidades.
De facto, o que a Constituição consagra é que «o regime de finanças locais visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades.» Registe-se, pois, o que a Constituição dispõe: a repartição (e justa) dos recursos públicos nacionais pelos dois níveis — autarquias e Estado — e não uma pretensa atribuição de subsídios que o Estado bondosamente desejaria fazer às autarquias, como os alunos do neoliberalismo querem fazer crer.
Ao contrário do que os promotores da subversão do regime de finanças locais querem fazer crer com a cínica afirmação segundo a qual «o país não aguentaria a Lei de Finanças Locais que tem», a verdade é que, olhando para o peso das transferências para as autarquias quando comparado com um dos seguintes indicadores —PIB, Receita ou Despesa Pública ou Impostos cobrados —, este apresenta hoje valores bem mais baixos do que já tivera há duas décadas. E para os que fazem do poder local a razão dos desequilíbrios orçamentais é oportuno recordar que a despesa regional e local representa apenas 8,3% da receita pública total, permanecendo o nosso país como um dos países mais centralizados da OCDE.
Demagogia e cinismo
Segundo, esta proposta está acompanhada, a exemplo de outras medidas do governo, de uma bem organizada acção de propaganda destinada a disfarçar os seus objectivos e a criar dificuldades a uma apreensão das suas consequências. Depois de procurar pôr os trabalhadores do sector privado contra os do sector público, desempregados contra quem tem emprego ou os pais contra professores, o Governo tenta agora colocar a população contra as autarquias. A ideia difundida pelo Governo, e prontamente difundida acrítica e cegamente pelos principais órgãos de comunicação social, segundo a qual «as autarquias poderiam reduzir o IRS cobrado nos seus territórios» é não só demagógica como de um cinismo só justificado por uma total má fé deste governo.
Na verdade, aquele mesmo governo que se propõe reduzir as transferências do Orçamento de Estado para os municípios em 18% e lhes oferece em alternativa um mecanismo de compensação (apenas parcial) assente na faculdade de decidirem participar em 3% do valor da colecta de IRS cobrado pelo Estado, o faz acusando, cinicamente, a priori as autarquias que o utilizem de não «desagravarem» a carga fiscal sobre as famílias e tornarem os seus territórios menos «competitivos». Atitude tão mais demagógica quanto o Governo sabe que, após o corte que quer impor às autarquias, estas estão praticamente impossibilitadas de prescindirem desta verba e tão mais intolerável quanto o Governo conhece que os eventuais benefícios (limitados e inexpressivos) que resultariam para os cidadãos daquela opção apenas seriam sentidos pelas camadas de mais altos rendimentos.
Afastados os truques usados e dissipado o manto de demagogia associada pelo Governo à sua proposta o que dela resulta é claro: uma significativa redução da capacidade de investimento público do poder local (responsável por 59,5% do total do investimento público nacional) com graves consequências para as populações e para o desenvolvimento económico local. Depois de reduzir o investimento público nacional, encerrar serviços públicos e alienar funções sociais do Estado, o Governo procura agora impor no plano local a concretização de políticas convergentes com as suas orientações neoliberais.
A proposta agora conhecida encontra-se suportada numa intensa operação de propaganda e assente num conjunto de falsificações que é necessário ter presente.
Primeiro, o ataque dirigido contra o poder local e a sua autonomia financeira é, de há muito, acompanhado por uma intensa ofensiva ideológica destinada a distorcer o enquadramento político e constitucional do regime de finanças locais. A esta ofensiva são caras duas ideias: a de que as transferências para as autarquias seriam um encargo para o Estado e a de que essas transferências resultariam de um gesto de boa vontade do Estado (aqui entendido como administração central ou poder político em exercício) que, a cada momento ou ciclo de uma dada lei de finanças locais, este entenderia atribuir.
Os promotores desta ofensiva fogem ao essencial: as transferências para as autarquias são um imperativo constitucional que as concebe e consagra ao mesmo nível dos recursos de que o Estado central dispõe para alcançar os seus fins e satisfazer as suas responsabilidades.
De facto, o que a Constituição consagra é que «o regime de finanças locais visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades.» Registe-se, pois, o que a Constituição dispõe: a repartição (e justa) dos recursos públicos nacionais pelos dois níveis — autarquias e Estado — e não uma pretensa atribuição de subsídios que o Estado bondosamente desejaria fazer às autarquias, como os alunos do neoliberalismo querem fazer crer.
Ao contrário do que os promotores da subversão do regime de finanças locais querem fazer crer com a cínica afirmação segundo a qual «o país não aguentaria a Lei de Finanças Locais que tem», a verdade é que, olhando para o peso das transferências para as autarquias quando comparado com um dos seguintes indicadores —PIB, Receita ou Despesa Pública ou Impostos cobrados —, este apresenta hoje valores bem mais baixos do que já tivera há duas décadas. E para os que fazem do poder local a razão dos desequilíbrios orçamentais é oportuno recordar que a despesa regional e local representa apenas 8,3% da receita pública total, permanecendo o nosso país como um dos países mais centralizados da OCDE.
Demagogia e cinismo
Segundo, esta proposta está acompanhada, a exemplo de outras medidas do governo, de uma bem organizada acção de propaganda destinada a disfarçar os seus objectivos e a criar dificuldades a uma apreensão das suas consequências. Depois de procurar pôr os trabalhadores do sector privado contra os do sector público, desempregados contra quem tem emprego ou os pais contra professores, o Governo tenta agora colocar a população contra as autarquias. A ideia difundida pelo Governo, e prontamente difundida acrítica e cegamente pelos principais órgãos de comunicação social, segundo a qual «as autarquias poderiam reduzir o IRS cobrado nos seus territórios» é não só demagógica como de um cinismo só justificado por uma total má fé deste governo.
Na verdade, aquele mesmo governo que se propõe reduzir as transferências do Orçamento de Estado para os municípios em 18% e lhes oferece em alternativa um mecanismo de compensação (apenas parcial) assente na faculdade de decidirem participar em 3% do valor da colecta de IRS cobrado pelo Estado, o faz acusando, cinicamente, a priori as autarquias que o utilizem de não «desagravarem» a carga fiscal sobre as famílias e tornarem os seus territórios menos «competitivos». Atitude tão mais demagógica quanto o Governo sabe que, após o corte que quer impor às autarquias, estas estão praticamente impossibilitadas de prescindirem desta verba e tão mais intolerável quanto o Governo conhece que os eventuais benefícios (limitados e inexpressivos) que resultariam para os cidadãos daquela opção apenas seriam sentidos pelas camadas de mais altos rendimentos.
Afastados os truques usados e dissipado o manto de demagogia associada pelo Governo à sua proposta o que dela resulta é claro: uma significativa redução da capacidade de investimento público do poder local (responsável por 59,5% do total do investimento público nacional) com graves consequências para as populações e para o desenvolvimento económico local. Depois de reduzir o investimento público nacional, encerrar serviços públicos e alienar funções sociais do Estado, o Governo procura agora impor no plano local a concretização de políticas convergentes com as suas orientações neoliberais.