Alkatiri resigna

Milhares manifestam apoio à Fretilin

Mari Alkatiri apresentou a demissão depois de Xanana Gusmão ameaçar abandonar a presidência caso o primeiro-ministro não deixasse o governo. Milhares de apoiantes da Fretilin querem manifestar-se em Díli.

«Milhares de apoiantes, activistas e militantes da Fretilin juntaram-se em Metinaro»

Xanana Gusmão justificou a exigência de demissão do primeiro-ministro - legitimado num sufrágio em que a Fretilin obteve a maioria absoluta e 55 deputados eleitos num total de 88 lugares – com base numa reportagem emitida por uma televisão australiana, a qual acusa Mari Alkatiri de estar envolvido na suposta distribuição de armas a civis. Para lá das especulações levantadas no programa da ABC, não foi apresentada nenhuma prova das acusações dirigidas contra o chefe do executivo nem nenhum facto que consubstancie as suspeitas de que esteja envolvido numa campanha de eliminação de opositores políticos.
Anteontem, já depois de aceitar a resignação de Mari Alkatiri, Xanana reuniu o Conselho de Estado com o objectivo de avaliar a crise política e institucional que se vive no país. Alkatiri não foi convocado para o encontro, o terceiro desde o fim de Maio, e que pela primeira vez não tinha sequer indicação dos temas abordados. No final, em comunicado da Presidência, para além da prorrogação por mais 30 dias das medidas especiais em vigor, Xanana esclarece que iniciou diligências para formar um novo governo «no actual quadro parlamentar», mas avisa que «se, apesar de tudo, tal não for possível, considerará a possibilidade de dissolver o Parlamento e antecipar as eleições gerais».
Este último aspecto é particularmente caro à estrutura que coordena as acções de protesto contra o governo de Alkatiri. Com efeito, a Frente Nacional Justiça e Paz, apoiante incondicional de Xanana, não se satisfez com a renúncia do primeiro-ministro e fez saber que continua os protestos até que seja dissolvido o parlamento, medida que anularia, até novo acto eleitoral, a maioria da Fretilin naquele órgão de soberania.

Militantes querem manifestar-se

Entretanto, paralelamente à reunião do Conselho de Estado, milhares de apoiantes, activistas e militantes da Fretilin concentraram-se em Metinaro, a cerca de 40 quilómetros de Díli, para iniciarem uma marcha de apoio ao governo e entregarem uma petição a Xanana exigindo a recondução de Alkatiri na chefia do executivo maubere.
Temendo uma reacção violenta dos grupos armados contestatários ao governo e à mobilização de dezenas de milhares de apoiantes da Fretilin, o primeiro-ministro demissionário e o presidente do parlamento, Francisco Guterres «Lu-Olo», que é simultaneamente presidente da Fretilin, atalharam caminho aos manifestantes e pediram-lhes que não se deslocassem a Díli no dia de terça-feira.
Em Hera, a 12 quilómetros da capital timorense, Alkatiri pediu aos manifestantes que esperassem «um dia ou dois», tempo suficiente, considerou, para que sejam criadas as necessárias condições de segurança.
«Vamos esperar que outros se juntem a nós. Quando a nossa manifestação entrar em Díli, alguns que lá se encontram juntam-se a nós», afirmaram ainda os dirigentes.
De acordo com a Lusa, Alkatiri terá também abordado as tropas que patrulham a estrada de acesso à cidade no sentido destas afastarem membros das milícias dispostos a fomentar nova onda de violência à passagem dos manifestantes pró-Fretilin. Ainda segundo a agência, no caminho encontram-se viaturas e militares australianos e neozelandeses capazes de impedir a entrada dos manifestantes na capital.

Fretilin apela ao diálogo

«O nosso partido está preparado para iniciar imediatamente o diálogo para a resolução da crise», expressou a Fretilin em comunicado divulgado na sequência da demissão de Alkatiri.
No documento, a comissão política nacional do partido instou os militantes para que «não actuem de qualquer forma que possa ameaçar a paz e a estabilidade do país», uma vez que, continua, «a primeira prioridade deve ser restaurar a segurança e a estabilidade da vida da população, só possíveis através de um diálogo entre todos os sectores e instituições».
Quanto às acusações de distribuição de armas que recaem sobre Alkatiri, a Fretilin disse que «todos os cidadãos timorenses têm o direito constitucional de serem tratados com justiça e em conformidade com a lei, incluindo o secretário-geral. Estes direitos serão vigorosamente defendidos pelo nosso partido», por isso é necessário permitir que «essas alegações sejam testadas pelas autoridades judiciais competentes».

Capital concerta posições

«A França está em linha com a Austrália e totalmente disponível para apoiar o que quiser ou o que fizer a Austrália». A afirmação é do Chefe de Estado francês, Jacques Chirac, numa conferência de imprensa, segunda-feira, depois da II Cimeira França-Oceânia.
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Austrália foi ainda mais esclarecedor no que toca à conduta das grandes potências na crise timorense. Alexander Downer explicou que o seu país «encoraja as tentativas dos timorenses para resolverem os seus problemas políticos mas deixa para eles a decisão de como o devem fazer». Questionado sobre o envio de uma força multinacional para o território, Downer agradeceu a disponibilidade da França quanto à constituição do contingente militar.
Anteriormente, Kofi Annan disse não ser possível enviar «capacetes azuis» para Timor nos próximos seis meses, mas caso seja essa a solução do Conselho de Segurança, o secretário-geral da ONU garantiu que os militares vão ter que «coabitar no teatro de operações» com as autoridades já estacionadas no território.
Terça-feira, Ramos-Horta pediu aos militares australianos que permaneçam pelo menos mais um ano em Timor e às forças policiais por um período não inferior a cinco anos, sob a batuta da ONU, explicou.

O PCP e a situação em Timor Leste

O Secretariado do Comité Central do PCP divulgou, a 22 de Junho, a nota que a seguir transcrevemos na íntegra:
«Perante os novos e inquietantes contornos da crise política e institucional que tem estado em desenvolvimento em Timor Leste, e em coerência com a sua solidariedade de sempre para com o povo timorense e a Fretilin na sua luta pela soberania e o progresso social, e consciente da importância da posição de Portugal nesta difícil conjuntura, o PCP:
«Alerta o povo português para a escalada de ingerência imperialista da Austrália nos assuntos internos de Timor Leste, particularmente evidente e chocante da parte das suas forças armadas que, explorando problemas internos timorenses, intervém abertamente para realizar ambições económicas e políticas na região, contra o legítimo Governo timorense e contra a Fretilin, comportando-se como força de ocupação.
«Reitera que, é ao povo timorense que compete resolver os seus próprios problemas por mais complexos que sejam e decidir do seu próprio caminho de desenvolvimento, sem pressões nem ingerências externas. São condenáveis as tentativas de impor ao povo timorense quaisquer tutelas de cariz colonialista, ainda que com a cobertura da ONU.
«Considera que em nenhuma circunstância a força da GNR deslocada para Timor Leste - por solicitação dos órgãos de soberania e no quadro do integral respeito pela Constituição timorenses - se deve imiscuir nos assuntos internos deste país soberano».

Sem comentários

«A intervenção do governo [australiano] de Howard nada tem a ver com a protecção dos interesses do povo de Timor-Leste. O objectivo é produzir uma "mudança de regime" substituindo o governo do primeiro-ministro Mari Alkatiri por uma administração mais em consonância com os interesses australianos».
Nick Beams, analista político australiano in resistir.info

«Em 1999 o governo de Howard enviou tropas para liderar a intervenção militar da ONU a fim de assegurar que a Austrália – mais do que o primeiro poder colonial, Portugal – exercesse a maior autoridade no Timor-Leste pós-independência e estivesse na melhor posição para explorar as valiosas reservas de gás e petróleo. Sete anos depois as motivações essenciais são as mesmas».
Idem

«Bem, não descarto nada, mas não quero declarar nada sobre o que vai suceder ou sobre o que deveria suceder sem antes discutir o assunto com os timorenses orientais. Quer dizer, encontramo-nos diante de um caminho complexo a percorrer. Por um lado, queremos ajudar, somos o poder regional que está em posição de fazê-lo. É nossa responsabilidade ajudar, mas quero respeitar a independência dos timorenses. Contudo, por outro lado, devem desempenhar essa independência ou as responsabilidades dessa independência com mais eficácia do que o fizeram nos últimos anos».
(Resposta do primeiro-ministro australiano, John Howard, quando questionado no programa de domingo, 11 de Junho, da televisão ABC, "Insiders", sobre se os planos a longo prazo da Austrália seriam semelhantes aos levados a cabo nas Ilhas Salomão, onde oficiais australianos tomaram conta do Ministério das Finanças, assim como da gestão da polícia e das prisões.)

«Numa nota pastoral publicada em Abril de 2005 a hierarquia eclesiástica de Dili dizia que o gabinete [de Mari Alkatiri] continha "marxistas" que punham a democracia em perigo».
Nick Beams, analista político australiano in resistir.info

«Segundo uma reportagem do Asia Times, o embaixador dos Estados Unidos em Timor-Leste apoiava abertamente a igreja nos seus protestos de rua contra o governo, no ano passado, chegando inclusive a comparecer pessoalmente a uma delas».
Idem

«A catastrófica decisão de converter o português em língua nacional de Timor-Leste ilustra perfeitamente o dogmatismo e o grau de irrealidade do pensamento de Alkatiri. É uma decisão que priva de direitos civis os jovens timorenses que falam tetun, indonésio ou inglês. Entrincheira a camarilha de velhos e dogmáticos marxistas-leninistas da Fretilin e exacerba as divisões no seio da sociedade de Timor Oriental. Além de não ajudar em nada a que os jovens de Timor-Leste ganhem a vida».
Comentário publicado a 10 Junho pelo editor australiano Greg Sheridan

«O que temos aqui é um problema político, com forças externas apostadas em desestabilizar Timor-Leste. Há anos que alguma impensa australiana vem advogando um derrube do Governo de Alkatiri e espera ver no poder alguém mais maleável aos interesses de Camberra».
Moisés Silva Fernandes, investigador, in Diário de Notícias, 31 Maio 2006

«A imprensa australiana tem acusado o primeiro-ministro de ser comunista, um argumento que a Indonésia já usara em 1974-75 para caracterizar o Governo de Díli. Mas não passa de poeira atirada aos olhos das pessoas. O que acontece é que a Austrália não aceita que Alkatiri tenha conseguido óptimas contrapartidas no que diz respeito ao petróleo.»
Idem

«Na realidade, as ambições de Camberra em relação a Timor-Leste já vêm de longe. Em 1944, a Austrália quis, inclusive, comprar o território a Portugal».
Idem

«O petróleo é determinante. É a força motriz por detrás destes interesses. Mari Alkatiri é um nacionalista do ponto de vista económico. O que ele quer é que os recursos rendam o máximo para Timor-Leste».
Idem


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