Em conversa com o
Avante!,
Natacha Amaro, do Movimento Democrático de Mulheres (MDM), falou sobre o Movimento pela Despenalização da IVG e dos seus reais objectivos: «Defender a despenalização do aborto a pedido da mulher até às 12 semanas, na Assembleia da República».
«Houve um pequeno grupo de pessoas que se foram juntando, trocando algumas impressões sobre esta matéria, e que sentiram que este era o momento, dadas algumas circunstâncias que tinham ocorrido até aqui, de tomar uma posição, de criar um elemento novo que pudesse fazer a diferença nesta luta pela despenalização do aborto», afirmou Natacha Amaro, relatando: «essas pessoas falaram com outras pessoas, que, por sua vez, falaram com outras pessoas, e foi assim que chegámos ao número de 150 primeiros subscritores de um texto comum, do abaixo-assinado, que propõe que a Assembleia da República altere a actual lei».
Para subscrever este abaixo-assinado basta enviar um e-mail para o seguinte endereço: movimento.despenalizaçã[email protected] , com o nome, profissão e idade e será adicionado a lista de subscritores.
A apresentação pública deste movimento teve lugar no passado dia 24 de Fevereiro, no Café Garrett do Teatro Nacional D. Maria II. «Esta iniciativa contou com a presença de subscritores de todos os pontos do País, pessoas de diferentes áreas, da saúde, da cultura, da educação, de organizações sindicais, de movimentos e de organizações de mulheres», continuou, informando que o objectivo «é recolher o máximo de assinaturas e, por outro lado, que seja o início da criação de um movimento de opinião, de uma consciencialização das pessoas para esta questão».
Mas é também necessário, segundo o Movimento pela Despenalização da IVG, que o Estado promova e garanta a saúde da mulher, nomeadamente «quando uma gravidez indesejada possa ser interrompida para beneficio da mulher e não em prejuízo do futuro da criança».
«O aborto não é um método de planeamento familiar, é tão inevitável como uma gravidez indesejada», afirmou
Carlos Silva Santos, médico de saúde pública, outro dos subscritores, acentuando: «Mesmo conhecendo todos os métodos, o aborto vai continuar a existir, assim como a gravidez geneticamente não viável. Se alguém tem uma visão integrada da saúde da mulher tem de considerar que fazer algo tecnicamente correcto, em hospital, para interromper uma gravidez não desejada, até às 12 semanas, não vai ter consequências para a mãe e para a criança. Deve ser facilitado e não culpabilizado ou criminalizado».
Complementou o raciocínio dando o exemplo das jovens adolescentes que engravidam. «Isso seria liquidar a sua vida profissional, pessoal e até afectiva por causa de um incidente que é de fácil resolução», disse.
Lei retrógradaPor seu lado,
Graciete Cruz, da CGTP-IN, lembrou que Portugal, a par da Irlanda, é dos países da União Europeia, que mantém esta «lei retrógrada» e que «faz com que as mulheres tenham que recorrer ao aborto clandestino sujeitando-se às consequências previstas na lei penal portuguesa».
«A legislação que existe, de 1984, não contempla aquilo que são as principais causas que determinam a decisão da mulher recorrer ao aborto. A CGTP-IN, desde o primeiro congresso, realizado em 1975, sendo esta uma das nossas reivindicações, não podia deixar de estar, neste momento, como esteve em momentos anteriores, em plataformas e movimentos, que reclamam uma lei que despenalize a interrupção voluntária da gravidez, a pedido da mulher», afirmou a sindicalista, dando conta, segundo números oficiais, que nos últimos anos, mais de 9 mil mulheres «tinham praticado o aborto em clínicas privadas espanholas».
«Esta é uma realidade que tem que ser encarada na nossa sociedade. Nem toda a gente tem possibilidades, no que diz respeito aos salários, para recorrer a esta situação no estrangeiro», complementou, sublinhando que «é o Serviço Nacional de Saúde e o Estado que têm de disponibilizar os meios e os recursos para que o aborto possa ser praticado em condições de segurança para a mulher».
Percurso acetosoRetomando a palavra,
Carlos Silva Santos acusou, por sua vez, «um certo conservadorismo, para não dizer reaccionarismo» da classe médica neste processo. «Muitas destas questões, mesmo com boa educação, não permite, nos jovens e noutros que não tenham uma vida sexual planeada, um planeamento tão acertivo que consiga controlar todas as situações de risco. Há sempre um risco possível e há que o controlar», frisou, denunciando, por outro lado, que «nem as grandes maternidades têm um departamento próprio para a área da interrupção das gravidezes inviáveis. O percurso é acetoso, de quantas explicações tem que se dar, de quanto têm de intervir na intimidade, e as pessoas, às vezes, têm de encontrar uma solução exterior ao próprio serviço que não resolve».
«Aqui bastava criar uma lei que permitisse que os serviços públicos cumprissem o seu dever, que não é obrigatório que o façam, mas sem a lei têm essa protecção, este meio caminho para não cumprirem nem a meia parte da lei», acusou Carlos Silva Santos, lamentando que a «saúde da mulher está a descoberto e não é representativamente bem tratada».
Voltando à despenalização do aborto,
Natacha Amaro lembrou que existe uma maioria parlamentar favorável à alteração da lei.«Voltámos a ter uma maioria na Assembleia da República que poderá fazer uma alteração legítima na lei do aborto. Havendo essa maioria não há razão para se manter esta situação», lembrou a dirigente do MDM.
Direito a decidirExigindo o fim da criminalização que ofende os mais elementares valores humanos,
Vitória Caldeira, enfermeira, outra das subscritoras do abaixo-assinado, defendeu que «a mulher deve ter o direito a decidir sobre os filhos que quer ter, a educação que lhes vai dar, a disponibilidade que tem para os ter».
«Os filhos são demasiado importantes para serem um estorvo, uma imposição na vida das pessoas. A sociedade, seguramente, vai ser influenciada pelas crianças que vierem ao mundo e que não foram desejadas, amadas, que não tiveram os carinhos que deviam ter», referiu, sublinhando «que esta lei (do aborto) não facilita a decisão da mulher, nem uma educação que é muito importante, de tal maneira que não deve ser imposta».
«Há alturas em que as mulheres não estão fisicamente ou psicologicamente preparadas e não têm os recursos económicos necessários para ter e educar a criança. A mulher, por vezes, quer optar responsavelmente por não ser mãe e a sociedade impõe que ela tem que ser. Se não tiver um recurso, tem que recorrer à ilegalidade, correndo riscos para ela e, porventura, para outros filhos que lá tem em casa», acrescentou, dizendo: «Um aborto feito na clandestinidade, é um aborto sem condições higiénico-sanitárias».