- Nº 1698 (2006/06/15)
PS chumba alterações
ao Estatuto dos deputados

Pactuar com a promiscuidade

Assembleia da República
Foi um debate oportuno e clarificador o que se realizou, dia 7, por iniciativa do PCP, sobre o Estatuto dos Deputados. Ficou claro que o PS não está disponível para acabar com a promiscuidade no exercício das funções de deputado.

É isso que resulta da circunstância de a bancada socialista ter inviabilizado com os seus votos, a que se juntaram os do PSD e CDS/PP, as propostas defendidas pelo PCP em projecto de lei (o BE também subscreveu um em sentido idêntico) que tinha como objectivo central garantir – sem impor nenhuma regra de absoluta exclusividade – que a actividade parlamentar «tem de ser sempre a actividade principal do deputado e não uma segunda, terceira ou quarta actividade ou um instrumento ao serviço de actividades externas».
Foi o que disse, de modo claro, Bernardino Soares, respondendo assim a um dos argumentos invocados pelo PS, segundo o qual tais limitações comportariam o alegado risco da «profissionalização» dos deputados, da sua «funcionalização», excluindo alguns dos melhores por não quererem abdicar da sua actividade privada.
Vitalino Canas, vice-presidente do grupo parlamentar do PS, classificou inclusivamente a intenção do PCP de querer aumentar as incompatibilidades e impedimentos como tendo «um cunho persecutório lamentável».
Ora a verdade é que todos estes argumentos vieram a revelar-se falaciosos, porquanto, como demonstrou o líder parlamentar comunista, no seu projecto, a bancada do PCP não introduz «nenhuma nova limitação à acumulação do mandato de deputado com actividades externas». O que limita, sim – e esta é a questão de fundo – «são os negócios com o Estado ou entidades em que o Estado tenha um papel determinante no exercício dessas actividades privadas».
«Com o nosso projecto todos os deputados que exercem advocacia podem continuar a fazê-lo, mesmo que no âmbito de sociedades de advogados. O que não podem é nessa actividade celebrar contratos, vender bens e serviços ou ter relações comerciais com o Estado ou entidade em que este detenha poderes relevantes. O que há é uma limitação a determinados actos e não novas limitações a actividades», esclareceu Bernardino Soares.
O líder parlamentar do PCP considerou ainda que «o problema do PS» é querer «manter impunes situações de evidente promiscuidade» e esquecer os «arroubos moralizadores quando se trata de proibir a subordinação a interesses privados no exercício do mandato, como acontece na sua própria bancada».
«Claro que partidos que defendem políticas de subordinação do poder político ao poder económico, como faz o PS e o seu Governo, não tenderão a incomodar-se com a sua subordinação ao nível do Parlamento, acrescentou Bernardino Soares.
Posto era assim pela bancada comunista o dedo numa ferida que o PS não parece interessado em sarar, já que está apostado em «manter impunes situações de evidente promiscuidade».
Por outras palavras, ao chumbar os diploma do PCP e do BE, a bancada socialista não esconde o propósito de continuar a proteger situações ilegítimas, cedendo assim de modo evidente aos interesses instalados.

Ficar tudo na mesma

Anunciando a sua rejeição às limitações preconizadas pela bancada comunista logo que estas foram anunciadas, a bancada do PS, «depois de várias manobras de diversão com as quais tentou esconder a gravidade da sua opção», como observou Bernardino Soares, apresentou-se entretanto a debate com um projecto de resolução que, passando ao lado do que é fundamental nesta matéria, propõe apenas que passe a ser obrigatório incluir, no registo de interesses, «a indicação de cargos, funções e actividades, públicas e privadas, exercidas nos últimos três anos».
Iniciativa cuja formulação, na perspectiva do PCP, tirando o alargamento da declaração aos três últimos anos, «é de duvidosa novidade e de uma razoável confusão jurídica». Levando mesmo o líder parlamentar comunista a afirmar a sua recusa em aceitar a «legitimação da promiscuidade através da sua publicitação». «Não nos basta termos uma promiscuidade transparente. O que queremos é acabar com a promiscuidade», assegurou.

Haja decência!

A subordinação crescente do poder político ao poder económico é, na perspectiva do PCP, uma das ameaças que paira hoje sobre a nossa democracia. Daí que entenda que as medidas por si preconizadas não podem deixar de ser vistas como um contributo positivo que só pode merecer a aprovação de quem esteja empenhado em garantir «um mínimo de decência na vida política».
Lamentavelmente, pelas posições assumidas, não parece ser esse o caso do PS que, ao recusar o projecto de lei comunista, impede, entre outras medidas de aperfeiçoamento da lei vigente, que sejam considerados incompatíveis com o mandato de deputado o exercício da função de vice-presidente de município ou substituto legal do presidente, bem como os membros da Casa Civil do Presidente da República.
Travada foi também a proposta que visava alargar os impedimentos e incompatibilidade da função de deputado à presença em conselhos de gestão de empresas públicas (Galp, EDP ou PT, por exemplo) onde o Estado detém poderes especiais relevantes.
Pelo caminho ficou igualmente a proposta do PCP que, clarificando as situações abrangidas por impedimento, neste incluía as «actividades ou actos económicos de qualquer tipo, mesmo que no exercício de actividade profissional», com base no pressuposto de que «o que é relevante são os actos praticados e não a natureza jurídica da entidade que os pratica, de forma a incluir inequivocamente as sociedade de advogados».