Guerra civil no partido trabalhista
Nas eleições autárquicas que se realizaram em Inglaterra a 4 deste mês, os trabalhistas do New Labour sofreram pesadas derrotas um pouco por todo o país e em Londres, especialmente. Os ganhos líquidos dos conservadores ascenderam a 250 lugares de vereadores nas câmaras. Triunfaram em cidades particularmente diversas como Chorley, na zona de Manchester e Crawley, na região de Sussex. Mas na grande cidade metropolitana que é Londres, conseguiram vitórias onde ninguém esperava. Numa conjuntura em que os racistas e fascistas do BNP (British National Party) não conseguiram ganhos de mais do que 20 vereadores em toda a Inglaterra, os tories, agora, são o maior partido na capital. Entretanto, perante estes resultados, aprofundou-se a crise de que já vinham sofrendo os trabalhistas e a luta para conseguir a substituição do primeiro-ministro ultrapassou todas as fronteiras.
Logo no dia seguinte, Tony Blair pretendeu tomar a iniciativa dos acontecimentos anunciando uma remodelação ministerial que, na sua óptica, poderia restaurar a confiança do Partido Trabalhista na sua pessoa e, igualmente, captar o imaginário dos milhões de eleitores que o rejeitaram votando nos conservadores. Note-se que a figura do primeiro-ministro é, hoje, olhada com um desdém profundo em toda a Grã-Bretanha. Os seus actos e a sua perseverança em manter-se no poder perante a mais generalizada hostilidade colocam em dúvida a sua integridade. Lealdade? A quem é leal o primeiro-ministro? Ao seu partido? Não. Ao chanceler do Tesouro, Gordon Brown? Não. Ao povo britânico cujos filhos continuam a tombar mortos no atoleiro de Bassora? Não. A lealdade de Tony Blair, toda ela, pertence ao imperialismo. O seu verdadeiro partido é esse, o imperialismo. Os seus actos não podem compreender-se de outra maneira. Falta à palavra dada porque o imperialismo lhe dita ordens especiais e secretas em tal sentido. Agora se compreende a posição do antigo responsável do Interior e da Justiça no «gabinete sombra» trabalhista, esse mesmo Tony Blair a quem o imperialismo nos dias do governo de John Major, dissera: «Faz-te homem de grandes princípios e prepara-te para entrar na estrada que há-de levar-te ao poder e à glória». Mas, em vez disso, o imperialismo levou-o à perdição. É por isso que se lhe exige que, simplesmente, desapareça.
A remodelação ministerial levou ao gabinete quatro novos secretários de Estado escolhidos entre os mais fiéis a Tony Blair: John Reid, que substitui Charles Clarke no Home Office (Interior e Justiça); Margaret Beckett que passou a ser a primeira mulher na chefia do Foreign Office (Estrangeiros) em lugar de Jack Straw; Alan Johnson que foi ocupar o cargo de secretário de Estado para a Educação onde não se distinguira Ruth Kelly; e David Millband que é, agora, o novo secretário de Estado do Ambiente. Note-se que na hierarquia governamental britânica o secretário de Estado é superior ao ministro, contrariamente ao que acontece noutros países. Mas conseguiu, Blair, apaziguar a revolta dos trabalhistas? Longe disso.
Ultimato a Tony Blair
A derrota e a perda de lugares em cidades importantes levou um considerável número de deputados trabalhistas aos Comuns a dirigirem uma carta a toda a bancada partidária nos seguintes termos: «Estimados colegas: Qualquer membro do Partido Trabalhista sabe que é no melhor interesse do país e do partido que se verifique, rapidamente, a transição já anunciada pelo primeiro-ministro a 1 de Outubro de 2004, e que esta transição de poderes seja feita de maneira digna, ordenada e eficiente. Pedimos, assim, ao Comité Nacional Executivo do partido que, em consulta com o primeiro-ministro, decida até ao fim da sessão parlamentar em curso uma data e organize um caderno de procedimentos para a eleição do novo líder do Partido Trabalhista». Esta carta, um verdadeiro ultimato, causou profunda emoção em todo o partido e diz-se que foi assinada por mais de 50 deputados. Era o início da guerra civil.
Os blairistas viram no conteúdo deste extraordinário documento e nas posições públicas de muitos deputados trabalhistas um desejo intenso de que se processe o despedimento do primeiro-ministro, o mais rapidamente possível. Considerou-se, logo, que se estava perante uma vingança da ala esquerda do partido, do Old Labour que, segundo Blair, o país não deseja voltar a ver. «Não é preciso ser-se um Sherlock Holmes» disse o novo secretário de Estado do Home Office, John Reid, «para se descobrir que a intenção dos conspiradores é o afastamento do primeiro-ministro pela força». Tony Blair teve uma festa de aniversário bastante cinzenta (fez 53 anos no dia 7 de Maio). Quando lhe deram uma cópia da carta acima transcrita compreendeu que a instabilidade, apesar da remodelação ministerial, se aprofundava.
Promessas de Blair
Num inquérito conduzido pela Radio4, da BBC, junto de 104 deputados trabalhistas, pelo menos 52 exigiram a partida de Blair e a eleição de um novo líder. Glenda Johnson, a célebre actriz, também deputada trabalhista, declarou: «Só o pequeno círculo de amigos do primeiro-ministro pode chamar ao pedido da sua remoção um golpe de Estado». Um dos mais próximos aliados de Blair, retorquiu: «Quanto mais exigências ouvirmos para a saída de Tony Blair, mais desejamos que ele continue». Os principais protectores de Blair, fora do governo, são os antigos secretários de Estado, Alan Milburn, Stephen Byers e Peter Mandelson.
Finalmente, Blair teve de comparecer na reunião de todos os deputados trabalhistas em Westminster. Disse: «O que desejo é deixar uma herança que possa levar o New Labour à sua quarta vitória consecutiva nas eleições gerais. Vou dar ao meu sucessor um período amplo para que possa organizar-se no N.º 10 de Downing Street». No dia seguinte, na sua conferência de imprensa mensal, diria: «Tenho de aceitar que a oposição dos deputados trabalhistas não se limita aos sectores de esquerda. Vejo-a mais alargada». Mas perdendo a calma, declarou: «Os que desejam a minha saída são os que pretendem abandonar as reformas do New Labour para entregarem o partido à esquerda tradicional». A sua promessa de que sairá numa atmosfera estável, de transição em boa ordem, agradou a alguns partidários de Gordon Brown. Mas os mais cépticos, a grande maioria, disse que não acreditava nas promessas de Tony Blair.
Nas trincheiras de Westminster
A luta para demitir Tony Blair intensificou-se e já não se limita aos amigos de Gordon Brown, o Chanceler do Tesouro que, eventualmente, assumirá o lugar de primeiro-ministro. Deputados à Câmara dos Comuns que estiveram no plenário do passado dia 8, disseram que a contagem do tempo para a saída de Blair já começou. O que mais enerva todo o partido trabalhista é o facto de que as sondagens lhe dão apenas 27% das intenções de voto do eleitorado, quando até Harold Wilson, no auge da sua impopularidade em 1968 (devido à desvalorização da libra), não passou abaixo dos 28%. Note-se que Blair, nos melhores tempos do seu governo, registava a aprovação de 80% do eleitorado. Antes dele, o conservador Harold Macmillan atingira os 79% nos bons velhos tempos do You never had it so good (Nunca se viveu tão bem).
Os brownites, os amigos de Gordon Brown cuja luta à retaguarda de toda a bancada parlamentar trabalhista existe, embora, às vezes, seja difícil observá-la, são, pelo menos, metade dos actuais 353 deputados. Estarão prontos a acompanhar o Chanceler do Tesouro, ainda que nem todos o digam abertamente. O que parece interessante é que os acontecimentos, eventualmente, possam acabar por decidir a entrada de Gordon Brown no número 10 de Downing Street sem que ele mexa um só dedo em tal sentido. A partida de Blair animará o eleitorado trabalhista. Mas um confronto directo entre as partes parece possível antes da Conferência do partido, em Outubro, quando, assim se espera, o peso total do Labour Party se exprimir contra o primeiro-ministro.
A remodelação ministerial levou ao gabinete quatro novos secretários de Estado escolhidos entre os mais fiéis a Tony Blair: John Reid, que substitui Charles Clarke no Home Office (Interior e Justiça); Margaret Beckett que passou a ser a primeira mulher na chefia do Foreign Office (Estrangeiros) em lugar de Jack Straw; Alan Johnson que foi ocupar o cargo de secretário de Estado para a Educação onde não se distinguira Ruth Kelly; e David Millband que é, agora, o novo secretário de Estado do Ambiente. Note-se que na hierarquia governamental britânica o secretário de Estado é superior ao ministro, contrariamente ao que acontece noutros países. Mas conseguiu, Blair, apaziguar a revolta dos trabalhistas? Longe disso.
Ultimato a Tony Blair
A derrota e a perda de lugares em cidades importantes levou um considerável número de deputados trabalhistas aos Comuns a dirigirem uma carta a toda a bancada partidária nos seguintes termos: «Estimados colegas: Qualquer membro do Partido Trabalhista sabe que é no melhor interesse do país e do partido que se verifique, rapidamente, a transição já anunciada pelo primeiro-ministro a 1 de Outubro de 2004, e que esta transição de poderes seja feita de maneira digna, ordenada e eficiente. Pedimos, assim, ao Comité Nacional Executivo do partido que, em consulta com o primeiro-ministro, decida até ao fim da sessão parlamentar em curso uma data e organize um caderno de procedimentos para a eleição do novo líder do Partido Trabalhista». Esta carta, um verdadeiro ultimato, causou profunda emoção em todo o partido e diz-se que foi assinada por mais de 50 deputados. Era o início da guerra civil.
Os blairistas viram no conteúdo deste extraordinário documento e nas posições públicas de muitos deputados trabalhistas um desejo intenso de que se processe o despedimento do primeiro-ministro, o mais rapidamente possível. Considerou-se, logo, que se estava perante uma vingança da ala esquerda do partido, do Old Labour que, segundo Blair, o país não deseja voltar a ver. «Não é preciso ser-se um Sherlock Holmes» disse o novo secretário de Estado do Home Office, John Reid, «para se descobrir que a intenção dos conspiradores é o afastamento do primeiro-ministro pela força». Tony Blair teve uma festa de aniversário bastante cinzenta (fez 53 anos no dia 7 de Maio). Quando lhe deram uma cópia da carta acima transcrita compreendeu que a instabilidade, apesar da remodelação ministerial, se aprofundava.
Promessas de Blair
Num inquérito conduzido pela Radio4, da BBC, junto de 104 deputados trabalhistas, pelo menos 52 exigiram a partida de Blair e a eleição de um novo líder. Glenda Johnson, a célebre actriz, também deputada trabalhista, declarou: «Só o pequeno círculo de amigos do primeiro-ministro pode chamar ao pedido da sua remoção um golpe de Estado». Um dos mais próximos aliados de Blair, retorquiu: «Quanto mais exigências ouvirmos para a saída de Tony Blair, mais desejamos que ele continue». Os principais protectores de Blair, fora do governo, são os antigos secretários de Estado, Alan Milburn, Stephen Byers e Peter Mandelson.
Finalmente, Blair teve de comparecer na reunião de todos os deputados trabalhistas em Westminster. Disse: «O que desejo é deixar uma herança que possa levar o New Labour à sua quarta vitória consecutiva nas eleições gerais. Vou dar ao meu sucessor um período amplo para que possa organizar-se no N.º 10 de Downing Street». No dia seguinte, na sua conferência de imprensa mensal, diria: «Tenho de aceitar que a oposição dos deputados trabalhistas não se limita aos sectores de esquerda. Vejo-a mais alargada». Mas perdendo a calma, declarou: «Os que desejam a minha saída são os que pretendem abandonar as reformas do New Labour para entregarem o partido à esquerda tradicional». A sua promessa de que sairá numa atmosfera estável, de transição em boa ordem, agradou a alguns partidários de Gordon Brown. Mas os mais cépticos, a grande maioria, disse que não acreditava nas promessas de Tony Blair.
Nas trincheiras de Westminster
A luta para demitir Tony Blair intensificou-se e já não se limita aos amigos de Gordon Brown, o Chanceler do Tesouro que, eventualmente, assumirá o lugar de primeiro-ministro. Deputados à Câmara dos Comuns que estiveram no plenário do passado dia 8, disseram que a contagem do tempo para a saída de Blair já começou. O que mais enerva todo o partido trabalhista é o facto de que as sondagens lhe dão apenas 27% das intenções de voto do eleitorado, quando até Harold Wilson, no auge da sua impopularidade em 1968 (devido à desvalorização da libra), não passou abaixo dos 28%. Note-se que Blair, nos melhores tempos do seu governo, registava a aprovação de 80% do eleitorado. Antes dele, o conservador Harold Macmillan atingira os 79% nos bons velhos tempos do You never had it so good (Nunca se viveu tão bem).
Os brownites, os amigos de Gordon Brown cuja luta à retaguarda de toda a bancada parlamentar trabalhista existe, embora, às vezes, seja difícil observá-la, são, pelo menos, metade dos actuais 353 deputados. Estarão prontos a acompanhar o Chanceler do Tesouro, ainda que nem todos o digam abertamente. O que parece interessante é que os acontecimentos, eventualmente, possam acabar por decidir a entrada de Gordon Brown no número 10 de Downing Street sem que ele mexa um só dedo em tal sentido. A partida de Blair animará o eleitorado trabalhista. Mas um confronto directo entre as partes parece possível antes da Conferência do partido, em Outubro, quando, assim se espera, o peso total do Labour Party se exprimir contra o primeiro-ministro.