Virtualidades do Poder Local

Um exemplo

Francisco Silva
Agora que, por ocasião da eleição dos órgãos autárquicos, e não apenas das Câmaras Municipais, nem, muito menos, apenas dos Presidentes de Câmara ou, no limite, do Presidente da Câmara [de Lisboa] - para os que identificam o País com Lisboa -, da eleição para o mandato 2006 / 2009, agora que tem sido época de uma atenção crescida ao Poder Local, com os seus inimigos a sentirem-se à vontade para bolsarem os seus vómitos, agora é altura de intensificar a luta por esta magnífica realidade - mesmo tendo em conta todas as maldades a que ela tem estado sujeita por vários daqueles que têm merecido a confiança dos que lhes têm dado os seus votos -, um magnífico instrumento «participativo», conquistado e construído pelo Povo / pelas populações com o 25 de Abril.
Nesse sentido, vou desenterrar um episódio ocorrido na segunda metade dos anos 80, durante uma sessão pública da Câmara Municipal de Oeiras - portanto, um exemplo que documenta bem as vivências democráticas proporcionadas pelo enquadramento jurídico-constitucional das autarquias. Por essa altura, decorria o primeiro mandato de Isaltino de Morais como seu Presidente.
Então, na fase de se pronunciar o Público, aí vai disto, entra com a sua razão / reivindicação um elemento da Comissão de Moradores da Medrosa, bairro lá para os confins ocidentais do Município de Oeiras. Ela: Que o projecto da Câmara de construir aí um parque infantil «já» não fazia nenhum sentido, que as crianças já eram jovens, quase adultos, que jogavam era futebol, e era de um campo para a sua prática que necessitavam, e não de um parque infantil, tal como a Câmara pretendia. Ora - digo eu - vejam lá os tempos que as coisas levam a acontecer!
Isaltino de Morais: Lá estão os senhores, isto é uma maquinação de comunistas que é o que os senhores todos são (e sê-lo-iam talvez todos comunistas, pois claro - Nota do autor destas linhas); mais a mais - continuou Isaltino - o nosso programa eleitoral do PSD / CDS diz parque infantil, e sendo isso que prometemos ao eleitorado, é isso que vamos fazer. Ela, sem perder nem uma pinga de serenidade, nem perder nenhuma pinga de firmeza: Hoje aqui estamos em representação da Comissão de Moradores da Medrosa, a lembrar a realidade da vida, a procurar evitar uma asneira e a reivindicar de acordo com as necessidades reais, as quais, entretanto, evoluíram.
De seguida, como era - e será - usual em tais situações, quando é oportuno, tomou a palavra um dos três vereadores do PCP (a segunda força política, com tantos vereadores como o PSD, i.é, Isaltino Morais e mais outros dois, que só detinham maioria somados com os dois vereadores do CDS) lembrando que a sua força política, claro, cumpria o que prometia; como, aliás, toda a gente sabia. Contudo, no seu caso, a primeira “promessa” a observar, pelos eleitos do seu partido, era uma declaração de princípios de atendimento das necessidades das populações, quer expressas através da sua iniciativa - em particular, através das Comissões de Moradores -, quer através da sua permanente auscultação. Mas sempre com base na sua participação. E não o de ter de seguir dogmaticamente as medidas individuais planeadas, apresentadas, nos programas eleitorais, elaborados de uma forma, na melhor das hipóteses, tecnocrática. Por isso, pronunciou-se, o vereador do PCP, a favor da justa reivindicação dos moradores da Medrosa.
Bom, lá foi o processo, mais o seu projecto, para trás, sem ser votado, para ser revisto; talvez que a promessa ao fornecedor tenha tido de ser desfeita, e…. não sei ainda o resultado. Entretanto o meu mandato como vereador terminou, e eu já habito noutro município. Mas - e é apenas «um supor» -, com o tempo que as coisas podem levar a acontecer - mesmo no poder local, quando mais ao nível do poder central e dos seus apêndices regionais, com os organismos a ser comandados pelos maiorais dos partidos que se têm revezado nas rédeas do Poder, os quais sempre enchem as bocas da palavra eficiência -, com os atrasos, pode ser que o projecto oeirense já esteja a ser transformado - apeteceria mesmo dizer, mesmo só em jeito de desgraçada graça - em lar da 3.ª idade, o que poderia vir a servir, no futuro, para os pais dos ex-meninos da Medrosa, entretanto feitos mulheres e homens.
Mas no poder local a vantagem, para além dos mecanismos de participação popular, é uma força minoritária, como o PCP em Oeiras, poder actuar para minorar as maldades dos maioritários: Confio que o assunto já tenha sido resolvido, vou confirmar.


Mais artigos de: Temas

Os milagres de São Rafael

Há uns meses, o País ouviu falar da Praia de São Rafael, no concelho de Albufeira, mas não para elogiar os justos atributos daquele recanto. Os comunistas denunciaram que ali, num empreendimento em expansão, houve uma tentativa de cortar a falésia, natureza protegida, para abrir um acesso exclusivo ao areal. Vieram as autoridades fiscalizar e os poderes sossegaram os espíritos, afirmando que tudo iria ser reposto no mesmo estado em que a luta secular entre o mar e a terra tinha deixado. O acesso-que-foi-reposto-mas-está-lá é apenas um caso, entre muitos que parecem impossíveis, mas acontecem no concelho de Albufeira.