Ministério e CP poupam dinheiro na segurança

A linha de Sintra continua insegura

Luís Gomes
Comissão de Utentes, Sindicato e Policias ferroviários acusam o Ministério dos Transportes e as autarquias de responsabilidades pela insegurança na linha.

O re­du­zido quadro de 62 po­li­cias fer­ro­viá­rios di­mi­nuiu para 53

A segurança das pessoas e bens na linha de Sintra foi o motivo de um debate, no dia 16, no auditório da Câmara Municipal da Amadora, promovido pela Comissão de Utentes, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário e a Associação Sindical dos Profissionais de Policia. Prova da forma como a situação na linha preocupa a população foi o facto de o encontro ter tido uma forte e entusiástica participação.
Além das legítimas preocupações da população com a segurança do transporte colectivo que mais passageiros transporta de e para Lisboa, o debate subordinado ao tema, «Segurança de pessoas e bens, vertente importante de qualidade na linhas de Sintra» foi também suscitado, segundo as estruturas promotoras, pelo facto de um órgão de comunicação social ter efectuado uma reportagem sensacionalista e pouco profunda sobre aquela realidade, sem que tenha convidado a Comissão de Utentes e as outras organizações e onde dava o problema a caminho de estar solucionado com a introdução da vídeo-vigilância. As organizações promotoras do debate estão desde há muito envolvidas nesta problemática e teriam um importante contributo para dar à iniciativa e esclarecer os utentes e a população.
Sobre esta matéria, o encontro concluiu que a comunicação social pode ter um importante papel, caso aborde esta problemática de forma profunda e serena. «Caso contrário, pode ser causadora do abandono de utentes deste meio de transporte», avisaram.
Assim, foi criada uma Comissão Organizadora que pretende aprofundar o estudo e a análise sobre as verdadeiras causas da insegurança na linha. Com este propósito foram convidados a Polícia Ferroviária, a CP-Lisboa, a REFER, os presidentes as juntas de freguesia dos concelhos de Sintra e Amadora, diversos sindicatos ferroviários, a Frente Anti-Racista e os utentes.

Se­gu­rança pri­vada subs­titui po­lícia

No encontro foram apuradas as principais preocupações de todas as entidades envolvidas, tendo-se denunciado várias deficiências consideradas preocupantes no sistema de segurança, nomeadamente o reduzido quadro de efectivos da policia ferroviária que tem sido compensada com a contratação de elementos de empresas de segurança privada.
O encontro concluiu que os seguranças privados não têm preparação, estatutos ou competências adequados a determinados tipos de ocorrências que de quando em vez têm lugar na linha, como é o caso da violência e dos assaltos a pessoas e bens. Os promotores do debate consideraram imprescindível o reforço do quadro e a disponibilização de mais efectivos da policia nos dias úteis, fora das horas de ponta e aos fins-de-semana.

Menos po­lícia em nome do lucro

A Comissão de Utentes denunciou a intenção da CP de reduzir, em cinco anos, o quadro de policia ferroviária para metade. Presume-se, naturalmente, que a redução do quadro efectivo de policias será mais um convite aos delinquentes para prevaricar, mas é precisamente isso que a CP pretende fazer.
A administração justifica a medida com necessidades ao nível do planeamento financeiro da empresa, enquanto vai esbanjando muito mais recursos financeiros com a contratação de empresas de segurança privada para o mesmo serviço, sem que tenham a preparação, a formação adequada e até a capacidade legal de intervenção da Policia Ferroviária, no caso de ocorrências com dolo. Salienta-se ainda o facto de este corpo policial ter ao dispor viaturas e um fardamento inadequados para as missões a que estão destinados.
Os participantes concluíram que, caso se perpetue esta realidade, a linha vai assistir ao afastamento de utentes, em detrimento de um circulação rodoviária, também ela já profundamente congestionada.

A ir­res­pon­sa­bi­li­dade do Mi­nis­tério e das au­tar­quias

A segurança dos cidadãos transportados em qualquer transporte colectivo ou em qualquer outro local é da exclusiva competência do Estado, não devendo ser, por isso, imputadas responsabilidades à CP mas ao Governo, considerou o encontro.
Para compreender o fenómeno da marginalidade na linha há que ir conhecer as causas, por isso o debate referiu que os motivos da insegurança estão intrinsecamente ligados a problemas de ordem social: desemprego, aumento da miséria, baixos salários e precariedade. Mas são também provocados por políticas urbanísticas desqualificadas que não contemplam a construção de equipamentos de fruição colectiva, «especialmente no concelho de Sintra», afirma-se nas conclusões do debate.
Foi também denunciada a falta de investimentos por parte do Estado para minimizar esta realidade, enquanto se constata a disponibilização de verbas da CP para empresas privadas de transporte rodoviário, a título de indemnizações compensatórias.
As entidades promotoras da iniciativa solicitaram encontros com os ministros da Administração Interna e dos Transportes, a fim de lhes apresentar as conclusões do debate.

Pres­si­onar o Go­verno e a CP

Há 15 anos a pugnar pelo re­forço dos meios de pre­venção e se­gu­rança na linha de Sintra, a Co­missão de Utentes tem de­sen­vol­vido um tra­balho impar, não apenas na de­núncia das pre­o­cu­pa­ções dos pas­sa­geiros, como na apre­sen­tação de pro­postas que podem so­lu­ci­onar os pro­blemas da in­se­gu­rança.
Na sua in­ter­venção, o co­or­de­nador da Co­missão de Utentes, Rui Ramos, sa­li­entou a re­cente par­ti­ci­pação da­quela es­tru­tura na ini­ci­a­tiva da Pre­si­dência da Re­pú­blica sobre si­nis­tra­li­dade ro­do­viária, onde in­ter­veio na de­fesa de um trans­porte pú­blico co­lec­tivo de qua­li­dade na linha de Sintra.
A Co­missão re­co­nhece me­lho­rias desde que, em 1995, foi criada a Po­licia Fer­ro­viária, em­bora sempre tenha aler­tado para o in­su­fi­ci­ente corpo de apenas 62 agentes, re­cen­te­mente re­du­zido para 53.
Numa vi­sita efec­tuada re­cen­te­mente pela Co­missão à es­tação de Me­leças, Mira Sintra, cons­tatou-se que, em­bora a es­tação es­teja ape­tre­chada de tú­neis muito com­pridos e uma grande gare, existe apenas um se­gu­rança pri­vado, o que torna hu­ma­na­mente im­pos­sível mo­ni­to­rizar o sis­tema de vi­gi­lância e de­sem­pe­nhar, si­mul­ta­ne­a­mente, as fun­ções na es­tação.
«As or­ga­ni­za­ções sin­di­cais dos tra­ba­lha­dores e da Po­lícia Fer­ro­viária, bem como os utentes aqui pre­sentes vão con­ti­nuar a con­tri­buir com as suas re­fle­xões para apro­fundar o co­nhe­ci­mento sobre a re­a­li­dade da linha», con­cluiu Rui Ramos que apelou ao em­penho de todos para pres­si­onar o mi­nis­tério da tu­tela e a CP, no pro­pó­sito de voltar a fazer da linha, um meio se­guro de trans­porte.

A mais sa­tu­rada da Eu­ropa

Com 210 mil utentes diá­rios, 358 com­po­si­ções e 17 es­ta­ções inin­ter­rup­ta­mente em fun­ci­o­na­mento perto de 21 horas ao dia, a linha de Sintra é a mais sa­tu­rada da Eu­ropa.
Se­gundo as or­ga­ni­za­ções pro­mo­toras do de­bate, esta re­a­li­dade tem ser­vido para que al­gumas pes­soas menos co­nhe­ce­doras dos ver­da­deiros pro­blemas da linha di­vul­guem, de vez em quando, uma imagem da linha como se fosse um pólo de con­ti­nuas agres­sões e as­saltos aos utentes, exa­ge­rando nas ocor­rên­cias e na pe­ri­go­si­dade, tra­zendo como con­sequência um afas­ta­mento de utentes da linha fer­ro­viária de Sintra.
Além da pro­posta para a du­pli­cação do nú­mero de agentes po­li­ciais, a Co­missão de Utentes, o Sin­di­cato e a As­so­ci­ação Sin­dical da Po­licia de­fendem a ins­ta­lação de câ­maras de vídeo-vi­gi­lância em todas as es­ta­ções e car­ru­a­gens e a cri­ação de uma rede efi­ci­ente de te­le­co­mu­ni­ca­ções com li­gação rá­pida e di­recta à Po­lícia Fer­ro­viária, em subs­ti­tuição das ob­so­letas exis­tentes.
Outro mo­tivo de pre­o­cu­pação prende-se com a re­ti­rada dos tra­ba­lha­dores das bi­lhe­teiras, a partir das 20 horas, jus­ti­fi­cada pela CP com mo­tivos eco­no­mi­cistas. Ou seja, para quem gere a linha é le­gí­timo pôr em causa a se­gu­rança dos pas­sa­geiros nas es­ta­ções, por mo­tivos ex­clu­si­va­mente eco­no­mi­cistas.
Assim, os bi­lhe­teiros foram subs­ti­tuídos por má­quinas au­to­má­ticas de aqui­sição de bi­lhetes. Nestas con­di­ções, o pas­sa­geiro sem se­gu­rança e sem bi­lhe­teira «está com­ple­ta­mente in­de­feso quando con­fron­tado por grupos de mar­gi­nais», de­nun­ciou a Co­missão de Utentes. Também os tra­ba­lha­dores da CP têm sido ví­timas da mesma es­piral de vi­o­lência, tendo os seus re­pre­sen­tantes de­nun­ciado re­latos de agres­sões.


Mais artigos de: Temas

Uma cooperativa operária luta e resiste

No distrito de Coimbra, a Cooperativa Operária de Cerâmicas Artísticas, Es­trela de Co­nim­briga, resiste à crise nacional e garante os postos de trabalho desde que, aquando da Revolução de Abril, os patrões abandonaram o País, explicou em entrevista o membro da direcção da unidade, Ramiro Matias.

O ataque<br> ao Poder Local Democrático

À medida que o debate para as eleições autárquicas de 2005 ia fazendo o seu caminho, os que, com todo o afã, pretendem acabar com o regime saído de Abril, fazendo-o significativamente retroceder em termos de Democracia, atacaram quanto puderam o poder local democrático por intermédio de insistentes e crescentes...