Miguel Madeira, dirigente da JCP e presidente
da Federação Mundial das Juventudes Democráticas:

«A JCP foi fundamental para o sucesso do Festival da Juventude e dos Estudantes»

Isabel Araújo Branco
O 16.º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes, que se realizou em Agosto na Venezuela, foi um sucesso, como afirma Miguel Madeira, dirigente da JCP e presidente da Federação Mundial das Juventudes Democráticas. Em entrevista, destaca o papel dos comunistas portugueses e as consequências do festival para a luta dos jovens em todo o mundo.

«Muitos delegados não chegaram ao festival tão conscientes da importância da luta anti-imperialista como quando saíram»

- A JCP envolveu-se profundamente na preparação e na realização do festival, através da presidência da Federação Mundial das Juventudes Democráticas (FMJD), da delegação portuguesa e dos próprios militantes. Qual é o balanço?

- De uma forma transversal e a diversos níveis, o envolvimento da JCP foi fundamental para o sucesso do festival. Em Portugal, com um comité nacional preparatório muito amplo, a JCP teve um papel dinamizador fundamental, de contacto com outras organizações juvenis para que se envolvessem e na preparação de um conjunto de actividades dinamizadas na preparação do festival. Por outro lado, temos de destacar as responsabilidades que a JCP assume na presidência da FMJD e o facto de a terceira reunião preparatória do festival se ter realizado em Lisboa em Abril, de que se saiu com as linhas mestras políticas do festival e a eleição do Comité Organizador Internacional e da FMJD como coordenadora deste organismo. A responsabilidade da JCP foi aqui muito importante. Quadros da JCP estiveram directamente envolvidos na preparação do festival na Venezuela durante dois meses e isto permitiu o aprofundamento das boas relações com a Juventude Comunista da Venezuela. A JCP teve também um papel fundamental na procura de envolvimento de outras organizações juvenis em todo o mundo, procurando ganhá-las para o movimento dos festivais. Os índices de participação registados na terceira reunião preparatória em Portugal mostra o esforço da JCP a nível internacional para fazer chegar o festival ao máximo de organizações.

- Como é que a JCP e a Federação vêem o festival?

- Ainda estamos em processo de análise, mas é muito importante o facto de que desde a discussão ter havido linhas mestras unanimemente aceites pelas organizações que participaram, nomeadamente no reforço do carácter e da tradição do festival, ou seja, um festival discutido, decidido e organizado pelo movimento juvenil e estudantil, um festival que reforça as suas marcas anti-imperialistas, um festival muito amplo... Daí que na primeira reunião preparatória, no Brasil, se tenha logo determinado a dinamização de comités nacionais preparatórios no maior número possível de países com grande amplitude, mas também reforçar o movimento dos festivais e do seu carácter, porque na prática estamos a falar do maior evento juvenil à escala mundial.

- O facto de ser muito amplo não pode descaracterizar o festival ou torná-lo demasiado generalista?

- Poderia ser um risco, mas este festival foi a prova de que, dentro de tanta amplitude, saímos claramente reforçados nas características anti-imperialistas. É um bom exemplo de como o trabalho foi desenvolvido. O festival – não sendo uma estrutura ou uma organização, mas sim um momento – é um espaço de encontro, de partilha de experiências, de lutas, de problemas e de realidades. Encarar o festival desta forma trouxe condições para que tivéssemos comités nacionais preparatórios com a participação de muitas associações. Foi o caso do comité português, que contou com 50 organizações juvenis, ainda que algumas não tenham ido à Venezuela. Mas o festival não são só aqueles dez dias. Houve um trabalho preparatório de cerca de dois anos e, como se diz na Declaração Final, não é abusivo dizer que a mensagem, a imagem e as características do festival chegaram a milhões de jovens em todo o mundo. Isto é um aspecto muito importante, até no quadro internacional actual.

- Quem prepara tão arduamente o festival durante tanto tempo como vê o ataque de alguns governos e o silenciamento dos meios de comunicação social?

- Neste festival tivemos uma situação um pouco diferente do que aconteceu com o anterior, em 2001, na Argélia. Nessa altura, organizaram outro festival que se realizou quase na mesma altura, no Panamá, com a comunicação social a fazer um ataque directo à FMJD e à Argélia. Seis meses antes do festival, começaram a passar insistentemente notícias sobre os conflitos na Cabília. Depois do festival, parece que nunca mais houve confrontos... Em relação ao 16.º festival, no início da preparação ainda houve algumas coisas semelhantes, nomeadamente nos Estados Unidos, onde diziam que os jovens se iam arregimentar na Venezuela, que os delegados iam levar uma lavagem cerebral e que o presidente Chávez estava a preparar uma tropa de choque... A própria embaixada dos EUA em Caracas fez circular uma informação aconselhando os seus cidadãos a não se aproximarem dos locais onde o festival se iria realizar. A arma utilizada desta vez foi sobretudo o silenciamento a nível internacional, independentemente de ter havido notas de imprensa e sinais de satélite com resumos diários dos eventos do festival. Em Portugal, pouco houve para além de umas notícias de rodapé, apesar do CNP ter feito muitas notas sobre a construção do festival. A grande promoção do festival junto da juventude foi feita através dos comités nacionais preparatórios e das organizações que fazem parte da FMJD. Este foi um festival que se afirmou contra a exploração e pela paz com 17 mil jovens de 144 países, numa altura em que a ofensiva imperialista é cada vez mais forte, por isso este silenciamento mostra o próprio conteúdo do festival e os resultados alcançados. Agora, com a Declaração Final na mão e de regresso aos nossos países, temos de procurar a forma como concretizá-la nas nossas actividades e na sua divulgação junto dos jovens.

Venezuela, um óptimo anfitrião

- O facto do festival se ter realizado na Venezuela, país que sofre um profundo processo de transformação, fez diferença?

- Penso que sim. Ao contrário de outro tipo de eventos, o lugar onde se realiza o festival determina muito o andamento do festival, a sua construção, a organização, a participação, o conteúdo... Não foi indiferente o facto de o festival se ter realizado na República Bolivariana da Venezuela, onde o povo e a juventude são alvo de constantes pressões por parte do imperialismo. O comité nacional preparatório venezuelano contou com 47 organizações muito distintas entre si. O festival ter-se realizado neste país contribuiu ainda mais para que o tal reforço do carácter anti-imperialista tenha sido possível. O festival prestou ainda uma grande solidariedade com a revolução bolivariana, com a juventude e o povo venezuelano e criou condições para que, no regresso a casa, os delegados possam partilhar as informações que recolheram, as coisas que presenciaram, a visão que têm. Pouco se fala na Venezuela e, quando se fala, há muitas imprecisões e informações manipuladas. Isto pode ser aproveitado também em Portugal, para dizer a verdade, tendo a ideia das dificuldades e das contradições do processo revolucionário mas igualmente dos avanços, das conquistas sociais e das mudanças.

- Para o processo revolucionário venezuelano o festival foi também uma mais-valia, até com a troca de experiências entre pessoas de diferentes países?

- As 47 organizações que participaram no comité preparatório da Venezuela são muito recentes, tirando a Juventude Comunista Venezuelana. Umas têm meses, outras não têm mais de cinco anos, e resultam do chamamento do processo revolucionário para que haja uma intervenção na sociedade. O festival foi muito importante para as organizações juvenis venezuelanas na consciencialização e no conhecimento de novas experiências de trabalho e de luta. Todas as experiências que foram levadas ao festival enriqueceram os milhares de delegados. Num quadro em que a juventude venezuelana é chamada a ter uma participação mais activa na defesa e na construção do processo revolucionário, o festival foi muito importante.

Vivemos um «momento de resistência e acumulação de forças»

-- Cada organização levou algo diferente, contribuiu com um conjunto de ideias próprias. Em que consistiu esse contributo específico da JCP? Foi essencialmente ideológico?

- Não só a JCP, mas também as organizações com maior nível de responsabilidade na FMJD deram um contributo ideológico fundamental. Isto está ligado à amplitude e aos resultados do festival. Tenho ideia que muitos delegados não chegaram ao festival tão conscientes da importância da luta anti-imperialista como quando saíram. Isto não surge do nada, surge das discussões programadas e do seu conteúdo. Falando da nossa experiência política e marcando a nossa posição, outras organizações perceberam as nossas posições sobre educação, emprego, economia, ambiente, etc. e um conjunto de outras organizações se reviram-se nas nossas ideias. A declaração final – que resultou de um processo colectivo de discussão muito profundo – deu um passo muito importante na análise e nas propostas do festival, tendo em conta o movimento juvenil. O facto de termos esta declaração mostra o nível ideológico das discussões e termos conseguido ter ido mais longe do que foi possível em festivais anteriores revela a situação que o movimento juvenil vive hoje. É um momento de resistência e acumulação de forças com perspectivas de que é possível transformar o mundo.

-- Verificou-se um crescimento ideológico e político dos delegados?

- Penso que sim. O reflexo que isso terá nos seus países dependerá do trabalho que cada organização juvenil desenvolverá. Há um capital de experiência que cada delegado ganhou. A Federação aqui tem o papel fundamental de promover junto das suas organizações a Declaração Final e fazer com que as coisas não se fiquem por aqui... Estão criadas todas as condições para que este trabalho se desenvolva. Isto, lado a lado com a luta diária de cada organização, é a maior garantia de que o festival tem as suas conclusões aplicadas na prática em cada ponto do globo.

-- 58 anos depois do primeiro festival, esta 16.ª edição mantém-se fiel ao espírito inicial?

- Sem dúvida. O mundo passou por muitas alterações, mas há marcas que se mantêm, até do ponto de vista da análise: a crescente agressividade do imperialismo, o crescimento das desigualdades, o fosso entre ricos e pobres... Depois da mudança de correlação de forças no mundo no início da década de 90, este foi o maior dos três festivais que entretanto se realizaram. Outra vertente fundamental é as condições que o festival pode ter criado para o reforço da Federação Mundial das Juventudes Democráticas. Mas isso só será possível se as organizações de base, as organizações nacionais se reforçarem. Vai exigir muito esforço e trabalho, mas poderá ser um processo gradual para que, tal como chegámos a este festival mais fortes do que em 2001, possamos chegar ao próximo festival mais fortes do que em 2005.