
- Nº 1658 (2005/09/8)
14.ª Bienal de Artes Plásticas
Arte para o nosso tempo
Festa do Avante!
Mais de uma centena de artistas plásticos responderam à proposta de reflexão feita para esta edição da grande festa da arte que é a Bienal, apresentando obras que ligaram ao poema «Mau Tempo para Lirismos», escrito por Bertolt Brecht numa altura em que o nazismo avançava impune.
Percorrendo os currículos publicados no catálogo da exposição, observa-se que as datas de nascimento dos autores vão de 1931 a 1986, que os currículos mais ricos convivem com jovens estudantes, que os locais de origem ou residência se espalham de Chaves a Faro, alargando-se ao Canadá, à África lusófona, à Ucrânia. Tal diversidade só é superada pela que se constatou entre os milhares de visitantes, fosse pela indumentária, pela idade ou por outras características menos evidentes, como o hábito de observar obras de arte. «Foi permanentemente casa cheia», contou, sem hesitar, uma camarada da Comissão Executiva da Bienal, no domingo à noite, já depois de ultrapassadas as previsões da hora de encerramento, porque o público continuava a afluir.
Entre pinturas, esculturas, instalações, desenhos, gravuras, design gráfico, olaria, colagens e técnicas mistas, um espaço-cena e um labirinto, circulava um circunspecto corrupio de jovens, mulheres, homens, famílias. Gosto desta! Mas o que significa isto! Que bonito, levava este para casa! – percebia-se no murmurar. A maior parte, contudo, apreciava em silêncio.
Foi dedicada especial atenção à obra e ao pensamento de Álvaro Cunhal. O realce maior tiveram, sem dúvida, as duas pinturas, a óleo sobre madeira, num único quadro bifacetado, feitas num momento em que foi possível utilizar tintas de várias cores na prisão.
«Dentro de mim lutam/o entusiasmo pelas macieiras em flor/e o horror dos discursos do pintor das tabuletas./Mas só o segundo/ me força a sentar-me à mesa», lamentava-se Bertolt Brecht no seu «Mau Tempo...».
«A obra de arte, com propósito ou sem ele, pode acusar e defender, expressar sentimentos, posições e atitudes, erguer a dúvida ou reforçar a confiança», notava Álvaro Cunhal, num trecho escolhido para esta 14.ª Bienal.
Não é este um diálogo para o nosso tempo?
Domingos Mealha