Uma história mal contada
É raro o dia em que a questão do défice orçamental não venha referida na comunicação social – jornais, revistas, rádios e televisões – quer por iniciativa do actual e anteriores governos, quer sob outras origens, nomeadamente por parte dos chamados comentadores e analistas políticos, grande parte dos quais, ostentando brilhantes graus académicos, evidenciam, no plano dos conhecimentos da realidade concreta dos portugueses, uma preocupante iliteracia social.
Invariavelmente, todos eles estão de acordo.
Há, dizem eles, funcionários públicos a mais, a par de excessivas despesas sociais, daí a necessidade de «apertar o cinto» e reduzir as funções sociais do Estado, nomeadamente nas áreas da educação, saúde e segurança social.
Com que fundamentos se municiam os governos e seus serventuários para tais conclusões?
O argumento utilizado é o seguinte:
Como se vê os argumentos do PS, a que se juntam, em uníssono, o PSD e o CDS-PP e seus acólitos, têm como ponto nuclear o PIB. Que sigla é esta?
Tal sigla significa «produto interno bruto» e, grosso modo, corresponde a toda a riqueza criada em Portugal nos vários campos da economia: agricultura, pescas, minas, indústria, construção civil e obras públicas, transportes, comunicações, turismo, comércio, bancos, seguros e demais serviços e actividades.
É com base neste «bolo», que resulta da soma daquilo que cada um de nós produz, que são feitos os cálculos que sustentam, por parte do PS, da direita e do poder económico, o argumento de que o Estado gasta demais, pelo que faz todo o sentido, segundo eles, o ataque aos trabalhadores e aos direitos conquistados na área social.
Tal postura fundamenta-se numa história mal contada e que urge ser bem contada.
É isso que iremos tentar fazer.
Despesas com funcionários públicos
O PIB, na base de uma previsão, para 2005, deverá orçar 140 449 milhões de euros (há quem o quantifique ligeiramente superior) o que significa que, em média, cada residente em Portugal, incluindo crianças e idosos, produz uma riqueza anual avaliada em 13 495 euros.
Isto é verdadeiro? O nosso PIB só tem essa dimensão?
Toda a gente sabe que não, embora nem todos estejam de acordo com a dimensão da «economia paralela», ou seja: a parcela produtiva que não entra na quantificação oficial do PIB e que, por isso, foge ao pagamento de impostos.
Em Portugal, pela voz da CIP, a economia paralela oscila entre os 20% e os 22%, mas, segundo estudos da empresa de consultoria McKinsey tal economia subterrânea atinge os 28%. Entre um cálculo e outro situam-se:
· o estudo da António Antunes (da Universidade Nova de Lisboa) e Tiago Cavalcanti (da Universidade de Pernambuco) que baliza a economia paralela entre 18% e 25%;
· o estudo da Schneider e Kinglmair atribuindo a Portugal uma das maiores economias paralelas, na ordem de 22,3%.
O que é que isto significa?
Significa que se juntarmos aos dados oficiais do PIB aquilo que se produz e que não é oficialmente considerado, então o nosso PIB sobe para valores entre os 164 e os cerca de 180 mil milhões de euros.
Ora era sobre tais dados que os governantes deviam fazer os cálculos, quer quanto aos salários dos funcionários públicos, quer quanto às despesas com a educação, saúde e segurança social.
É repetido mil vezes que os encargos com os funcionários públicos representam 15% do PIB oficial, mas não se diz que esse valor desce para cerca de 12% do PIB real.
Acontece que este último valor já se aproxima da média europeia embora fique, mesmo assim, aquém do que acontece nos seguintes países: Dinamarca -17,9%; Suécia -16,6%; França -13,9%; Finlândia -13,8%, números (importa dizer em nome do rigor), também, maximizados em função das respectivas economias paralelas, embora com valores bastante inferiores aos nossos.
Concluindo: entre os números reais e os números oficiais vai a diferença que suporta toda a demagogia que pretende associar os encargos salariais dos trabalhadores à dimensão do défice. A ser verdade tal dedução então a Dinamarca, a Suécia, a França e a Finlândia, entre outros, estariam numa situação bem pior que a nossa na medida em que despendem mais verbas, em salários, destinados ao respectivo funcionalismo público.
Despesas sociais do Estado
O outro objectivo da direita e das políticas de direita consiste no argumento de que o conjunto das funções sociais do Estado, nomeadamente a saúde e a segurança social envolvem verbas tão vultuosas que não se compaginam com as possibilidades reais do país.
Também aqui há uma história duplamente mal contada.
Uma parte já atrás foi descrita. A outra parte é a seguinte:
Não é verdade que as despesas sociais sejam comparativamente ao PIB muito elevadas. De acordo com a OCDE (índices sociais - edição 2005) as percentagens eram as seguintes:
Dinamarca - 29,2%; Suécia - 28,9%; França - 28,5%; Alemanha - 27,4%; Bélgica - 27,2%; Suíça - 26,4%; Áustria - 26,0%; Finlândia - 24,8%; Itália - 24,4%; Grécia - 24,3%; Noruega - 23,9%; Polónia - 23,0%; Holanda - 21,8%; Reino Unido - 21,8% e Portugal - 21,1%.
É verdade que no conjunto dos países da OCDE a nossa percentagem é ligeiramente superior à média em cerca de uns residuais 0,2 pontos.
Mas isso deve-se ao facto de haver pouco investimento social em certos países, quer eles sejam pobres, quer eles sejam ricos, como é o caso do México, da Turquia, da Coreia do Sul e, pasme-se, (ou talvez não), dos EUA, cujas despesas sociais representam 14,8% do PIB, valor baixo, comparativamente ao modelo social europeu, facto que ajuda a explicar porque é que esta «superpotência» tem, no conjunto dos países da OCDE, uma das mais elevadas percentagens de pobreza relativa.
Mas voltemos ao nosso caso.
Os dados acima referidos, embora concludentes, precisam de um olhar mais atento.
E porquê?
Porque eles têm apenas um valor relativo.
O que importa é traduzir isso em valores absolutos e demonstrar que, em Portugal, com base nos dados reportados a 31/12/2003 para os 2 541 458 pensionistas e reformados do sistema público de Segurança Social, o valor médio das respectivas pensões orçava cerca de 245 euros mensais.
As despesas sociais do Estado Português têm, pois, esta dimensão: a dimensão de pensões de miséria.
Quanto à saúde a mentira oficial é mais refinada.
Os partidos que têm estado no poder dizem, com base nos dados da OCDE, que a percentagem daquilo que são as despesas com a saúde, comparativamente ao PIB oficial (que não o real) são muito elevadas, na ordem dos 9,2%.
Acima de tal valor estão a Suíça - 11,2%; a Alemanha - 10,9%; a Islândia - 9,9%; a França - 9,7%; o Canadá - 9,6%; a Grécia - 9,5% e a Suécia - 9,3%.
Só que tais percentagens resultam da soma das despesas públicas com as despesas suportadas pelas famílias.
Acontece que Portugal é um dos países em que o esforço individual das famílias é mais elevado, no que concerne às despesas globais com a saúde, (cerca de 30%) devido, nomeadamente, aos custos não comparticipados pelo Estado com meios auxiliares de diagnóstico, medicamentos, actos terapêuticos, consultas de especialidades, próteses a que se juntam as taxas moderadoras, circunstância que penaliza os agregados com menores rendimentos.
Em termos absolutos, reportados ao ano 2000, cada agregado familiar tinha, com a saúde, um encargo médio anual de 719 euros, o que representava cerca de 5,2% do total das despesas familiares.
Esta percentagem é, no entanto, ilusória porque ela aumenta na razão inversa dos vencimentos, ou seja: é tanto maior quanto mais pobre se é, e é tanto menor quanto mais rico se é. Por exemplo, nos agregados familiares com rendimentos anuais inferiores a 4500 euros as despesas com a saúde representam cerca de 9,8% das despesas totais, enquanto nos agregado familiares com rendimentos superiores a 18 000 euros tais despesas não ultrapassam os 4,2%.
Défice orçamental
Já atrás foi referido que a comissão Constâncio quantificou, em cerca de 8744 milhões de euros o défice orçamental, ou seja, a diferença entre o total de receitas e o total de despesas, facto que leva o actual e anteriores governos e respectivos acólitos a proclamarem: «O nosso país gasta aquilo que não tem. Estamos a viver acima das nossas possibilidades, pelo que é preciso aumentar o IVA, apertar o cinto, congelar os salários e diminuir as funções sociais do Estado».
Há, também, aqui uma história, não só mal contada mas, sobretudo, uma história sinistra que se conta rapidamente.
Portugal tem, objectivamente, condições de resolver o problema do défice sem afectar os trabalhadores por conta de outrem, os reformados, os utentes do Serviço Nacional de Saúde, bem como todos aqueles que beneficiam das funções sociais do Estado.
Como é que isso seria possível?
Seria possível se os governos do bloco central (PS, PSD) não tivessem convertido Portugal num paraíso para a evasão e fraude fiscais, facto exemplarmente denunciado em Dezembro de 2003 quando o PCP apresentou na Assembleia da Republica um conjunto de medidas tendentes à resolução deste problema.
Na altura foi referido pelo grupo parlamentar do PCP a seguinte realidade:
· 11 mil milhões de euros de dívidas fiscais ao Estado;
· 2,9 mil milhões de euros de dividas à Segurança Social (Dados mais recentes apontam para uma dívida entre os 3,2 e os 3,3 mil milhões de euros).;
· 142 milhões de euros de pagamentos, em sede de IRC, não efectuados ao Estado, por multinacionais, com base no recurso de forma ilegal à figura de sujeito não residente sem estabelecimento estável;
· metade das empresas sediadas na zona franca da Madeira não declaram qualquer volume de negócios para efeito de IVA, enquanto 42,5% não apresentam a declaração periódica de rendimentos para efeito de IRC, e 67% das empresas licenciadas naquele off shore estão por identificar pela administração fiscal;
· 1,6 mil milhões de euros de dívidas fiscais estão em risco de prescrever, sendo que cerca de metade desse valor é já considerado irrecuperável.
Acrescia a tal quadro um outro quadro não menos negro: a existência de instituições financeiras a pagarem 8% de IRC e disso se vangloriarem.
Passado cerca de ano e meio a situação mantém-se porque as medidas preconizadas atingiriam interesses instalados na base de apoio fundamental dos partidos que, alternadamente, têm tido assento no governo.
A dimensão da fraude e fuga aos impostos ligadas à economia paralela oscila segundo cálculos da Direcção Geral de Impostos entre 4,7 e 7,2% do PIB, ou seja aquilo que o Estado não arrecada, mas devia arrecadar.
A par da economia paralela há, a juntar, o efeito corrosivo das empresas inseridas na economia formal e que, sistematicamente, não pagam impostos.
Com efeito, no conjunto de 316 000 empresas que entregaram a respectiva declaração de rendimentos relativos a 2002, apenas 42% pagaram IRC, ou seja:
· 133 000 pagaram impostos;
· 183 000 não pagaram impostos.
Quanto ao IRS a situação não é menos escandalosa. Com efeito, se desdobrarmos os pagamentos pela origem dos contribuintes verificaremos que, em média, um trabalhador por conta de outrem paga cerca de seis vezes mais imposto que um empresário em nome individual. O mesmo se passa com as profissões liberais. Em 2003 os rendimentos brutos declarados foram, em euros, os seguintes:
· dentistas – 17 867; advogados – 10 864; veterinários – 10 255; arquitectos – 9277; engenheiros – 8581; técnicos oficiais de contas – 8382.
O conjunto dos cerca de 180 000 profissionais liberais pagaram, no ano atrás referido, cerca de 6% do total de IRS, quando, na base dos seus rendimentos efectivos, deviam ter pago cerca de 15%.
Acresce a este regabofe dois outros ainda mais gravosos:
· É o caso dos bancos, seguros e outras entidades financeiras que, apresentando lucros, em 2002, de 2864 milhões de euros apenas pagaram 312 milhões, o equivalente a uma taxa efectiva de 11%, embora, como já atrás dissemos, tenha havido quem se vangloriasse de ter pago apenas 8%, quando a taxa média do país orçava os 24%. Comparemos tais percentagens com a média ponderada de Aveiro (27%) e não deixaremos de concluir que o actual sistema fiscal beneficia a actividade financeira, incluindo a especulativa, em detrimento da actividade industrial;
· É o caso, também, da Região Autónoma da Madeira onde a taxa média de IRC rondou os 5%, valor escandalosamente baixo, mas explicado pela Direcção Geral de Impostos como sendo resultado da existência da Zona Franca da Madeira.
Pudera! Para que servem os paraísos fiscais que não seja para prejudicar a comunidade em benefício da especulação financeira, da lavagem de dinheiro, do branqueamento de capitais e da economia de casino?
Só que os paraísos fiscais não apareceram e cresceram por geração expontânea. Houve quem os criasse, os apadrinhasse e os mantenha. O PSD e o PS sabem muito bem que tais paraísos têm como objectivo explícito e explicitado defraudar o fisco a par da cobertura «legal» ao tráfico de droga e de armas, ao jogo ilícito, à prostituição e à corrupção.
A zona franca da Madeira tem, pois, reconhecidamente, constituído um dos factores de diminuição na arrecadação de impostos.
Que faz correr o PS e o PSD a conviverem com tal situação?
Nível de fiscalidade
Covergentemente à teoria de que os encargos salariais da função pública são elevados e que as funções sociais do Estado exorbitam a nossa possibilidade financeira, a direita utiliza um outro argumento e que é o seguinte: os impostos pagos pelas empresas são muito elevados.
Será verdade? Não, não é verdade!
De acordo com os dados da OCDE, reportados a 2004, a média da União Europeia, antes do último alargamento, era de 40,6% relativamente ao PIB.
Os países onde se cobram mais impostos são os seguintes:
· superior a 50% do PIB: Suécia;
· superior a 40% e inferior a 50% do PIB: Dinamarca, Bélgica, Finlândia, Áustria, França, Itália e Luxemburgo;
· superior a 35% e inferior a 40% do PIB: Holanda, Alemanha, Grécia, Reino Unido e Espanha.
Todos estes países apresentam uma fiscalidade superior à nossa que, em 2004, se cifrava em 34,9% do PIB.
Com valores mais baixos apenas a Irlanda.
Estes números não surpreendem. Com tanta economia subterrânea, com tanta contabilidade falsificada, com tantos benefícios fiscais, com tantos contribuintes de elevados rendimentos a, nas barbas da administração fiscal, sub-declará-los, com o off-shore da Madeira não admira que o nível de fiscalidade em Portugal, salvo o caso especial da Irlanda, seja o mais baixo da União Europeia (a 15).
O que admira é a desfaçatez dos governantes e seus acólitos dizerem o contrário, na convicção de que uma mentira mil vezes repetida transforma-se em verdade.
O que é que eles não dizem sobre as grandes fortunas?
Há na comunicação dos governantes (todos eles), nos jornais e televisões um silêncio de chumbo sobre uma realidade que constitui um crime lesa-coesão social e que deriva de tudo o atrás referido.
Trata-se da forma como está distribuída a riqueza do país.
De acordo com o Eurostat, reportado a 2001, (hoje, seguramente, a situação será bem pior) Portugal era, no conjunto dos 15 países da União Europeia, aquele que apresentava o maior fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres.
O coeficiente entre uns e outros era o seguinte:
Coeficiente 3: Dinamarca;
Coeficiente entre 3 e 4: Suécia, Áustria, Finlândia, Alemanha, Luxemburgo e Holanda;
Coeficiente 4: Bélgica e França;
Coeficiente entre 4 e 5: Irlanda, Itália e Reino Unido;
Coeficiente entre 5 e 6: Espanha e Grécia;
Portugal: coeficiente de 6,5
Portugal tem, pois, uma posição destacada na concentração de riqueza. Um estudo que se deve reclamar é o seguinte: Se em Portugal a relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres fosse, por exemplo, igual ao coeficiente 3 (o coeficiente da Dinamarca), qual seria o regime fiscal a aplicar às grandes fortunas? E se esse regime fosse aplicado que consequências teria na redução do défice, na melhoria das prestações sociais, a par do aumento do consumo e do desenvolvimento do tecido produtivo?
Para uma melhor avaliação destas perguntas e das assimetrias sociais atrás referidas vejamos o seguinte:
· De acordo com o estudo da Unicef sobre a «Situação Mundial da Infância, 2005» cerca de 200 000 portugueses viviam com menos de 1 dólar por dia. Repete-se: menos de 1 dólar por dia (pág. 132 da publicação citada);
· De acordo com as Estatísticas da Segurança Social havia no 1º trimestre de 2003 (actualmente este valor é inferior) cerca de 290 000 beneficiários do então rendimento mínimo garantido, a quem cabia uma prestação mensal média de 51 euros (Estatísticas da Segurança Social, Dezembro de 2003, págs. 31 e 33);
· De acordo com os Anuários Estatísticos das Regiões havia, em 31/12/2003, 2 541 458 reformados e pensionistas do Sistema Público de Segurança Social a quem, em média, cabia uma pensão de 245 euros (Anuário Estatístico da Região Algarve, pág. 127);
· Haverá outros portugueses em situações, eventualmente, piores mas cuja amplitude desconhecemos.
Das situações atrás referidas, dada a sua dimensão, vamos considerar que os 20% mais pobres, em Portugal, correspondem a 2 milhões de pensionistas e reformados.
Neste caso teríamos:
· os 20% mais pobres teriam um rendimento anual de 6860 milhões de euros;
· os 20% mais ricos teriam um rendimento anual de 44 590 milhões de euros.
Se a diferença de rendimentos não fosse a atrás referida, mas aquela que vigora na Dinamarca, então os dados seriam os seguintes:
· os 20% mais ricos não teriam o rendimento anual atrás referido mas sim o equivalente a 20 580 milhões de euros.
Os cerca de 44 mil milhões de euros na base do coeficiente de 6,5 existente em Portugal e os cerca de 20 mil milhões de euros caso se aplicasse, entre nós, o coeficiente 3 da Dinamarca, explicam-se pela natureza intrínseca do capitalismo, quer ele seja do Sul ou do Norte da Europa ou de qualquer outra região. Contudo, importa sublinhar que a diferença entre um coeficiente e outro evidencia que, a par da função predadora do capitalismo, expressa na apropriação das mais-valias, há a acrescer a ganância de quem não se contenta com um qualquer lucro, mas com um lucro maximizado, opções não só bem instaladas em Portugal, mas igualmente bem protegidas pelo rotativismo político em Portugal do «ora agora eu, ora agora tu» do PSD e PS e vice-versa. E para quem, a este propósito, tenha dúvidas, basta analisar a fortuna conjunta dos 10 mais ricos de Portugal, avaliada em 7 552 000 000 euros, e indagar como é possível que tais bilionários tenham, não só aquela imensa fortuna como, em período de crise económica, visto o seu capital aumentar, no último ano, em 24,6%, 19,4% e 12,7, como foram os casos, respectivamente, de José Manuel de Mello, Queiroz Pereira e Belmiro de Azevedo. A estes, aos governantes e à generalidade dos comentadores políticos que enxameiam as televisões e as colunas dos jornais, ficam, desde já, duas perguntas:
· para se construir tais, e outras, fortunas quantos milhares de trabalhadores e reformados foram atirados para situações de grande debilidade económica e para a miséria?;
· que regime é este que permite a 10 (dez!) famílias acumular uma fortuna superior ao rendimento anual de 2 milhões de reformados?
Estas perguntas têm soluções e elas passam, obrigatoriamente, não só por um regime alicerçado numa democracia política, social e cultural, mas, também, numa democracia económica baseada na subordinação do poder económico ao poder político democrático, na propriedade social dos sectores básicos e estratégicos da economia, bem como dos principais recursos naturais e na planificação democrática da economia.
O que é que eles não dizem sobre a economia?
Os problemas do país resultam de vários factores, dois dos quais já atrás nos referimos, como sejam: a natureza, a dimensão e a eficácia da política fiscal e a distribuição da riqueza produtiva. A tais factores junta-se um outro de extrema importância: a economia.
Tivéssemos nós uma economia dimensionada às necessidades do país e que crescesse, por exemplo, entre 3% e 5%, por ano, o que é que daí resultava, em termos de percentagem dos salários da função pública e das prestações sociais, relativamente ao PIB?
Para facilitar uma melhor compreensão da importância da economia e agilizar os cálculos, partamos das seguintes premissas:
· Admitamos que, nos próximos 4 anos, os preços se mantêm (inflação zero) e que o aumento real dos salários e das prestações sociais é equivalente, por exemplo, a 1% ao ano.
Caso se verificassem tais premissas os resultados seriam os seguintes:
a) com a economia a crescer 3% ao ano as despesas com funcionários baixavam dos actuais 15,1% para 14% e as despesas com prestações sociais baixavam de 18,6% para 17,2%, relativamente ao PIB;
b) com a economia a crescer 5% ao ano as despesas com funcionários baixavam dos actuais 15,1% parar 12,9% e as despesas com prestações sociais baixavam dos actuais 18,6% para 15,9%, relativamente ao PIB;
c) num caso e noutro, embora as despesas diminuíssem relativamente ao PIB, a verdade é que os trabalhadores viam os seus rendimentos aumentarem, em termos reais, 4,1%, o mesmo acontecendo aos beneficiários das prestações sociais. E tudo isto porquê? Porque se produziu mais, o país cresceu em termos económicos, o PIB aumentou, a par dos aumentos reais dos salários e das prestações sociais, bem como dos impostos.
Isto é exequível? O nosso país tem condições de aumentar a produção, aumentar os salários reais dos trabalhadores, as reformas e os benefícios sociais, paralelamente à diminuição dos respectivos rácios relativamente ao PIB? É obvio que tem. Basta olhar para aquilo que é a estrutura de consumo da sociedade portuguesa, comparar tal estrutura com aquilo que se produz, aquilo que se exporta e aquilo que se importa para perceber que está ao nosso alcance atacar o mal das finanças públicas pelas «causas» e não pelas «consequências».
Mercê das opções ideológicas dos partidos do bloco central (PS e PSD), quer no endeusamento à economia de mercado, quer na venda-a-pataco, ao directório sediado em Bruxelas, dos nossos mecanismos de intervenção na área económica, mercê de tal crime lesa-pátria o nosso país foi obrigado a secar a indústria, a abater a frota pesqueira e a abandonar as terras.
O resultado está à vista. O nosso défice comercial foi, em 2003, cerca de 13 661 milhões euros. Uma parte desse défice é devido à circunstancia de termos de comprar o petróleo que não possuímos e de comprar máquinas, equipamentos e material de transporte cuja tecnologia não dominamos.
Mas uma parte significativa daquilo que importamos (que nos leva a despender divisas e a reduzir o emprego) podia muito bem ser produzida por nós, com efeitos multiplicadores, quer a montante, quer a jusante.
Tomemos como exemplo aquilo que se passa na área da nossa alimentação. Os dados sobre o comércio externo, na base da classificação CAE a dois dígitos, relativamente a 2003, foram os constantes no
QUADRO I .
Como se vê o país não produz o suficiente para se alimentar, sendo obrigado a comprar lá fora aquilo que podia (e devia) ser produzido cá dentro.
Os maiores défices alimentares (diferença entre importações e exportações) são os seguintes:
Animais vivos e produtos do reino animal:
· Peixes, crustáceos e moluscos: cerca de 701 milhões de euros;
· Carnes e miudezas comestíveis: cerca de 503 milhões de euros
· Leite e lacticínios: cerca de 149 milhões de euros;
· Animais vivos: cerca de 100 milhões de euros.
Produtos do reino vegetal:
· cereais: cerca de 430 milhões de euros;
· sementes e frutos oleaginosos: cerca de 288 milhões de euros;
· frutas: cerca de 260 milhões de euros;
· produtos hortícolas, plantas e tubérculos comestíveis: cerca de 126 milhões de euros.
Produtos das indústrias alimentares, bebidas e tabacos:
· resíduos das indústrias alimentares e alimentos para animais: cerca de 234 milhões de euros;
· preparações à base de cereais, amidos ou de leite: cerca de 186 milhões de euros;
· açucares e produtos de confeitaria: cerca de 148 milhões de euros;
· preparações diversas: cerca de 131 milhões de euros;
· cacau e suas preparações: cerca de 116 milhões de euros.
O único sector que, em termos de comércio externo, na área atrás referida, nos é favorável, é o sector das bebidas e líquidos alcoólicos com cerca de 352 milhões de euros de saldo positivo, verba, contudo, inferior ao défice na área dos cereais.
Estamos a falar de um sector estratégico do país (a alimentação da população) que devia merecer a atenção dos governantes no sentido de que as proteínas, as vitaminas, os hidratos de carbono, os sais minerais, as gorduras e demais componentes da alimentação, fossem produzidos por nós tendo em conta os meios disponíveis. O défice alimentar atrás referido, na ordem de 3548 milhões de euros, é sublimado pelo governo, fingindo que não existe, enquanto o défice na área do petróleo bruto, gás natural, coque e produtos petrolíferos refinados na ordem dos 3283 milhões de euros é hipervalorizado para justificar o desequilíbrio na balança comercial e as dificuldades na área da competitividade. No nosso país não há petróleo mas há universidades, centros de investigação, terras abandonadas, capitais disponíveis, mão-de-obra qualificada, cujas valências possibilitariam produzir as frutas, os cereais, os produtos hortícolas, a par da captura de pescado e da criação de gado, quer na vertente da produção de carne, quer na produção de leite e seus derivados. O nosso país dispõe de conhecimentos e meios suficientes para a resolução de uma parte significativa da nossa carência alimentar e de um Partido, o PCP, empenhado no desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica, ao serviço do povo e do País. O que o país não dispõe é de governantes com suficiente cultura democrática, espírito cívico, honestidade e competência capazes de privilegiar o interesse colectivo em detrimento do interesse pessoal e de classe. Há, é certo, um déficit orçamental, mas o maior déficit é o que resulta das opções ideológicas dos actuais e antigos governantes.
Há, dizem eles, funcionários públicos a mais, a par de excessivas despesas sociais, daí a necessidade de «apertar o cinto» e reduzir as funções sociais do Estado, nomeadamente nas áreas da educação, saúde e segurança social.
Com que fundamentos se municiam os governos e seus serventuários para tais conclusões?
O argumento utilizado é o seguinte:
a) as despesas com funcionários são elevadíssimas, cerca de 15% do PIB;
b) as despesas sociais são superiores à media dos países que constituem a OCDE, em cerca de 0,2 pontos;
c) as despesas globais do Estado (cerca de 69 mil milhões de euros) são, também, elevadíssimas face ao volume total de receitas (cerca de 60 mil milhões de euros);
d) o défice orçamental resultante dos números atrás referidos (perto dos 9 mil milhões de euros) traduz-se em 6,83% do PIB, segundo o relatório Constâncio.
Como se vê os argumentos do PS, a que se juntam, em uníssono, o PSD e o CDS-PP e seus acólitos, têm como ponto nuclear o PIB. Que sigla é esta?
Tal sigla significa «produto interno bruto» e, grosso modo, corresponde a toda a riqueza criada em Portugal nos vários campos da economia: agricultura, pescas, minas, indústria, construção civil e obras públicas, transportes, comunicações, turismo, comércio, bancos, seguros e demais serviços e actividades.
É com base neste «bolo», que resulta da soma daquilo que cada um de nós produz, que são feitos os cálculos que sustentam, por parte do PS, da direita e do poder económico, o argumento de que o Estado gasta demais, pelo que faz todo o sentido, segundo eles, o ataque aos trabalhadores e aos direitos conquistados na área social.
Tal postura fundamenta-se numa história mal contada e que urge ser bem contada.
É isso que iremos tentar fazer.
Despesas com funcionários públicos
O PIB, na base de uma previsão, para 2005, deverá orçar 140 449 milhões de euros (há quem o quantifique ligeiramente superior) o que significa que, em média, cada residente em Portugal, incluindo crianças e idosos, produz uma riqueza anual avaliada em 13 495 euros.
Isto é verdadeiro? O nosso PIB só tem essa dimensão?
Toda a gente sabe que não, embora nem todos estejam de acordo com a dimensão da «economia paralela», ou seja: a parcela produtiva que não entra na quantificação oficial do PIB e que, por isso, foge ao pagamento de impostos.
Em Portugal, pela voz da CIP, a economia paralela oscila entre os 20% e os 22%, mas, segundo estudos da empresa de consultoria McKinsey tal economia subterrânea atinge os 28%. Entre um cálculo e outro situam-se:
· o estudo da António Antunes (da Universidade Nova de Lisboa) e Tiago Cavalcanti (da Universidade de Pernambuco) que baliza a economia paralela entre 18% e 25%;
· o estudo da Schneider e Kinglmair atribuindo a Portugal uma das maiores economias paralelas, na ordem de 22,3%.
O que é que isto significa?
Significa que se juntarmos aos dados oficiais do PIB aquilo que se produz e que não é oficialmente considerado, então o nosso PIB sobe para valores entre os 164 e os cerca de 180 mil milhões de euros.
Ora era sobre tais dados que os governantes deviam fazer os cálculos, quer quanto aos salários dos funcionários públicos, quer quanto às despesas com a educação, saúde e segurança social.
É repetido mil vezes que os encargos com os funcionários públicos representam 15% do PIB oficial, mas não se diz que esse valor desce para cerca de 12% do PIB real.
Acontece que este último valor já se aproxima da média europeia embora fique, mesmo assim, aquém do que acontece nos seguintes países: Dinamarca -17,9%; Suécia -16,6%; França -13,9%; Finlândia -13,8%, números (importa dizer em nome do rigor), também, maximizados em função das respectivas economias paralelas, embora com valores bastante inferiores aos nossos.
Concluindo: entre os números reais e os números oficiais vai a diferença que suporta toda a demagogia que pretende associar os encargos salariais dos trabalhadores à dimensão do défice. A ser verdade tal dedução então a Dinamarca, a Suécia, a França e a Finlândia, entre outros, estariam numa situação bem pior que a nossa na medida em que despendem mais verbas, em salários, destinados ao respectivo funcionalismo público.
Despesas sociais do Estado
O outro objectivo da direita e das políticas de direita consiste no argumento de que o conjunto das funções sociais do Estado, nomeadamente a saúde e a segurança social envolvem verbas tão vultuosas que não se compaginam com as possibilidades reais do país.
Também aqui há uma história duplamente mal contada.
Uma parte já atrás foi descrita. A outra parte é a seguinte:
Não é verdade que as despesas sociais sejam comparativamente ao PIB muito elevadas. De acordo com a OCDE (índices sociais - edição 2005) as percentagens eram as seguintes:
Dinamarca - 29,2%; Suécia - 28,9%; França - 28,5%; Alemanha - 27,4%; Bélgica - 27,2%; Suíça - 26,4%; Áustria - 26,0%; Finlândia - 24,8%; Itália - 24,4%; Grécia - 24,3%; Noruega - 23,9%; Polónia - 23,0%; Holanda - 21,8%; Reino Unido - 21,8% e Portugal - 21,1%.
É verdade que no conjunto dos países da OCDE a nossa percentagem é ligeiramente superior à média em cerca de uns residuais 0,2 pontos.
Mas isso deve-se ao facto de haver pouco investimento social em certos países, quer eles sejam pobres, quer eles sejam ricos, como é o caso do México, da Turquia, da Coreia do Sul e, pasme-se, (ou talvez não), dos EUA, cujas despesas sociais representam 14,8% do PIB, valor baixo, comparativamente ao modelo social europeu, facto que ajuda a explicar porque é que esta «superpotência» tem, no conjunto dos países da OCDE, uma das mais elevadas percentagens de pobreza relativa.
Mas voltemos ao nosso caso.
Os dados acima referidos, embora concludentes, precisam de um olhar mais atento.
E porquê?
Porque eles têm apenas um valor relativo.
O que importa é traduzir isso em valores absolutos e demonstrar que, em Portugal, com base nos dados reportados a 31/12/2003 para os 2 541 458 pensionistas e reformados do sistema público de Segurança Social, o valor médio das respectivas pensões orçava cerca de 245 euros mensais.
As despesas sociais do Estado Português têm, pois, esta dimensão: a dimensão de pensões de miséria.
Quanto à saúde a mentira oficial é mais refinada.
Os partidos que têm estado no poder dizem, com base nos dados da OCDE, que a percentagem daquilo que são as despesas com a saúde, comparativamente ao PIB oficial (que não o real) são muito elevadas, na ordem dos 9,2%.
Acima de tal valor estão a Suíça - 11,2%; a Alemanha - 10,9%; a Islândia - 9,9%; a França - 9,7%; o Canadá - 9,6%; a Grécia - 9,5% e a Suécia - 9,3%.
Só que tais percentagens resultam da soma das despesas públicas com as despesas suportadas pelas famílias.
Acontece que Portugal é um dos países em que o esforço individual das famílias é mais elevado, no que concerne às despesas globais com a saúde, (cerca de 30%) devido, nomeadamente, aos custos não comparticipados pelo Estado com meios auxiliares de diagnóstico, medicamentos, actos terapêuticos, consultas de especialidades, próteses a que se juntam as taxas moderadoras, circunstância que penaliza os agregados com menores rendimentos.
Em termos absolutos, reportados ao ano 2000, cada agregado familiar tinha, com a saúde, um encargo médio anual de 719 euros, o que representava cerca de 5,2% do total das despesas familiares.
Esta percentagem é, no entanto, ilusória porque ela aumenta na razão inversa dos vencimentos, ou seja: é tanto maior quanto mais pobre se é, e é tanto menor quanto mais rico se é. Por exemplo, nos agregados familiares com rendimentos anuais inferiores a 4500 euros as despesas com a saúde representam cerca de 9,8% das despesas totais, enquanto nos agregado familiares com rendimentos superiores a 18 000 euros tais despesas não ultrapassam os 4,2%.
Défice orçamental
Já atrás foi referido que a comissão Constâncio quantificou, em cerca de 8744 milhões de euros o défice orçamental, ou seja, a diferença entre o total de receitas e o total de despesas, facto que leva o actual e anteriores governos e respectivos acólitos a proclamarem: «O nosso país gasta aquilo que não tem. Estamos a viver acima das nossas possibilidades, pelo que é preciso aumentar o IVA, apertar o cinto, congelar os salários e diminuir as funções sociais do Estado».
Há, também, aqui uma história, não só mal contada mas, sobretudo, uma história sinistra que se conta rapidamente.
Portugal tem, objectivamente, condições de resolver o problema do défice sem afectar os trabalhadores por conta de outrem, os reformados, os utentes do Serviço Nacional de Saúde, bem como todos aqueles que beneficiam das funções sociais do Estado.
Como é que isso seria possível?
Seria possível se os governos do bloco central (PS, PSD) não tivessem convertido Portugal num paraíso para a evasão e fraude fiscais, facto exemplarmente denunciado em Dezembro de 2003 quando o PCP apresentou na Assembleia da Republica um conjunto de medidas tendentes à resolução deste problema.
Na altura foi referido pelo grupo parlamentar do PCP a seguinte realidade:
· 11 mil milhões de euros de dívidas fiscais ao Estado;
· 2,9 mil milhões de euros de dividas à Segurança Social (Dados mais recentes apontam para uma dívida entre os 3,2 e os 3,3 mil milhões de euros).;
· 142 milhões de euros de pagamentos, em sede de IRC, não efectuados ao Estado, por multinacionais, com base no recurso de forma ilegal à figura de sujeito não residente sem estabelecimento estável;
· metade das empresas sediadas na zona franca da Madeira não declaram qualquer volume de negócios para efeito de IVA, enquanto 42,5% não apresentam a declaração periódica de rendimentos para efeito de IRC, e 67% das empresas licenciadas naquele off shore estão por identificar pela administração fiscal;
· 1,6 mil milhões de euros de dívidas fiscais estão em risco de prescrever, sendo que cerca de metade desse valor é já considerado irrecuperável.
Acrescia a tal quadro um outro quadro não menos negro: a existência de instituições financeiras a pagarem 8% de IRC e disso se vangloriarem.
Passado cerca de ano e meio a situação mantém-se porque as medidas preconizadas atingiriam interesses instalados na base de apoio fundamental dos partidos que, alternadamente, têm tido assento no governo.
A dimensão da fraude e fuga aos impostos ligadas à economia paralela oscila segundo cálculos da Direcção Geral de Impostos entre 4,7 e 7,2% do PIB, ou seja aquilo que o Estado não arrecada, mas devia arrecadar.
A par da economia paralela há, a juntar, o efeito corrosivo das empresas inseridas na economia formal e que, sistematicamente, não pagam impostos.
Com efeito, no conjunto de 316 000 empresas que entregaram a respectiva declaração de rendimentos relativos a 2002, apenas 42% pagaram IRC, ou seja:
· 133 000 pagaram impostos;
· 183 000 não pagaram impostos.
Quanto ao IRS a situação não é menos escandalosa. Com efeito, se desdobrarmos os pagamentos pela origem dos contribuintes verificaremos que, em média, um trabalhador por conta de outrem paga cerca de seis vezes mais imposto que um empresário em nome individual. O mesmo se passa com as profissões liberais. Em 2003 os rendimentos brutos declarados foram, em euros, os seguintes:
· dentistas – 17 867; advogados – 10 864; veterinários – 10 255; arquitectos – 9277; engenheiros – 8581; técnicos oficiais de contas – 8382.
O conjunto dos cerca de 180 000 profissionais liberais pagaram, no ano atrás referido, cerca de 6% do total de IRS, quando, na base dos seus rendimentos efectivos, deviam ter pago cerca de 15%.
Acresce a este regabofe dois outros ainda mais gravosos:
· É o caso dos bancos, seguros e outras entidades financeiras que, apresentando lucros, em 2002, de 2864 milhões de euros apenas pagaram 312 milhões, o equivalente a uma taxa efectiva de 11%, embora, como já atrás dissemos, tenha havido quem se vangloriasse de ter pago apenas 8%, quando a taxa média do país orçava os 24%. Comparemos tais percentagens com a média ponderada de Aveiro (27%) e não deixaremos de concluir que o actual sistema fiscal beneficia a actividade financeira, incluindo a especulativa, em detrimento da actividade industrial;
· É o caso, também, da Região Autónoma da Madeira onde a taxa média de IRC rondou os 5%, valor escandalosamente baixo, mas explicado pela Direcção Geral de Impostos como sendo resultado da existência da Zona Franca da Madeira.
Pudera! Para que servem os paraísos fiscais que não seja para prejudicar a comunidade em benefício da especulação financeira, da lavagem de dinheiro, do branqueamento de capitais e da economia de casino?
Só que os paraísos fiscais não apareceram e cresceram por geração expontânea. Houve quem os criasse, os apadrinhasse e os mantenha. O PSD e o PS sabem muito bem que tais paraísos têm como objectivo explícito e explicitado defraudar o fisco a par da cobertura «legal» ao tráfico de droga e de armas, ao jogo ilícito, à prostituição e à corrupção.
A zona franca da Madeira tem, pois, reconhecidamente, constituído um dos factores de diminuição na arrecadação de impostos.
Que faz correr o PS e o PSD a conviverem com tal situação?
Nível de fiscalidade
Covergentemente à teoria de que os encargos salariais da função pública são elevados e que as funções sociais do Estado exorbitam a nossa possibilidade financeira, a direita utiliza um outro argumento e que é o seguinte: os impostos pagos pelas empresas são muito elevados.
Será verdade? Não, não é verdade!
De acordo com os dados da OCDE, reportados a 2004, a média da União Europeia, antes do último alargamento, era de 40,6% relativamente ao PIB.
Os países onde se cobram mais impostos são os seguintes:
· superior a 50% do PIB: Suécia;
· superior a 40% e inferior a 50% do PIB: Dinamarca, Bélgica, Finlândia, Áustria, França, Itália e Luxemburgo;
· superior a 35% e inferior a 40% do PIB: Holanda, Alemanha, Grécia, Reino Unido e Espanha.
Todos estes países apresentam uma fiscalidade superior à nossa que, em 2004, se cifrava em 34,9% do PIB.
Com valores mais baixos apenas a Irlanda.
Estes números não surpreendem. Com tanta economia subterrânea, com tanta contabilidade falsificada, com tantos benefícios fiscais, com tantos contribuintes de elevados rendimentos a, nas barbas da administração fiscal, sub-declará-los, com o off-shore da Madeira não admira que o nível de fiscalidade em Portugal, salvo o caso especial da Irlanda, seja o mais baixo da União Europeia (a 15).
O que admira é a desfaçatez dos governantes e seus acólitos dizerem o contrário, na convicção de que uma mentira mil vezes repetida transforma-se em verdade.
O que é que eles não dizem sobre as grandes fortunas?
Há na comunicação dos governantes (todos eles), nos jornais e televisões um silêncio de chumbo sobre uma realidade que constitui um crime lesa-coesão social e que deriva de tudo o atrás referido.
Trata-se da forma como está distribuída a riqueza do país.
De acordo com o Eurostat, reportado a 2001, (hoje, seguramente, a situação será bem pior) Portugal era, no conjunto dos 15 países da União Europeia, aquele que apresentava o maior fosso entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres.
O coeficiente entre uns e outros era o seguinte:
Coeficiente 3: Dinamarca;
Coeficiente entre 3 e 4: Suécia, Áustria, Finlândia, Alemanha, Luxemburgo e Holanda;
Coeficiente 4: Bélgica e França;
Coeficiente entre 4 e 5: Irlanda, Itália e Reino Unido;
Coeficiente entre 5 e 6: Espanha e Grécia;
Portugal: coeficiente de 6,5
Portugal tem, pois, uma posição destacada na concentração de riqueza. Um estudo que se deve reclamar é o seguinte: Se em Portugal a relação entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres fosse, por exemplo, igual ao coeficiente 3 (o coeficiente da Dinamarca), qual seria o regime fiscal a aplicar às grandes fortunas? E se esse regime fosse aplicado que consequências teria na redução do défice, na melhoria das prestações sociais, a par do aumento do consumo e do desenvolvimento do tecido produtivo?
Para uma melhor avaliação destas perguntas e das assimetrias sociais atrás referidas vejamos o seguinte:
· De acordo com o estudo da Unicef sobre a «Situação Mundial da Infância, 2005» cerca de 200 000 portugueses viviam com menos de 1 dólar por dia. Repete-se: menos de 1 dólar por dia (pág. 132 da publicação citada);
· De acordo com as Estatísticas da Segurança Social havia no 1º trimestre de 2003 (actualmente este valor é inferior) cerca de 290 000 beneficiários do então rendimento mínimo garantido, a quem cabia uma prestação mensal média de 51 euros (Estatísticas da Segurança Social, Dezembro de 2003, págs. 31 e 33);
· De acordo com os Anuários Estatísticos das Regiões havia, em 31/12/2003, 2 541 458 reformados e pensionistas do Sistema Público de Segurança Social a quem, em média, cabia uma pensão de 245 euros (Anuário Estatístico da Região Algarve, pág. 127);
· Haverá outros portugueses em situações, eventualmente, piores mas cuja amplitude desconhecemos.
Das situações atrás referidas, dada a sua dimensão, vamos considerar que os 20% mais pobres, em Portugal, correspondem a 2 milhões de pensionistas e reformados.
Neste caso teríamos:
· os 20% mais pobres teriam um rendimento anual de 6860 milhões de euros;
· os 20% mais ricos teriam um rendimento anual de 44 590 milhões de euros.
Se a diferença de rendimentos não fosse a atrás referida, mas aquela que vigora na Dinamarca, então os dados seriam os seguintes:
· os 20% mais ricos não teriam o rendimento anual atrás referido mas sim o equivalente a 20 580 milhões de euros.
Os cerca de 44 mil milhões de euros na base do coeficiente de 6,5 existente em Portugal e os cerca de 20 mil milhões de euros caso se aplicasse, entre nós, o coeficiente 3 da Dinamarca, explicam-se pela natureza intrínseca do capitalismo, quer ele seja do Sul ou do Norte da Europa ou de qualquer outra região. Contudo, importa sublinhar que a diferença entre um coeficiente e outro evidencia que, a par da função predadora do capitalismo, expressa na apropriação das mais-valias, há a acrescer a ganância de quem não se contenta com um qualquer lucro, mas com um lucro maximizado, opções não só bem instaladas em Portugal, mas igualmente bem protegidas pelo rotativismo político em Portugal do «ora agora eu, ora agora tu» do PSD e PS e vice-versa. E para quem, a este propósito, tenha dúvidas, basta analisar a fortuna conjunta dos 10 mais ricos de Portugal, avaliada em 7 552 000 000 euros, e indagar como é possível que tais bilionários tenham, não só aquela imensa fortuna como, em período de crise económica, visto o seu capital aumentar, no último ano, em 24,6%, 19,4% e 12,7, como foram os casos, respectivamente, de José Manuel de Mello, Queiroz Pereira e Belmiro de Azevedo. A estes, aos governantes e à generalidade dos comentadores políticos que enxameiam as televisões e as colunas dos jornais, ficam, desde já, duas perguntas:
· para se construir tais, e outras, fortunas quantos milhares de trabalhadores e reformados foram atirados para situações de grande debilidade económica e para a miséria?;
· que regime é este que permite a 10 (dez!) famílias acumular uma fortuna superior ao rendimento anual de 2 milhões de reformados?
Estas perguntas têm soluções e elas passam, obrigatoriamente, não só por um regime alicerçado numa democracia política, social e cultural, mas, também, numa democracia económica baseada na subordinação do poder económico ao poder político democrático, na propriedade social dos sectores básicos e estratégicos da economia, bem como dos principais recursos naturais e na planificação democrática da economia.
O que é que eles não dizem sobre a economia?
Os problemas do país resultam de vários factores, dois dos quais já atrás nos referimos, como sejam: a natureza, a dimensão e a eficácia da política fiscal e a distribuição da riqueza produtiva. A tais factores junta-se um outro de extrema importância: a economia.
Tivéssemos nós uma economia dimensionada às necessidades do país e que crescesse, por exemplo, entre 3% e 5%, por ano, o que é que daí resultava, em termos de percentagem dos salários da função pública e das prestações sociais, relativamente ao PIB?
Para facilitar uma melhor compreensão da importância da economia e agilizar os cálculos, partamos das seguintes premissas:
· Admitamos que, nos próximos 4 anos, os preços se mantêm (inflação zero) e que o aumento real dos salários e das prestações sociais é equivalente, por exemplo, a 1% ao ano.
Caso se verificassem tais premissas os resultados seriam os seguintes:
a) com a economia a crescer 3% ao ano as despesas com funcionários baixavam dos actuais 15,1% para 14% e as despesas com prestações sociais baixavam de 18,6% para 17,2%, relativamente ao PIB;
b) com a economia a crescer 5% ao ano as despesas com funcionários baixavam dos actuais 15,1% parar 12,9% e as despesas com prestações sociais baixavam dos actuais 18,6% para 15,9%, relativamente ao PIB;
c) num caso e noutro, embora as despesas diminuíssem relativamente ao PIB, a verdade é que os trabalhadores viam os seus rendimentos aumentarem, em termos reais, 4,1%, o mesmo acontecendo aos beneficiários das prestações sociais. E tudo isto porquê? Porque se produziu mais, o país cresceu em termos económicos, o PIB aumentou, a par dos aumentos reais dos salários e das prestações sociais, bem como dos impostos.
Isto é exequível? O nosso país tem condições de aumentar a produção, aumentar os salários reais dos trabalhadores, as reformas e os benefícios sociais, paralelamente à diminuição dos respectivos rácios relativamente ao PIB? É obvio que tem. Basta olhar para aquilo que é a estrutura de consumo da sociedade portuguesa, comparar tal estrutura com aquilo que se produz, aquilo que se exporta e aquilo que se importa para perceber que está ao nosso alcance atacar o mal das finanças públicas pelas «causas» e não pelas «consequências».
Mercê das opções ideológicas dos partidos do bloco central (PS e PSD), quer no endeusamento à economia de mercado, quer na venda-a-pataco, ao directório sediado em Bruxelas, dos nossos mecanismos de intervenção na área económica, mercê de tal crime lesa-pátria o nosso país foi obrigado a secar a indústria, a abater a frota pesqueira e a abandonar as terras.
O resultado está à vista. O nosso défice comercial foi, em 2003, cerca de 13 661 milhões euros. Uma parte desse défice é devido à circunstancia de termos de comprar o petróleo que não possuímos e de comprar máquinas, equipamentos e material de transporte cuja tecnologia não dominamos.
Mas uma parte significativa daquilo que importamos (que nos leva a despender divisas e a reduzir o emprego) podia muito bem ser produzida por nós, com efeitos multiplicadores, quer a montante, quer a jusante.
Tomemos como exemplo aquilo que se passa na área da nossa alimentação. Os dados sobre o comércio externo, na base da classificação CAE a dois dígitos, relativamente a 2003, foram os constantes no
Como se vê o país não produz o suficiente para se alimentar, sendo obrigado a comprar lá fora aquilo que podia (e devia) ser produzido cá dentro.
Os maiores défices alimentares (diferença entre importações e exportações) são os seguintes:
Animais vivos e produtos do reino animal:
· Peixes, crustáceos e moluscos: cerca de 701 milhões de euros;
· Carnes e miudezas comestíveis: cerca de 503 milhões de euros
· Leite e lacticínios: cerca de 149 milhões de euros;
· Animais vivos: cerca de 100 milhões de euros.
Produtos do reino vegetal:
· cereais: cerca de 430 milhões de euros;
· sementes e frutos oleaginosos: cerca de 288 milhões de euros;
· frutas: cerca de 260 milhões de euros;
· produtos hortícolas, plantas e tubérculos comestíveis: cerca de 126 milhões de euros.
Produtos das indústrias alimentares, bebidas e tabacos:
· resíduos das indústrias alimentares e alimentos para animais: cerca de 234 milhões de euros;
· preparações à base de cereais, amidos ou de leite: cerca de 186 milhões de euros;
· açucares e produtos de confeitaria: cerca de 148 milhões de euros;
· preparações diversas: cerca de 131 milhões de euros;
· cacau e suas preparações: cerca de 116 milhões de euros.
O único sector que, em termos de comércio externo, na área atrás referida, nos é favorável, é o sector das bebidas e líquidos alcoólicos com cerca de 352 milhões de euros de saldo positivo, verba, contudo, inferior ao défice na área dos cereais.
Estamos a falar de um sector estratégico do país (a alimentação da população) que devia merecer a atenção dos governantes no sentido de que as proteínas, as vitaminas, os hidratos de carbono, os sais minerais, as gorduras e demais componentes da alimentação, fossem produzidos por nós tendo em conta os meios disponíveis. O défice alimentar atrás referido, na ordem de 3548 milhões de euros, é sublimado pelo governo, fingindo que não existe, enquanto o défice na área do petróleo bruto, gás natural, coque e produtos petrolíferos refinados na ordem dos 3283 milhões de euros é hipervalorizado para justificar o desequilíbrio na balança comercial e as dificuldades na área da competitividade. No nosso país não há petróleo mas há universidades, centros de investigação, terras abandonadas, capitais disponíveis, mão-de-obra qualificada, cujas valências possibilitariam produzir as frutas, os cereais, os produtos hortícolas, a par da captura de pescado e da criação de gado, quer na vertente da produção de carne, quer na produção de leite e seus derivados. O nosso país dispõe de conhecimentos e meios suficientes para a resolução de uma parte significativa da nossa carência alimentar e de um Partido, o PCP, empenhado no desenvolvimento económico assente numa economia mista, moderna e dinâmica, ao serviço do povo e do País. O que o país não dispõe é de governantes com suficiente cultura democrática, espírito cívico, honestidade e competência capazes de privilegiar o interesse colectivo em detrimento do interesse pessoal e de classe. Há, é certo, um déficit orçamental, mas o maior déficit é o que resulta das opções ideológicas dos actuais e antigos governantes.
Após termos recolhido e tratado os dados que sustentaram este artigo, fomos confrontados, no final do mês de Julho, com notícias provenientes da comunicação social referindo que o PIB irá ser alterado, para mais, em 4,9%.
E porquê?
Porque houve mudanças na metodologia quanto ao cálculo do produto, de acordo com critérios mais fiáveis, razão pela qual a estimativa do INE, para 2005, se cifra num PIB de 146 628,1 milhões de euros.
O que é que isto significa?
Significa que a indexação ao PIB das despesas com pessoal da administração pública e as prestações sociais baixaram, respectivamente, para 14,48% e 17,78%., facto que não deixará de perturbar todos aqueles que referiam rácios de 15,2% e 18,6%, respectivamente.
O famoso e badalado défice orçamental baixou, igualmente, dos 6,83%, estimados pelo relatório Constâncio, para 5,96%, o mesmo acontecendo à dívida pública que passou dos 66,5%, para os 61,24% do PIB!
E tudo isto graças à substituição do sistema contabilístico das contas nacionais.
Se a um mero acerto de contas, na base de alterações metodológicas, correspondeu um significativo aumento do PIB quanto é que, ao mesmo, seria crescido se as reiteradas propostas do PCP, quanto ao aumento da produção nacional, designadamente nas pescas, na agricultura e na indústria, tivessem sido aceites pelos rotativos governos do PS e do PSD?