Avanteatro 2005

Um grande palco das artes

Grande festa da cultura, a Festa do Avante! dá também corpo, voz e movimento ao teatro e a outras artes de palco. O Avanteatro, situado cá bem em cima, junto ao Espaço Internacional, promete música, bailado e teatro, que transbordará para além do palco, para as ruas da Atalaia.
Como noutros anos, o Avanteatro voltará a assumir, na edição deste ano da Festa do Avante! , um papel relevante na diversidade de oferta cultural proporcionada pela Festa do Avante!. Mais uma vez, o teatro e outras artes de cénicas marcarão encontro com os visitantes da Festa.
Seguindo o trilho de experiências de outros anos, que se revelaram acertadas – a julgar pela grande afluência de público aos espectáculos –, marcam presença na programação deste ano, e para além do teatro de palco, o teatro de ar livre, a música e a dança. Este ano, também o cinema documental estará em destaque, assumido enquanto arma de denúncia e de intervenção política. Mas o teatro continua, como é natural, a ser o «prato forte» da programação do Avanteatro.

Teatro

A programação de sexta-feira abre com um espectáculo da Companhia de Teatro de Almada, A purga do bebé. Escrita por Georges Feydeau – 1862-1921 –, a peça conta a história de Follavoine, um fabricante de loiça, que convida para jantar, no seu elegante apartamento, um cliente importante: Chouilloux, presidente da comissão encarregada de decidir da aquisição, por parte do exército francês, de bacios destinados aos soldados. Desta forma, esperava conquistar o mercado, uma vez que desenvolveu uma sistema de penicos supostamente inquebráveis. Mas um acontecimento desagradável vai contrariar os seus planos. A sua mulher, Julie, ainda de rolos na cabeça e roupão, lamenta-se dos caprichos do filho de ambos, Totó, que se recusa terminantemente a tomar um purgante. A Purga do Bebé deu origem a um filme com o mesmo título, de Jean Renoir. O tema é o da vida conjugal – um dos filões de Feydeau. A peça foi representada pela primeira vez a 12 de Abril de 1910 no Théâtre des
Nouveautés. Esta adaptação conta com a encenação de Vítor Gonçalves.
No sábado é a vez de A Barraca subir ao palco, com O pranto de Maria Parda, de Gil Vicente. O monólogo, interpretado por Maria do Céu Guerra, é uma «lamentação» posta na boca de uma mulata velha e bêbeda, que se queixa da falta de vinho.
Escrito em 1522, este monólogo chegou a ser muito popular e teve numerosas reedições. No mesmo ano, houve grande fome no reino e os camponeses morriam ao longo dos caminhos. A falta de vinho de que Maria «Parda» se queixa é, pois, uma metáfora com a falta de víveres em geral. O seu desespero é ridículo e a sua personagem cómica e burlesca. Faz rir – e isso é uma forma de exorcizar o drama da fome e esconjurar e eliminar o sofrimento e a morte.
O Avanteatro e a Festa do Avante!, associando-se à evocação dos 400 anos da publicação de D. Quixote, do castelhano Miguel Cervantes – que se assinalam um pouco por todo o mundo –, apresentam a peça de teatro de rua da companhia de Teatro ao Largo, A vida do grande D. Quixote, de António José da Silva.
Também o teatro infantil marcará presença, este ano com o grupo 3 em Pipa – Grupo de Teatro para a infância, com o espectáculo A maior flor do mundo, de José Saramago. Um menino um dia salta o muro do seu quintal e descobre uma flor, a Maior Flor do Mundo. Ela está murcha e cheia de sede por desleixo do seu gnomo guardião, que de castigo ficou transformado em pedra. A aventura tem início quando gnomo e menino decidem percorrer o planeta para encontrar a água que pode salvar a vida da maior flor do mundo, passando por diferentes culturas, com diferentes hábitos. Em equipa, nem sempre de forma pacífica, o menino suplanta intempéries, ultrapassa dificuldades, cresce e consolida amizades. Depois de várias andanças, a criança consegue despertar a flor e devolver-lhe a grandiosidade perdida.

Música e dança

O bailado estará também presente no Avanteatro, este ano através de dois nomes maiores da dança contemporânea portuguesa, Vera Mantero e Sónia Baptista, que trazem os espectáculosDança do Existir e Haikus, respectivamente.
Nas palavras da própria bailarina Vera Mantero, trata-se de «uma dança da adequação. Adequar-se a um espaço, adequar-se a uma existência». É uma dança do concreto, uma dança daquilo que não é «articulável por palavras». A presença de Vera Mantero no Avanteatro em 2005 não se fica por aqui. Artista marcada por uma grande versatilidade, a bailarina arrisca no canto, com um espectáculo em que a música e a poesia de Caetano Veloso marcam o compasso.
Para o encerramento, na noite de domingo, a grande novidade na programação deste ano: O espectáculo de Flamenco La Fragua. Este projecto apresenta as distintas artes do flamenco: a guitarra, o cajón, o canto e o baile. La Fragua é o nome dado a uma formação composta por dois cantaores, 2 bailaores e um guitarrista flamenco. Tal como o próprio nome do grupo indica, a Frágua (forja do ferreiro) é o eixo do espectáculo, no qual, um cantaor, que representa um ferreiro no seu árduo trabalho, canta por martinetes, um canto profundo da arte flamenca, sem «aditivos».

Publicação de D. Quixote, de Cervantes
Avanteatro assinala 4.º centenário


D. Quixote e o seu autor, Miguel de Cervantes Saavedra, são dois nomes míticos da literatura mundial. O quarto centenário da publicação da obra está a ser assinalado em todo o mundo e o Avanteatro não será excepção. Daí a apresentação da peça de António José da Silva, baseado no clássico de Cervantes, trazida à cena pelo Teatro ao Largo.
Obra maior da literatura mundial, a «D. Quixote de La Mancha» foi escrito por um Cervantes revoltado e triste com a sua sorte infeliz, em virtude de ter sido preso devido a uma possível intriga movida contra si. Para iludir as tristezas escreve esta obra, um romance satírico apontado contra as novelas de cavalaria, cuja extravagância e mau gosto tinham assumido, à época, um nível imenso. Ao escrever D. Quixote, Miguel de Cervantes acertava no alvo e disparava certeiro contra a literatura – e, contida nela, os valores e cultura – dos seus contemporâneos, ao criar uma personagem anacrónica: um herói sem meio adequado para se mover.
Miguel de Cervantes acreditava ter escrito grandes obras – dramas, romances, comédias – quase todas hoje esquecidas do público. Mas talvez tenha estado bem longe de alguma vez ousar pensar que ao escrever D. Quixote fazia a obra de uma vida, a obra que o faria entrar, de pleno direito, na galeria dos nomes nunca esquecidos pelos homens, passe quanto tempo passar.
O herói de Cervantes – e o seu sagaz escudeiro, Sancho Pança – entrou na cultura popular. Muitos artistas plásticos debruçaram-se, ao longo dos séculos, na figura do cavaleiro manchego, alto, magro, um pouco tonto… São os exemplos de conceituados nomes da pintura como os portugueses Lima de Freitas e Júlio Pomar, ou Salvador Dalí e Pablo Picasso.

O Judeu que não o era

A peça que o Avanteatro apresenta, do Grupo de Teatro ao Largo, foi escrita por António José da Silva, que passou à história como O Judeu, e é um clássico do teatro português. Misturando a sátira, o burlesco e as canções de ópera cómicas, A vida do grande D. Quixote e do gordo Sancho Pança é uma dramatização da famosa história de Cervantes acerca do delusório cavaleiro e do seu escudeiro, enquanto erravam pelas terras de Espanha à procura de proezas cavaleirescas para desempenhar. O espectáculo explora a riqueza imaginativa da peça original: os absurdos «feitos de cavalaria», os enganos fantásticos, os encontros com animais selvagens, deuses e vagabundos, as ilusões de D. Quixote ou os comportamentos bizarros do escudeiro.
Tal como Cervantes, O Judeu conheceu as prisões. Oriundo de famílias cristãs-novas, foi sempre perseguido como judaizante. O processo inquisitorial que o condenou parece ter sido conduzido com especial sadismo, mas a sua leitura leva (segundo escreveram na História da Literatura Portuguesa António José Saraiva e Oscar Lopes) a duvidar que António José da Silva tivesse, de facto, semelhantes «tendências». Apesar disso, foi condenado à morte e executado em auto-de-fé em Lisboa, em 1739. Como sucedia a todos os condenados que afirmavam querer morrer na religião católica, foi garroteado antes de ser lançado à fogueira.


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