
- Nº 1652 (2005/07/28)
Atenção ao verdadeiro arrastão
Temas
Depois de termos assistido a uma das mais violentas campanhas anti imigrantes, incluindo uma manifestação de natureza racista, xenófoba e nazi, eis que, afinal, o arrastão foi uma inventona, foi uma precipitação do comando da polícia induzido em erro e pressionado pela comunicação social. Ao dizermos que foi uma inventona, não queremos dizer que não houve roubos. O que tudo parece agora indicar é que não houve arrastão.
Toda a gente tem o direito ao erro, mas o que é estranho é o erro ser desfeito tanto tempo depois; o que é estranho é à boleia desse erro ter tido lugar a maior ofensiva anti imigrante, com direito a manifestação e tudo; o que é estranho é, até, terem surgido na C. Social filmagens de acontecimentos que deviam estar sob reserva. É estranho… E porque é estranho, o Grupo Parlamentar do Partido solicitou a presença do Ministro para que se clarifique a real situação.
Mas este triste acontecimento é bom que sirva de lição, porque não é improvável que novos «erros», «coincidências» e «coisas estranhas» venham a ter lugar.
Importa aproveitar este momento para clarificar um aspecto, que o pó levantado com este caso tornou mais evidente e que alguns esforçam-se sistematicamente por tornar confuso: o PCP não tem visões paternalistas ou caritativas sobre os imigrantes. Para o PCP é evidente que quem comete crimes deve ser punido, seja ele português, ucraniano, brasileiro ou africano. O que o PCP recusa é linhas de argumentação que fazem incidir sistematicamente sobre os imigrantes as responsabilidades por tudo ou quase tudo o que sucede. O que não tem sentido é passar na C. Social imagens de assaltos em que os protagonistas são negros, quando todos os dias há dezenas de assaltos em que os protagonistas são brancos e essas não passam. Aliás, que importa donde são e que cor têm. O que importa é o que fazem e é por isso, pelo que fazem, que devem ser punidos.
Estudos existentes indicam que aos imigrantes é bastante mais aplicada a prisão preventiva do que aos portugueses e que aqueles são mais sujeitos a prisão efectiva, por oposição à pena suspensa. É que, por um lado, agregada à prisão efectiva está a expulsão do país e, por outro lado, há uma incidência maior nalguns crimes (tráfico) por parte de imigrantes, crimes estes que têm uma moldura penal superior. Mas é inadmissível que a C. Social continue a discriminar em função da nacionalidade ou da cor da pele, dando a ideia que assaltos, violações, crimes são obra de imigrantes. Ora, isto é falso! É esta falsidade insistentemente passada para o povo português que combatemos, que criticamos.
Mas se ela é insistentemente passada, então é porque serve determinado tipo de objectivos, desde logo o da criação de climas favoráveis a mais e mais medidas compressoras dos direitos e liberdades. Tudo é feito no plano ideológico e social para conduzir as populações a aceitar trocar a liberdade pela segurança. Em nome da segurança montam câmaras de vídeo por tudo quanto é sítio, pretendem escutar e registar as conversas telefónicas e as comunicações email, desejam efectuar buscas domiciliárias por simples decisão policial, investir mais e mais em tudo o que signifique devassar a vida dos cidadãos e em tudo o que signifique fazer a guerra.
Contribui para mais facilmente passarem tais intentos, velhas expressões como aquela que diz que «quem não deve não teme», porque ela conduz à aceitação das medidas. É isto que importa combater pelo esclarecimento.
É isto que efectivamente devemos temer, exactamente porque «não devemos»; exactamente porque quem domina tais mecanismos são aqueles que já mostraram por diversas vezes que é deles que partem inventonas justificadoras de novas medidas contra os direitos e liberdades; porque de cada vez que em nome da segurança se retiram direitos e liberdades é os que são referenciados como a justificarem a necessidade de tais medidas que vencem.
Ora, este avassalador processo que criação de mais e mais mecanismos de cerceamento de direitos e liberdades é que é o verdadeiro arrastão a que devemos estar não só atentos, como mobilizados para lhe dar dia-a-dia a resposta necessária. Um arrastão contra os direitos dos trabalhadores e dos povos, um arrastão contra o movimento operário e popular, um arrastão criando nos gabinetes mais e mais medidas limitadoras da organização e acção dos partidos políticos, nomeadamente dos partidos comunistas e revolucionários. Atenção ao verdadeiro arrastão.
Rui Fernandes