
- Nº 1652 (2005/07/28)
Notícias da guerra em curso
Argumentos
A notícia que me chegou pela TV, praticamente em primeira mão, permitiu-me, e decerto não apenas a mim, reconstituir tudo com grande facilidade: o sujeito não tinha nada um ar britânico, muito antes pelo contrário, levava uma mochila que desde logo o tornava objecto de justificadas suspeitas, e a polícia de Sua Majestade, sempre decerto fleumática e espertíssima, apontou, disparou a matar e matou mesmo. Se porventura à execução sumária se tivesse seguido uma igualmente sumária acusação de terrorismo, estaria assegurado que o homem não iria negar, e para completa certeza da sua culpabilidade teria bastado que fosse paquistanês, iraquiano ou de origem equiparável. Infelizmente, e por imprevisível azar, o involuntário candidato à condição de terrorista executado a tempo e horas era brasileiro!, e quanto a terrorismos não lhe foi encontrado o mais pequeno vestígio. Verdade seja dita que, tanto quanto posso avaliar pelas informações e comentários havidos posteriormente na televisão, ninguém se ralou muito com isso, salvo a mãe do falecido e as autoridades brasileiras que formularam o pedido de esclarecimentos da praxe. Assim, ultrapassado o pequenino desconforto ocasionado por um tão compreensível lapso, a excelente reputação da eficacíssima polícia britânica não saiu beliscada. Como convém, acrescente-se, ao prosseguimento da guerra sem quartel que o Ocidente declarou aos terroristas pelas vozes sempre muitíssimo autorizadas do senhor primeiro-ministro Blair e do senhor presidente W. Bush.
As bombas incompetentes
Chegado aqui, quero salientar que estou a ser inteiramente respeitoso e solidário com as autoridades britânicas e de modo algum reticente quanto às suas práticas. E também que das palavras que aqui ficam não pode ser retirado o menor sinal de compreensão, e ainda menos de estímulo, relativamente a qualquer forma de terrorismo vinda de lugares mais ou menos exóticos como o Médio Oriente e seus arredores, com activo repúdio da ideia subversiva de que também as aviações norte-americana e britânica praticam formas de terrorismo contra populações civis inocentes, mas com meios tecnologicamente avançados. Faço esta declaração assim, formalmente, porque também a TV me trouxe, embora apenas de raspão, a informação de que no Reino Unido está proibido e será punido qualquer tipo de jornalismo que possa tentar dar explicação para terrorismo e por aí constituir desculpa, ou mesmo estímulo, para a sua prática. Ora, não sei se por cá, por este antigo e fiel aliado, não irá seguir-se o mesmo caminho e, perante essa eventualidade, por remota que seja, permitam-me que cite o bem amado professor Cavaco: «- Safa!».
Tomada, enfim, esta precaução, permito-me prosseguir, e prosseguirei dizendo que a polícia britânica, e os media que fazem largo eco das suas elocubrações, andam a contar-nos estórias verdadeiramente fantásticas, talvez resultado de uma excessiva leitura de Harry Potter. É o caso daquelas quatro ou cinco bombas muitíssimo terroristas que, como que combinadas umas com as outras, falharam a detonação praticamente em simultâneo. Segundo a polícia, de cuja clarividência não me atrevo a duvidar, aquilo foi uma prova de que os terroristas haviam sido uns azelhas, eles, que tinham sido tão medonhamente eficazes apenas uns dias antes, e o seu falhanço provou a alta eficácia das medidas entretanto tomadas e prosseguidas. Assim, nem pensar em considerar a hipótese de que o aparente fracasso pode ter sido uma forma de os bombistas provarem precisamente o contrário, que a população londrina continua vulnerável e que o problema do terrorismo na Grã-Bretanha, como porventura noutros lugares do mundo, não se resolve lançando mais polícias contra as bombas e abatendo eventualmente um ou outro brasileiro com cara de Terceiro Mundo. Por mim, já disse: não discuto as teses policiais. E nem sequer me atrevo a lembrar que o dr. Mário Soares e o prof. Freitas do Amaral já escreveram que este terrorismo tem causas que estão na raiz dos trágicos efeitos, recordando apenas que se o quisessem escrever agora num jornal londrino seriam decerto impedidos de cumprir esse acto paraterrorista. De resto, cabe lembrar que o prof. Freitas do Amaral tem um ar pouco nórdico, o que naturalmente o torna candidato a uma eventual lista de suspeitos. Em Bruxelas já ele caiu, mas suponho que ninguém do M15 o empurrou. Pelo sim, pelo não, recomendo-lhe que não cometa o aliás improvável arrojo de, se for a Londres, passear-se com uma mochila no metropolitano.
Correia da Fonseca