ONGD... as «jóias do episcopado»
Mariano Soler (citado na anterior edição do Avante!) prossegue depois na análise da conta-corrente Igreja/Estado espanhol. Falara nos 38 mil milhões de pesetas anualmente desviados do orçamento público para os cofres do episcopado ou das organizações católicas não governamentais (ONGD . Refere, depois, outras operações complementares. Nas declarações fiscais do sistema espanhol há uma alínea que permite ao contribuinte destinar 0.5239% dos seus impostos a favor das igrejas ou de instituições não lucrativas. Os montantes assim acumulados são depois distribuídos por dois ministérios: o Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais (80% dos valores pré-destinados) e o Ministério dos Negócios Estrangeiros cujas funções são, neste caso, atribuir através da Agência Espanhola de Cooperação Internacional os restantes 20% a projectos de acção social nos países em desenvolvimento. Trata-se de consideráveis massas financeiras que, no ano 2000, somaram l6.000 milhões; em 2001, atingiram 15.200 milhões; e em 2002, corresponderam a l9.000 milhões de pesetas. Ora, dado que as contas apresentadas pelas ONGD não são esclarecedoras, a verdadeira aplicação destes fundos tem sido por vezes posta em causa. Situação que se agravou recentemente, quando foi divulgado o escândalo da Gescartera e se constatou estarem nele comprometidas cerca de 30 congregações eclesiásticas e várias ONGD importantes como, por exemplo, as Manos Unidas, organização milionária «não lucrativa» que partilha com a Cáritas Espanhola o primeiro lugar do «ranking» das ONGD do país vizinho. «Temos de trabalhar de tal maneira que em cada comunidade cristã os pobres se sintam como em sua casa. O cristão tem de descobrir o rosto de Cristo nos necessitados e de estar atento a todas as pobrezas, quer sejam ou não de base material» (Conferência Episcopal, «Plano Pastoral Mar Adentro», 2002-2005). Esta confusão de objectivos (sociais e pastorais) implica as dúvidas que surgem quanto à aplicação dos financiamentos (para melhorar a situação dos pobres ou para acudir a necessidades de ordem religiosa - a chamada pobreza do espírito). Porque é interessante notar-se que, se os subsídios do Estado são concedidos com base na apresentação de projectos de desenvolvimento material ou cultural, propostos pelas ONGD, estas nunca dispõem de uma independência absoluta face ao episcopado. São autónomas quanto à elaboração das suas propostas de cooperação; mas, administrativamente, dependem da Conferência Episcopal e das suas comissões nacionais. É o episcopado que controla as finanças das ONGD, gere os saldos recebidos, dirige a organização dos quadros do pessoal e decide sobre a orientação a imprimir às condições gerais de actuação. Deste modo, o que cada ONGD entender como acção social pode ajuizar-se segundo dois critérios distintos. Por exemplo, a direcção laica de determinada ONG concebe um projecto de participação na instalação de uma infra-estrutura sanitária. O subsídio, do Estado Central ou do Poder Local, é concedido. Se logo em seguida a direcção administrativa entender que os saldos remanescentes da obra devem ser aplicados em esforços de evangelização dessas (na perspectiva eclesiástica, um serviço espiritual) nada o poderá evitar. É o princípio da identificação do político e do religioso. Em Espanha, o processo de fusão do Estado com a Acção Social da Igreja já está fortemente implantado. As ligações e o controlo administrativo e financeiro faz-se através de duas poderosas estruturas. Por parte do Estado, como já foi referido, a partir da AECI-Agência Espanhola de Cooperação Internacional, organismo estabelecido em 1998. Por parte da Igreja, através da Coordenadora das Organizações Não Governamentais para a Cooperação e o Desenvolvimento - CONGDE, criada em 1982. Este sistema de cúpulas sócio-religiosas foi reforçado, em 1985, durante a vigência dos governos socialistas, com a criação, no seio do executivo, da SECIPI - Secretaria de Estado para a Cooperação Internacional e para a Ibero-América. Num só ano, em 1992, o Estado destinou 2.740 milhões de pesetas para financiamento da área social e caritativa. Organizou-se esta apetecida fatia do mercado. A Igreja espanhola encontrara um campo ideal para investir com lucro os seus fabulosos recursos financeiros.