Euskadi, aqui ao lado

Francisco Mota
        Juan Mari Arzak
        Donostia (San Sebastián)
        Pais Basco (Euzkadi) - Espanha
Querido Mestre,

Quando a tua mãe, Juana Francisca, transformou a taberna fundada em 1897, pelo teu avô, num sítio onde se comiam bons pratos populares bascos e quando te mandou para a cozinha trabalhar, nunca pensou que o seu filho Juan Mari, ainda um dia iria sair no Avante!, jornal dos comunistas portugueses.
Pois é, as mães sabem muito, e a tua especialmente, mas enganou-se. É verdade que outra gente te deu honrarias, medalhas, condecorações, quilómetros de páginas de jornais, revistas e livros, mas num jornal como o nosso, nunca tinhas saído. Porquê? Porque o teu restaurante é caro e porque os partidos políticos que gostam tanto de falar de arte e de cultura, quase nunca falam de gastronomia (se quiseres toma isto como autocrítica).
Nesta altura, o leitor português perguntar-se-á: e este Arzak quem é? Pergunta lógica, porque além de caro, estás em Donostia a poucos quilómetros de França, lá longe no País Basco (Euskadi).
Pois, amigo, o Juan Mari Arzak é o tipo que revolucionou toda a cozinha basca e espanhola, a partir das ideias da «nova cozinha». Isto de «nouvelle cuisine» não é como alguns cozinheiros e restauradores pensam: pôr num prato enorme, três rodelas de cenoura, dois ramos de bróculos, meia batata salpicada de cebolinho, um quadradinho de peixe ou carne e umas gotas dum molho lilás, que não se podem comer (porque são muito pequeninas), mas a carta diz que é um «coulis» de beterraba ao aroma de aniz. Não comes nada, não percebes nada, mas custa 29,90 € euros a dose. Este exemplo se não fosse real, podia ser uma página do livro do Astérix e Obélix, quando foram com o chefe para as termas de Vichy.
Mas dizia eu, que o Arzak agarrou numa das cozinhas mais brilhantes do mundo, e desatou a inventar sem atraiçoar as raízes da sua terra. Aumentar os sabores, simplificando, descomplicando, usando os produtos de sempre com outros olhos, para o mesmo fim. Isto é que é «nova cozinha». Ao fim e ao cabo, não é mais do que o que fazem os pintores, os músicos, os escritores e todos os outros poetas. Os bons cozinheiros são poetas, e este Juan Mari além disso é um tipo que toda a gente conhece em San Sebastián, simpático, tolerante, amigo dos outros grandes cozinheiros da terra (Pedro Subijana, Hilario Arbelaitz, Martin Berasategui, Karlos Arguiñano ,etc) e dos que aprenderam com ele, como Fernando Bárcena, que está em Badajoz, no Aldebarán. Mas também , amigo dos vendedores de peixe, carne, frutas, legumes e das tascas de Donostia e arredores, onde põe o cotovelo no balcão e o pé na barra de metal de qualquer bar espanhol, para beber um branco «txacoli» ou um tinto da Rioja Alavesa.
Volto a ti, Juan Mari, porque recordo que há uns quinze anos quando, com a minha mulher, comemos na tua casa pela primeira vez, o que mais nos impressionou, foi o interrogatório a que, sempre sorrindo, submeteste a nossa filha, de menos de 10 anos, para saber do que gostava, do que não gostava, para poderes propor-lhe o prato que lhe daria mais prazer. A nós dedicaste-nos, cinco simpáticos minutos. A ela mais do dobro de atenta, inteligente e sedutora conversa. Ganhaste nesse dia uma jovem para a linha correcta do nosso movimento: comer bem.
A tua arte nasce no País Basco onde cozinhar, comer e beber bem, faz parte integrante da cultura de todas as classes. Onde as discussões sobre os pratos, são tão importantes como aquele penalty a favor da Real Sociedad contra o Atletic de Bilbao, que o árbitro não quis ver.
A tua cozinha nasce num território complicado politicamente, onde uns matam pessoas em nome da liberdade e outros, também em nome da liberdade, negam ao povo basco os mesmos direitos que aplaudiram, às pessoas da Letónia, Estónia, Eslováquia, Moldávia, Eslovénia, Croácia, etc, etc. Qual é a diferença? É que Euskadi é aqui e esses países são lá. Lá longe, claro.
Querido mestre: por hoje fico-me por aqui. Para a semana acabo de escrever-te.

Agur, amigo.


Mais artigos de: Argumentos

Algarve - Matrículas da miséria

Era uma vez um país onde o pescador foi eternamente crucificado entre duas cruzes: o dono da companha que o suga em nome do oiro, e o tributo do pescado que o devora em nome do fisco, como escreveu D. António da Costa em 1845. Em 8 de Julho de 1277, D. Afonso III, ao outorgar o primeiro foral a Castro Marim, estabeleceu...

ONGD... as «jóias do episcopado»

Mariano Soler (citado na anterior edição do Avante!) prossegue depois na análise da conta-corrente Igreja/Estado espanhol. Falara nos 38 mil milhões de pesetas anualmente desviados do orçamento público para os cofres do episcopado ou das organizações católicas não governamentais (ONGD . Refere, depois, outras operações...

Uma hora no P&A

Acontece, e percebe-se como é natural que aconteça. Por vezes, quando o que nos cerca no lugar onde vivemos é sufocante de mediocridade, de parvoeira e, por vezes, até de infâmia, a qualquer de nós assalta uma vontade enorme de fugir para longe, de emigrar para uma qualquer Pasárgada. Não fugimos porque, mais ainda que...

Atrasos

Na Sonuma, em Figueiró dos Vinhos, os trabalhadores não têm recebido os salários a horas, motivo pelo qual, segundo o Sinquifa/CGTP, entraram em greve no passado dia 2, por tempo indeterminado, até verem pagas as remunerações. Em falta está também o pagamento de 75 por cento do subsídio de Natal de 2002.