Euskadi, aqui ao lado
Juan Mari Arzak
Donostia (San Sebastián)
Pais Basco (Euzkadi) - Espanha
Donostia (San Sebastián)
Pais Basco (Euzkadi) - Espanha
Querido Mestre,
Quando a tua mãe, Juana Francisca, transformou a taberna fundada em 1897, pelo teu avô, num sítio onde se comiam bons pratos populares bascos e quando te mandou para a cozinha trabalhar, nunca pensou que o seu filho Juan Mari, ainda um dia iria sair no Avante!, jornal dos comunistas portugueses.
Pois é, as mães sabem muito, e a tua especialmente, mas enganou-se. É verdade que outra gente te deu honrarias, medalhas, condecorações, quilómetros de páginas de jornais, revistas e livros, mas num jornal como o nosso, nunca tinhas saído. Porquê? Porque o teu restaurante é caro e porque os partidos políticos que gostam tanto de falar de arte e de cultura, quase nunca falam de gastronomia (se quiseres toma isto como autocrítica).
Nesta altura, o leitor português perguntar-se-á: e este Arzak quem é? Pergunta lógica, porque além de caro, estás em Donostia a poucos quilómetros de França, lá longe no País Basco (Euskadi).
Pois, amigo, o Juan Mari Arzak é o tipo que revolucionou toda a cozinha basca e espanhola, a partir das ideias da «nova cozinha». Isto de «nouvelle cuisine» não é como alguns cozinheiros e restauradores pensam: pôr num prato enorme, três rodelas de cenoura, dois ramos de bróculos, meia batata salpicada de cebolinho, um quadradinho de peixe ou carne e umas gotas dum molho lilás, que não se podem comer (porque são muito pequeninas), mas a carta diz que é um «coulis» de beterraba ao aroma de aniz. Não comes nada, não percebes nada, mas custa 29,90 € euros a dose. Este exemplo se não fosse real, podia ser uma página do livro do Astérix e Obélix, quando foram com o chefe para as termas de Vichy.
Mas dizia eu, que o Arzak agarrou numa das cozinhas mais brilhantes do mundo, e desatou a inventar sem atraiçoar as raízes da sua terra. Aumentar os sabores, simplificando, descomplicando, usando os produtos de sempre com outros olhos, para o mesmo fim. Isto é que é «nova cozinha». Ao fim e ao cabo, não é mais do que o que fazem os pintores, os músicos, os escritores e todos os outros poetas. Os bons cozinheiros são poetas, e este Juan Mari além disso é um tipo que toda a gente conhece em San Sebastián, simpático, tolerante, amigo dos outros grandes cozinheiros da terra (Pedro Subijana, Hilario Arbelaitz, Martin Berasategui, Karlos Arguiñano ,etc) e dos que aprenderam com ele, como Fernando Bárcena, que está em Badajoz, no Aldebarán. Mas também , amigo dos vendedores de peixe, carne, frutas, legumes e das tascas de Donostia e arredores, onde põe o cotovelo no balcão e o pé na barra de metal de qualquer bar espanhol, para beber um branco «txacoli» ou um tinto da Rioja Alavesa.
Volto a ti, Juan Mari, porque recordo que há uns quinze anos quando, com a minha mulher, comemos na tua casa pela primeira vez, o que mais nos impressionou, foi o interrogatório a que, sempre sorrindo, submeteste a nossa filha, de menos de 10 anos, para saber do que gostava, do que não gostava, para poderes propor-lhe o prato que lhe daria mais prazer. A nós dedicaste-nos, cinco simpáticos minutos. A ela mais do dobro de atenta, inteligente e sedutora conversa. Ganhaste nesse dia uma jovem para a linha correcta do nosso movimento: comer bem.
A tua arte nasce no País Basco onde cozinhar, comer e beber bem, faz parte integrante da cultura de todas as classes. Onde as discussões sobre os pratos, são tão importantes como aquele penalty a favor da Real Sociedad contra o Atletic de Bilbao, que o árbitro não quis ver.
A tua cozinha nasce num território complicado politicamente, onde uns matam pessoas em nome da liberdade e outros, também em nome da liberdade, negam ao povo basco os mesmos direitos que aplaudiram, às pessoas da Letónia, Estónia, Eslováquia, Moldávia, Eslovénia, Croácia, etc, etc. Qual é a diferença? É que Euskadi é aqui e esses países são lá. Lá longe, claro.
Querido mestre: por hoje fico-me por aqui. Para a semana acabo de escrever-te.
Agur, amigo.
Quando a tua mãe, Juana Francisca, transformou a taberna fundada em 1897, pelo teu avô, num sítio onde se comiam bons pratos populares bascos e quando te mandou para a cozinha trabalhar, nunca pensou que o seu filho Juan Mari, ainda um dia iria sair no Avante!, jornal dos comunistas portugueses.
Pois é, as mães sabem muito, e a tua especialmente, mas enganou-se. É verdade que outra gente te deu honrarias, medalhas, condecorações, quilómetros de páginas de jornais, revistas e livros, mas num jornal como o nosso, nunca tinhas saído. Porquê? Porque o teu restaurante é caro e porque os partidos políticos que gostam tanto de falar de arte e de cultura, quase nunca falam de gastronomia (se quiseres toma isto como autocrítica).
Nesta altura, o leitor português perguntar-se-á: e este Arzak quem é? Pergunta lógica, porque além de caro, estás em Donostia a poucos quilómetros de França, lá longe no País Basco (Euskadi).
Pois, amigo, o Juan Mari Arzak é o tipo que revolucionou toda a cozinha basca e espanhola, a partir das ideias da «nova cozinha». Isto de «nouvelle cuisine» não é como alguns cozinheiros e restauradores pensam: pôr num prato enorme, três rodelas de cenoura, dois ramos de bróculos, meia batata salpicada de cebolinho, um quadradinho de peixe ou carne e umas gotas dum molho lilás, que não se podem comer (porque são muito pequeninas), mas a carta diz que é um «coulis» de beterraba ao aroma de aniz. Não comes nada, não percebes nada, mas custa 29,90 € euros a dose. Este exemplo se não fosse real, podia ser uma página do livro do Astérix e Obélix, quando foram com o chefe para as termas de Vichy.
Mas dizia eu, que o Arzak agarrou numa das cozinhas mais brilhantes do mundo, e desatou a inventar sem atraiçoar as raízes da sua terra. Aumentar os sabores, simplificando, descomplicando, usando os produtos de sempre com outros olhos, para o mesmo fim. Isto é que é «nova cozinha». Ao fim e ao cabo, não é mais do que o que fazem os pintores, os músicos, os escritores e todos os outros poetas. Os bons cozinheiros são poetas, e este Juan Mari além disso é um tipo que toda a gente conhece em San Sebastián, simpático, tolerante, amigo dos outros grandes cozinheiros da terra (Pedro Subijana, Hilario Arbelaitz, Martin Berasategui, Karlos Arguiñano ,etc) e dos que aprenderam com ele, como Fernando Bárcena, que está em Badajoz, no Aldebarán. Mas também , amigo dos vendedores de peixe, carne, frutas, legumes e das tascas de Donostia e arredores, onde põe o cotovelo no balcão e o pé na barra de metal de qualquer bar espanhol, para beber um branco «txacoli» ou um tinto da Rioja Alavesa.
Volto a ti, Juan Mari, porque recordo que há uns quinze anos quando, com a minha mulher, comemos na tua casa pela primeira vez, o que mais nos impressionou, foi o interrogatório a que, sempre sorrindo, submeteste a nossa filha, de menos de 10 anos, para saber do que gostava, do que não gostava, para poderes propor-lhe o prato que lhe daria mais prazer. A nós dedicaste-nos, cinco simpáticos minutos. A ela mais do dobro de atenta, inteligente e sedutora conversa. Ganhaste nesse dia uma jovem para a linha correcta do nosso movimento: comer bem.
A tua arte nasce no País Basco onde cozinhar, comer e beber bem, faz parte integrante da cultura de todas as classes. Onde as discussões sobre os pratos, são tão importantes como aquele penalty a favor da Real Sociedad contra o Atletic de Bilbao, que o árbitro não quis ver.
A tua cozinha nasce num território complicado politicamente, onde uns matam pessoas em nome da liberdade e outros, também em nome da liberdade, negam ao povo basco os mesmos direitos que aplaudiram, às pessoas da Letónia, Estónia, Eslováquia, Moldávia, Eslovénia, Croácia, etc, etc. Qual é a diferença? É que Euskadi é aqui e esses países são lá. Lá longe, claro.
Querido mestre: por hoje fico-me por aqui. Para a semana acabo de escrever-te.
Agur, amigo.