Algarve - Matrículas da miséria

Era uma vez um país onde o pescador foi eternamente crucificado entre duas cruzes: o dono da companha que o suga em nome do oiro, e o tributo do pescado que o devora em nome do fisco, como escreveu D. António da Costa em 1845.
Em 8 de Julho de 1277, D. Afonso III, ao outorgar o primeiro foral a Castro Marim, estabeleceu como tributação aos moradores: 2 dinheiros por cada barca de peixe miúdo e a dízima do peixe graúdo. Em 25 de Setembro de 1433, o Infante D. Henrique obtinha o exclusivo do pescado do atum e da corvina nos mares algarvios, sem tributação régia, e recebia dízima de toda a pesca das gentes de Monte Gordo, facto que uniu em protesto os procuradores de Faro às Cortes de Santarém, em 1451. Nos séculos XV-XVI, a brutal tributação da sardinha cerceou duramente os ganhos e a motivação piscatória, já diminuída pela debandada de pescadores, atraídos pelas grandes navegações e, em cujos primórdios o Algarve largamente participou. Essa diáspora oceânica mobilizou homens experimentados na manobra de velames, para quem marear a barlavento ou sotavento não tinha segredos, nem vacilavam perante maretas e levantes junto a costas alcantiladas ou de baixios arenosos.
Só no século XVIII, a política pombalina retomaria o incentivo das pescarias, criando a Companhia Geral das Reais Pescas do Algarve, com o exclusivo da pesca do atum, da corvina e, subsidiariamente, da sardinha e apanha de coral. E, ao assumir a defesa dos recursos nacionais, arrasou-se o povoado de Monte Gordo (há muito transformado em arraial de espanhóis), e ergueu-se Vila Real de Santo António, com privilégios e isenções régias para os pescadores nacionais. Mas, chegado o liberalismo oitocentista, iniciou-se a ascensão do armador capitalista, como pessoa singular ou colectiva, senhor de novos cabedais e promotor da proletarização dos desempregados das remotas descobertas. Presas fáceis na precariedade das fainas, os pescadores excedentários na oferta de mão-de-obra, proporcionavam excelentes condições para a criação de chorudas mais-valias, para as organizações de Tenreiro & C.ª. Nos anos 50 do século XX, espartilhados pelas corporações do regime fascista, os pescadores foram sustentados no limbo da sobrevivência, e confrontados com condições de matrícula leoninas, impostas de forma concertada e conivente pelos Grémios de Armadores, Casas dos Pescadores e Capitânias. Com Pensões de 1% do pescado, Quinhões de um balde de peixe por cada ida ao mar e Percentagens de 0,7% sobre 1/4 do pescado, garrotados pelos fiados do defeso ou pelos dias de mau tempo em que não ganhavam, os pescadores algarvios explodiram em greves e recusas de matrículas: Olhão, Lagos e Vila Real de Sto. António (Abril-Maio de 1952); Lagos, Portimão e Vila Real de Sto. António (Maio de 1953), e Portimão (Maio de 1955).
O PCP advertira, em devido tempo, o proletariado das pescas sobre o perigo que a «modernização fascista» implicava em míngua salarial, e os factos comprovaram-no. Hoje, dessas frotas e companhas pouco resta. As armações tornaram-se objecto de panteão, os atuns foram-se embora, a sardinha das festas populares é gerida por Bruxelas, e do maior contingente operário nacional de ontem, emerge uma magra reserva, relembrada no colorido dos ancoradouros, em cartazes de promoção turística.


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