O essencial
As investigações aos casos de pedofilia com alunos da Casa Pia estão a provocar tal vendaval que ainda se corre o risco de perder de vista o que realmente está em causa, ou seja, que estamos perante um crime hediondo, e um crime mais terrível ainda porque as vítimas estavam sob a tutela do Estado.
O que deveria ser um porto de abrigo para os mais desprotegidos foi, durante décadas, simultaneamente um inferno para crianças e jovens indefesos e um prostíbulo onde gente sem escrúpulos se abastecia «em espécie» para a satisfação dos seus mais abjectos desejos. O negócio prosperou à custa do medo das vítimas e da teia de cumplicidades com que se protegem os criminosos bens instalados na sociedade.
Pelo caminho ficaram vidas perdidas, traumas sem remédio, dores que não se contam na esperança de esquecer, mas também - felizmente - muita revolta e desejo de justiça.
A coragem e perseverança de uns poucos tornou possível trazer agora à luz do dia esse lado negro da Casa Pia. Que não foi empreendimento de pouca monta qualquer um percebe. Basta ver as reacções mal se começou a levantar a ponta do véu: vindos de todos os azimutes os vampiros atacam, seja para se protegerem a si ou aos seus pares, seja para tirar proveito da situação.
A fé na Justiça apregoada por todos passou para segundo plano mal começaram a ser detidas figuras proeminentes da sociedade portuguesa. O que está em causa não é se A, B ou C são ou não culpados - a presunção de inocência é um princípio fundamental -, mas sim o facto de a Justiça e os seus métodos só terem passado a ser contestados pelo facto de os suspeitos não serem cidadãos anónimos.
Com pouca serenidade e muita hipocrisia faz-se diariamente comentários sobre juizes, escutas telefónicas, credibilidade de testemunhas, idoneidade de advogados; tece-se juízos sobre partidos; confunde-se a árvore com a floresta; destila-se veneno e exige-se solidariedade com «os nossos».
Lamentável e preocupante espectáculo, este.
É por demais evidente que crimes como o da Casa Pia, reiteradamente cometidos ao longo de tanto tempo, tinham de envolver Poder, fosse apenas económico ou não. Teria sido preferível para a consciência de todos que as pessoas envolvidas não fossem ninguém que conhecemos. Mas se o caso fosse uma questão de preferência, então nem sequer teria existido tamanho crime.
O problema é que há tanta gente a lançar poeira para os olhos da opinião pública, tanta desinformação e tanta contra-informação, que se corre o risco de privilegiar o acessório em prejuízo do essencial. E o essencial é que, se houve crime, há criminosos e esses devem ser exemplarmente punidos, sejam quem forem.
Percebe-se que famílias, amigos, conhecidos que sejam dos que hoje são suspeitos se sintam chocados com a situação, e mais ainda se amanhã os suspeitos vierem a ser considerados culpados. Coisas destas, presume-se, não costumam fazer parte das confidências, nem ser tema de conversas de café. O choque e a dor serão terríveis, mas nunca poderão ser comparados à das vítimas. É isso que não podemos esquecer, sobretudo os que lutamos por uma sociedade melhor e mais justa do que aquela em que vivemos.
O que deveria ser um porto de abrigo para os mais desprotegidos foi, durante décadas, simultaneamente um inferno para crianças e jovens indefesos e um prostíbulo onde gente sem escrúpulos se abastecia «em espécie» para a satisfação dos seus mais abjectos desejos. O negócio prosperou à custa do medo das vítimas e da teia de cumplicidades com que se protegem os criminosos bens instalados na sociedade.
Pelo caminho ficaram vidas perdidas, traumas sem remédio, dores que não se contam na esperança de esquecer, mas também - felizmente - muita revolta e desejo de justiça.
A coragem e perseverança de uns poucos tornou possível trazer agora à luz do dia esse lado negro da Casa Pia. Que não foi empreendimento de pouca monta qualquer um percebe. Basta ver as reacções mal se começou a levantar a ponta do véu: vindos de todos os azimutes os vampiros atacam, seja para se protegerem a si ou aos seus pares, seja para tirar proveito da situação.
A fé na Justiça apregoada por todos passou para segundo plano mal começaram a ser detidas figuras proeminentes da sociedade portuguesa. O que está em causa não é se A, B ou C são ou não culpados - a presunção de inocência é um princípio fundamental -, mas sim o facto de a Justiça e os seus métodos só terem passado a ser contestados pelo facto de os suspeitos não serem cidadãos anónimos.
Com pouca serenidade e muita hipocrisia faz-se diariamente comentários sobre juizes, escutas telefónicas, credibilidade de testemunhas, idoneidade de advogados; tece-se juízos sobre partidos; confunde-se a árvore com a floresta; destila-se veneno e exige-se solidariedade com «os nossos».
Lamentável e preocupante espectáculo, este.
É por demais evidente que crimes como o da Casa Pia, reiteradamente cometidos ao longo de tanto tempo, tinham de envolver Poder, fosse apenas económico ou não. Teria sido preferível para a consciência de todos que as pessoas envolvidas não fossem ninguém que conhecemos. Mas se o caso fosse uma questão de preferência, então nem sequer teria existido tamanho crime.
O problema é que há tanta gente a lançar poeira para os olhos da opinião pública, tanta desinformação e tanta contra-informação, que se corre o risco de privilegiar o acessório em prejuízo do essencial. E o essencial é que, se houve crime, há criminosos e esses devem ser exemplarmente punidos, sejam quem forem.
Percebe-se que famílias, amigos, conhecidos que sejam dos que hoje são suspeitos se sintam chocados com a situação, e mais ainda se amanhã os suspeitos vierem a ser considerados culpados. Coisas destas, presume-se, não costumam fazer parte das confidências, nem ser tema de conversas de café. O choque e a dor serão terríveis, mas nunca poderão ser comparados à das vítimas. É isso que não podemos esquecer, sobretudo os que lutamos por uma sociedade melhor e mais justa do que aquela em que vivemos.