- Nº 1642 (2005/05/19)
MST em Brasília

Marcha pela Reforma Agrária

Internacional
Cerca de 15 mil trabalhadores chegaram segunda-feira a Brasília, após 15 dias de marcha, para exigir que o tema da Reforma Agrária volte à ordem do dia.

Dois anos depois de ter marchado para Brasília pedindo um milhão de assentamentos para outras tantas famílias sem um pedaço de terra para plantar, e de ter conseguido do governo de Lula da Silva a promessa do Plano Nacional de Reforma Agrária, que garantia 400 mil assentamentos em quatro anos, o Movimento dos Sem Terra (MST) do Brasil voltou à capital para recolocar a questão na agenda política.
Desde 2003, apenas 110 mil famílias foram instaladas, ou seja, 25 por cento do compromisso assumido, pelo que será necessário muito mais empenhamento no que resta de mandato de Lula para que as promessas sejam cumpridas.
De acordo com João Paulo Rodrigues, membro da Coordenação Nacional do MST, em entrevista à Agência Brasil, a reforma agrária é a componente prioritária da luta dos Sem Terra, mas o Movimento está consciente de que para a levar a cabo importa, «acima de tudo, trabalhar a questão do modelo económico no Brasil».
Embora considerando que há condições, tendo em conta a grande quantidade de terras improdutivas que existe no país e a grande quantidade de sem-terras que estão recenseados, para que nos próximos dois anos o governo atinja a meta de instalar as cerca de 400 mil famílias, João Paulo Rodrigues alerta que para tal é necessário vontade política e disponibilizar recursos, o que não está a suceder.

Mudar de política

Os participantes na marcha, procedentes de 23 dos 27 estados do Brasil, partiram a 2 de Maio de Goiania e caminharam cerca de 200 Km até chegarem ao Parque da Cidade, em Brasília, onde acamparam esta semana, a recuperar forças para as manifestações na Esplanada dos Ministérios.
Entre as iniciativas de maior relevo, para além dos encontros com o presidente da República, deputados e ministros, conta-se justamente as concentrações junto ao Ministério da Fazenda e ao Banco Central, dois organismos considerados hostis à reforma agrária.
O MST, pela voz do seu dirigente João Pedro Stédile, reafirmou mais uma vez que a iniciativa não é contra o governo, mas sim em defesa dos direitos dos sem terra e pela mudança de rumo na política económica do país, considerada lesiva dos interesses dos trabalhadores.
Segundo Stédile, os crónicos atrasos na concretização da reforma agrária devem-se ao facto de o Estado brasileiro estar concebido para favorecer apenas os ricos, de haver uma excessiva influência do agronegócio, e de a política económica seguida pelo novo governo ser idêntica à dos governos anteriores.
Os participantes na marcha, que culmina uma jornada de luta iniciada em Abril, defendem ainda que o Brasil não deve aderir à Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), deve recusar as regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) prejudiciais ao país, levar a cabo uma auditoria à dívida externa tal como prevê a Constituição e renegociar o valor da dívida, já paga várias vezes.

Impunidade potencia violencia

As reivindicações do MST, consubstanciadas em 16 pontos - entre os quais se inclui a defesa da Amazónia e da biodiversidade da exploração desenfreada das transnacionais - compreendem também a exigência de medidas urgentes de forma a punir exemplarmente os latifundiários que exploram o trabalho escravo e cometem outros crimes, incluindo o assassinato, contra os trabalhadores.
De acordo com o coordenador do MST, João Paulo Rodrigues, existem dois grandes problemas no que respeita à violência no campo: a impunidade e as milícias armadas ligadas à própria Polícia Militar.
Segundo aquele dirigente, «há uma grande quantidade de processos contra fazendeiros e pistoleiros que mataram ou assassinaram» trabalhadores, mas «a grande maioria continua solta», não houve «nenhum processo de condenação dessas figuras» e essa impunidade potencia a violência a nível nacional.
Por outro lado, refere João Paulo Rodrigues, as milícias que hoje actuam no campo «estão muito relacionadas com a lógica da Polícia Militar nos estados, como é o caso no Paraná que revelou que as milícias eram organizadas por um coronel da Polícia Militar».
Por isso o MST exige que a violência no campo seja tratada a nível federal, posição defendida nas conversações tidas anteontem, terça-feira, com os representantes da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Terra, que investiga o assunto.
Em diversas iniciativas levadas a cabo, o MST procurou sensibilizar a população, a comunicação social e as autoridades para a questão da violência, que em nada dignifica a democracia brasileira.