A FORÇA DE MAIO
«O dia inicial, inteiro e limpo esteve presente nas comemorações populares»
M onótonos, monocórdicos, melancólicos, repetitivos, em alguns casos recuperando velhas cassettes gastas pelo uso e que se julgava estarem definitivamente postas de parte, os comentadores de serviço às comemorações do 31º aniversário de Abril, na sua generalidade, escreveram sobre as ditas comemorações sem a elas terem assistido ou nelas terem participado. Pode dizer-se, até, que, na maior parte dos casos, os textos publicados poderiam ter sido escritos antes, mesmo, da realização das iniciativas comemorativas do Dia da Liberdade.
Mais uma vez, voltaram à cegarrega do «ritual», do «saudosismo», da «nostalgia», do «feriado para se gozar» e não «para comemorar», das «comemorações engravatadas», e de todos os chavões que, de há uns vinte anos para cá, se instalaram no discurso mediático dominante – de tal forma que, se os escribas tivessem assistido às comemorações populares do 25 de Abril, teriam escrito o mesmo que escreveram tendo ficado em casa. No discurso formatado que é o deles não cabem realidades como sejam dezenas de milhares de pessoas festejando a conquista da liberdade – que viveram e pela qual lutaram, ou que lhes foi contada – e, simultaneamente, exigindo o cumprimento dos ideais de Abril e lutando por direitos humanos que todos os dias lhes são negados: o direito ao trabalho, à saúde, ao ensino, à cultura, a uma vida digna.
Tema também recorrente por altura das comemorações de Abril é o da chamada «renovação (ou reforma) do sistema político». Mais uma vez ela foi invocada em múltiplos discursos e mais uma vez o foi, regra geral, contra Abril. Tal designação significa, para quem a utiliza, prosseguir as machadadas no que de mais progressista, avançado e moderno existe na democracia de Abril, num processo iniciado pelo primeiro governo constitucional – que seria o primeiro, também, a desrespeitar e violar a Constituição então acabada de aprovar – e a que os sucessivos governos deram continuidade. Apresentada como exigência de modernidade, essa «renovação» é exactamente o contrário disso. É, até, em muitos aspectos, um regresso ao passado – a um passado adaptado aos dias de hoje, disfarçado de coisa nova mas transportando toda a tralha ideológica que sustenta a tentativa de perpetuação do capitalismo e da exploração e opressão que lhe são inerentes.
Há dois anos, os partidos da política de direita, com o estímulo e os aplausos do Presidente da República, comemoraram Abril aprovando duas leis antidemocráticas e anticonstitucionais: a lei dos partidos e a do financiamento dos mesmos, exemplares dos desígnios dos promotores da «reforma do sistema político».
Comemorar Abril negando-o, é o que ressalta, igualmente, do processo, em marcha, de alteração das leis eleitorais para as autarquias, visando, entre outras tropelias antidemocráticas, obter através de legislação manipuladora o que o eleitorado persiste em rejeitar através do voto. Nada de mais contrário aos ideais libertadores e progressistas de Abril do que essa pretensão de impor por lei a existência de executivos monocolores nas autarquias; nada de mais contrário à democracia de Abril do que essa ambição obsessiva de poder absoluto que povoa as mentes dos dirigentes dos partidos da política de direita.
O mesmo se passa com o referendo sobre a «constituição europeia» – também ele muito invocado nos discursos das comemorações – e com a revisão constitucional necessária para legalizar outro monumental atropelo democrático. Que melhor forma de negar e afrontar Abril do que levar Portugal a aprovar esse texto sombrio e profundamente lesivo do que ainda resta da soberania nacional conquistada em Abril? E que melhor forma de desrespeitar os direitos, a inteligência e a sensibilidade dos portugueses do que fazer coincidir o referendo com as eleições autárquicas, impedindo o debate sério e profundo que se impõe em torno do primeiro e manipulando opções de voto em relação às segundas?
25 de Abril: «esse dia inicial, inteiro e limpo, como lhe chamou Sophia de Mello Breyner em palavras que passaram, desde o ano passado, por minha iniciativa, a estar inscritas na parede do Quartel do Largo do Carmo» – palavras do Presidente da República no seu discurso no Parlamento. Louve-se a iniciativa do PR. Mas recorde-se-lhe a distância para que foi remetido esse dia pelos 29 anos de política de direita: 500 mil desempregados; mais de um milhão de trabalhadores em regime precário; crescente concentração da riqueza e crescentes desigualdades sociais; 2 milhões de portugueses vivendo abaixo do limiar da pobreza, 200 mil dos quais passando fome; um «código do trabalho» cuja aplicação traz à memória relações laborais do final do século XIX; o ensino e a saúde pelas ruas da amrgura; a soberania nacional aviltada pela dependência aos interesses dos grandes e poderosos da Europa e do mundo e pelo apoio às guerras imperialistas causadoras de centenas de milhares de vítimas inocentes; um regime cada vez mais carenciado de conteúdo democrático…
O dia inicial, inteiro e limpo esteve presente, isso sim, nas comemorações populares: na disposição de luta revelada por dezenas de milhares de trabalhadores que em Abril e nos seus ideais encontram as suas fontes de força essenciais e que, no seu dia, o lº de Maio, voltarão à rua, em festa e em luta, sabendo que, como podia ler-se num dos muitos panos que, empunhados por homens e mulheres de Abril, desceram a Avenida, é necessário «retomar Abril com a força de Maio».
Mais uma vez, voltaram à cegarrega do «ritual», do «saudosismo», da «nostalgia», do «feriado para se gozar» e não «para comemorar», das «comemorações engravatadas», e de todos os chavões que, de há uns vinte anos para cá, se instalaram no discurso mediático dominante – de tal forma que, se os escribas tivessem assistido às comemorações populares do 25 de Abril, teriam escrito o mesmo que escreveram tendo ficado em casa. No discurso formatado que é o deles não cabem realidades como sejam dezenas de milhares de pessoas festejando a conquista da liberdade – que viveram e pela qual lutaram, ou que lhes foi contada – e, simultaneamente, exigindo o cumprimento dos ideais de Abril e lutando por direitos humanos que todos os dias lhes são negados: o direito ao trabalho, à saúde, ao ensino, à cultura, a uma vida digna.
Tema também recorrente por altura das comemorações de Abril é o da chamada «renovação (ou reforma) do sistema político». Mais uma vez ela foi invocada em múltiplos discursos e mais uma vez o foi, regra geral, contra Abril. Tal designação significa, para quem a utiliza, prosseguir as machadadas no que de mais progressista, avançado e moderno existe na democracia de Abril, num processo iniciado pelo primeiro governo constitucional – que seria o primeiro, também, a desrespeitar e violar a Constituição então acabada de aprovar – e a que os sucessivos governos deram continuidade. Apresentada como exigência de modernidade, essa «renovação» é exactamente o contrário disso. É, até, em muitos aspectos, um regresso ao passado – a um passado adaptado aos dias de hoje, disfarçado de coisa nova mas transportando toda a tralha ideológica que sustenta a tentativa de perpetuação do capitalismo e da exploração e opressão que lhe são inerentes.
Há dois anos, os partidos da política de direita, com o estímulo e os aplausos do Presidente da República, comemoraram Abril aprovando duas leis antidemocráticas e anticonstitucionais: a lei dos partidos e a do financiamento dos mesmos, exemplares dos desígnios dos promotores da «reforma do sistema político».
Comemorar Abril negando-o, é o que ressalta, igualmente, do processo, em marcha, de alteração das leis eleitorais para as autarquias, visando, entre outras tropelias antidemocráticas, obter através de legislação manipuladora o que o eleitorado persiste em rejeitar através do voto. Nada de mais contrário aos ideais libertadores e progressistas de Abril do que essa pretensão de impor por lei a existência de executivos monocolores nas autarquias; nada de mais contrário à democracia de Abril do que essa ambição obsessiva de poder absoluto que povoa as mentes dos dirigentes dos partidos da política de direita.
O mesmo se passa com o referendo sobre a «constituição europeia» – também ele muito invocado nos discursos das comemorações – e com a revisão constitucional necessária para legalizar outro monumental atropelo democrático. Que melhor forma de negar e afrontar Abril do que levar Portugal a aprovar esse texto sombrio e profundamente lesivo do que ainda resta da soberania nacional conquistada em Abril? E que melhor forma de desrespeitar os direitos, a inteligência e a sensibilidade dos portugueses do que fazer coincidir o referendo com as eleições autárquicas, impedindo o debate sério e profundo que se impõe em torno do primeiro e manipulando opções de voto em relação às segundas?
25 de Abril: «esse dia inicial, inteiro e limpo, como lhe chamou Sophia de Mello Breyner em palavras que passaram, desde o ano passado, por minha iniciativa, a estar inscritas na parede do Quartel do Largo do Carmo» – palavras do Presidente da República no seu discurso no Parlamento. Louve-se a iniciativa do PR. Mas recorde-se-lhe a distância para que foi remetido esse dia pelos 29 anos de política de direita: 500 mil desempregados; mais de um milhão de trabalhadores em regime precário; crescente concentração da riqueza e crescentes desigualdades sociais; 2 milhões de portugueses vivendo abaixo do limiar da pobreza, 200 mil dos quais passando fome; um «código do trabalho» cuja aplicação traz à memória relações laborais do final do século XIX; o ensino e a saúde pelas ruas da amrgura; a soberania nacional aviltada pela dependência aos interesses dos grandes e poderosos da Europa e do mundo e pelo apoio às guerras imperialistas causadoras de centenas de milhares de vítimas inocentes; um regime cada vez mais carenciado de conteúdo democrático…
O dia inicial, inteiro e limpo esteve presente, isso sim, nas comemorações populares: na disposição de luta revelada por dezenas de milhares de trabalhadores que em Abril e nos seus ideais encontram as suas fontes de força essenciais e que, no seu dia, o lº de Maio, voltarão à rua, em festa e em luta, sabendo que, como podia ler-se num dos muitos panos que, empunhados por homens e mulheres de Abril, desceram a Avenida, é necessário «retomar Abril com a força de Maio».