
- Nº 1636 (2005/04/7)
Comentário
Uma viagem a Cuba
Europa
Na semana da Páscoa, realizei uma viagem a Cuba, integrada numa delegação de 12 deputados do Parlamento Europeu, de três grupos políticos (Grupo da Esquerda Unitária Europeia, PSE e Verdes) que fazem parte do Grupo de Amizade e Solidariedade com o Povo de Cuba. Essa visita seguiu-se a um debate promovido pelo mesmo grupo, em Estrasburgo, com o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Filipe Perez Roque, que regressava da viagem a Genebra, onde foi apresentar a sua posição contra o bloqueio americano e as tentativas da administração Bush de, mais uma vez, tentar fazer aprovar uma resolução contra Cuba, na sessão da Comissão de Direitos Humanos da ONU, que vai decorrer, agora, de 14 a 22 de Abril.
Tendo por pano de fundo a luta contra a inadmissível posição comum da União Europeia, de 1996, o Grupo de Amizade do Parlamento Europeu tem denunciado a política de dois pesos e duas medidas do Conselho, exigido o fim quer da posição comum, quer das sanções contra Cuba, decididas em Junho de 2003, e pugnado por uma posição firme e actuante contra o bloqueio americano que tão graves problemas tem causado ao povo cubano.
Recorde-se que, no final de Janeiro passado, o Conselho Europeu, mantendo, embora, a posição comum, suspendeu as sanções decididas em 2003, muito por pressão do novo governo de Espanha, mas apenas temporariamente, referindo expressamente que «serão reanalisadas até Julho de 2005, à luz da evolução registada na via do pluralismo democrático e do respeito pelos direitos humanos em Cuba, até Julho de 2005».
Como se vê, trata-se de uma ingerência inaceitável, de uma posição que não é aplicada, por exemplo, aos EUA, que mantêm enormes violações dos direitos humanos no Iraque e em Guantánamo. Mas, mais grave ainda, nesta posição do final de Janeiro passado, a União Europeia não escreve uma única palavra sobre o bloqueio americano a Cuba, ignorando o carácter de excepção em que vive este país e este povo, vítima de um bloqueio económico, que a actual administração Bush agravou com novas restrições de viagens a Cuba e de envio de verbas por parte dos emigrantes cubanos que vivem nos EUA.
De facto, até Junho do ano passado, os cubanos residentes nos EUA tinham autorização para visitar Cuba e os seus familiares, uma vez por ano. Mas, agora, só o podem fazer uma vez em cada três anos, apenas por 14 dias, e somente para ver os familiares mais próximos, excluindo, por exemplo, os tios, os primos, os sobrinhos que a Administração Bush já não considera familiares. Igualmente restringiu as remessas de dinheiro, incluindo para a viagem, a qual terá de ser autorizada pelo governo americano mediante prova de laços familiares muito próximos. É uma posição única relativamente a emigrantes, que contraria a própria Constituição americana, e que faz parte de um plano mais vasto da administração Bush para colocar Cuba na sua dependência, a exemplo do que fez no Iraque.
Por isso, ainda se entende menos que o Conselho da União Europeia, apoiado pela maioria do Parlamento Europeu, mantenha, na prática, uma cega posição seguidista da política externa americana, esquecendo todas as mudanças que se estão a dar na América Latina, onde foi claro que o neoliberalismo falhou rotundamente, e onde se procuram alternativas de governo mais empenhado na justiça social e na luta contra as desigualdades, como acontece, embora de forma diferente em cada país, na Venezuela, Uruguai, Argentina e Brasil.
A visita desta delegação de deputados do Parlamento Europeu permitiu uma série de reuniões e contactos com Ricardo Alarcón, Presidente da Assembleia Nacional do Poder Popular, com a ministra da cooperação, Martha Lomas, o ministro Filipe Pérez Roque e Carlos Lage, vice-presidente do Conselho de Estado. Igualmente reunimos com ONG cubanas e europeias que trabalham em Cuba, visitámos escolas, centros de saúde a organizações locais.
Foi possível constatar que, apesar das dificuldades criadas pelo bloqueio americano, avança a reabilitação da zona antiga de Havana, mantêm-se elevados níveis de educação e de cuidados de saúde. As maiores fragilidades estão na habitação e nos transportes públicos, mas os governantes cubanos anunciaram novos investimentos nestas áreas, decorrentes dos acordos recentes com a Venezuela e com a China. Demonstraram também todo o interesse no aprofundamento das relações com a União Europeia, mostrando-se disponíveis para um Acordo de Cooperação e total abertura para um diálogo sem restrições, desde que o Conselho acabe com a posição comum. Também manifestaram todo o interesse no estreitar de relações com os povos e países da Europa, referindo que, anualmente, já recebem cerca de um milhão de turistas europeus.
Particularmente importante foi a visita à Escola Latino-americana de medicina, onde estudam, gratuitamente, quase dez mil estudantes estrangeiros, de famílias pobres de África e América Latina. Como podemos constatar, desde 1959, com o triunfo da revolução, em Cuba existe uma grande sensibilidade para a saúde pública e uma enorme solidariedade. Desde que iniciaram a cooperação na área da saúde, em 1963, já deram apoio solidário com mais de 53 mil trabalhadores da saúde, dos quais mais de 25 mil médicos, em 93 países. Merece destaque a Venezuela, onde trabalham cerca de 12 mil médicos cubanos, como pude verificar na visita que fiz o ano passado, numa acção solidária que está a contribuir para melhorar substancialmente as condições de vida do povo venezuelano. Cuba precisa também da nossa solidariedade neste momento em que, mais uma vez, a Administração Bush, para desviar as atenções das suas violações sistemáticas dos direitos humanos no Iraque e em Guantánamo, quer arrebanhar apoios para uma nova campanha contra Cuba.
Ilda Figueiredo