TRADIÇÃO E PONTO DE PARTIDA
: «O fascismo salazarista teve no imperialismo norte-americano o seu mais sólido aliado»
Robert Zoellick, o número dois do Departamento de Estado norte-americano, esteve em Portugal. Entre outras coisas que
há-de ter feito, encontrou-se com o Primeiro-Ministro e concedeu uma entrevista a um matutino lisboeta. O que disse, na entrevista, foi mais do que suficiente para ficarmos a saber o teor da conversa com José Sócrates – além de ter confirmado plenamente que as teses que por aí circulam sobre um novo Bush, pacífico e homem de bem, não passam de propaganda visando disfarçar os objectivos belicistas, expansionistas e de domínio planetário do imperialismo norte-americano.
Por agora, limitar-nos-emos a comentar apenas as declarações de Robert Zoellick respeitantes a Portugal e ao Governo português, bastante elucidativas, também elas, de muita coisa que diz directamente respeito a todos os portugueses.
Segundo foi noticiado, a decisão de José Sócrates de escolher para ministro dos Negócios Estrangeiros, uma pessoa que, há uns tempos atrás, produzira declarações públicas condenando (muito justamente aliás) a invasão e ocupação do Iraque pelos EUA, não teria sido vista com bons olhos por Bush. É normal e faz parte da tradição: os EUA sentem-se no direito de não aceitar medidas seja de que tipo forem (designadamente composição de governos) que considerem não ser conformes com os seus interesses. E, se for caso disso, manda a tradição que tomem as medidas necessárias para, em qualquer parte do mundo, impedir que isso aconteça.
Assim sendo, é também normal que algumas das perguntas feitas a Robert Zoellick, na referida entrevista, tenham incidido sobre essa matéria. As respostas do número dois dos negócios estrangeiros de Bush não poderiam ser mais claras. Começando pelo princípio…, Zoellick esclareceu: «O nosso ponto de partida é que Portugal foi sempre um velho aliado.» - esclarecimento que é uma quase verdade. Com efeito, excluindo o curtíssimo espaço de tempo em que, em Portugal, vigorou a democracia de Abril – uma democracia avançada, aberta, moderna, progressista, representativa e participada, e, por tudo isso, complementada por uma política de verdadeira e honrosa assunção da soberania nacional – excluindo esse breves anos luminosos, Portugal foi sempre o tal «velho aliado» dos EUA (e vice-versa) a que Zoellick aludiu. Durante quase meio século, o fascismo salazarista teve no imperialismo norte-americano o seu mais sólido aliado - podendo dizer-se que os EUA apoiaram o fascismo até ao seu último dia de vida, e devendo sublinhar-se que foram inimigos da revolução de Abril desde o seu primeiro dia de existência. Depois, os vários governos da política da contra revolução de Abril voltaram a ser incondicionais apoiantes da política belicista e expansionista do Império.
Partindo do tal «ponto de partida», Zoellick mostrou-se, naturalmente, optimista e confidenciou à entrevistadora que «a mensagem essencial» de José Sócrates, «foi a da continuidade da política externa portuguesa e não a de mudanças drásticas.» E acrescentou, tutelar: «Era isto que eu esperava, dada a tradição portuguesa. Mas foi útil ouvi-lo da sua (de José Sócrates) boca.»
Durmamos, então, em paz: as explicações e garantias do primeiro -ministro português ao representante do Império, foram as que ele «esperava» e «queria ouvir», o «ponto de partida» e «a tradição» estão assegurados – os mísseis, como manda a tradição, podem acomodar-se, novamente, nos seus pontos de partida…
Não ficou por aqui, no entanto, a lição do enviado de Bush. Esta gente é incapaz de esconder o que lhe vai na alma e o que lhe está no sangue. Por isso, Zoellick achou por bem insistir no «essencial», e relembrando as críticas do actual MNE ao Presidente Bush, voltou, deste jeito, ao «ponto de partida»: «O ponto de partida é que (o MNE) vai ter de defender os interesses portugueses, e o primeiro-ministro explicou-me o sentido desses interesses.»
Ou seja: os «interesses portugueses» são os interesses dos EUA: de acordo com a «tradição», esse é o «ponto de partida».
E, ainda re-relembrando as críticas aos crimes contra a Humanidade perpetrados por Bush, o braço direito de Condoleza Rice, não quis deixar de disparar uma outra razão pela qual «esses comentários não foram bem recebidos»: «Há alguma ironia nisto tudo, quando estamos a comemorar o 60º aniversário da libertação da Europa do fascismo e foram os soldados americanos a fazê-lo.»
À entrevistadora, certamente posicionada no mesmo ponto de partida do entrevistado e embalada pela mesma tradição, não passou, sequer, pela cabeça, lembrar que um ano e meio antes de «os soldados americanos» libertarem a Europa, o Exército Vermelho destroçara o exército alemão em Estalinegrado e – honrando a memória de vinte milhões de mortos soviéticos e empunhando a bandeira da liberdade e da democracia – arrancara, Europa fora, libertando-a do nazi-fascismo, entrando em Berlim… - e que, se assim não tivesse sido, outro, e bem diferente, teria sido o papel dos EUA na II Guerra Mundial…
Mas essa é a História – e Zoellick só sabe de estórias: a estória da sua vinda a Portugal, e o seu regresso, tranquilizado pelas palavras de José Sócrates, seguro de que a política externa de Portugal, a praticar pelo MNE português, vai defender aquilo a que eufemisticamente, chama «os interesses portugueses» - e a sua sombria e sinistra garantia de que, «a partir de agora (…) os actos falarão mais alto do que as palavras». Que é como quem diz: o «ponto de partida» é o respeito pela «tradição».
há-de ter feito, encontrou-se com o Primeiro-Ministro e concedeu uma entrevista a um matutino lisboeta. O que disse, na entrevista, foi mais do que suficiente para ficarmos a saber o teor da conversa com José Sócrates – além de ter confirmado plenamente que as teses que por aí circulam sobre um novo Bush, pacífico e homem de bem, não passam de propaganda visando disfarçar os objectivos belicistas, expansionistas e de domínio planetário do imperialismo norte-americano.
Por agora, limitar-nos-emos a comentar apenas as declarações de Robert Zoellick respeitantes a Portugal e ao Governo português, bastante elucidativas, também elas, de muita coisa que diz directamente respeito a todos os portugueses.
Segundo foi noticiado, a decisão de José Sócrates de escolher para ministro dos Negócios Estrangeiros, uma pessoa que, há uns tempos atrás, produzira declarações públicas condenando (muito justamente aliás) a invasão e ocupação do Iraque pelos EUA, não teria sido vista com bons olhos por Bush. É normal e faz parte da tradição: os EUA sentem-se no direito de não aceitar medidas seja de que tipo forem (designadamente composição de governos) que considerem não ser conformes com os seus interesses. E, se for caso disso, manda a tradição que tomem as medidas necessárias para, em qualquer parte do mundo, impedir que isso aconteça.
Assim sendo, é também normal que algumas das perguntas feitas a Robert Zoellick, na referida entrevista, tenham incidido sobre essa matéria. As respostas do número dois dos negócios estrangeiros de Bush não poderiam ser mais claras. Começando pelo princípio…, Zoellick esclareceu: «O nosso ponto de partida é que Portugal foi sempre um velho aliado.» - esclarecimento que é uma quase verdade. Com efeito, excluindo o curtíssimo espaço de tempo em que, em Portugal, vigorou a democracia de Abril – uma democracia avançada, aberta, moderna, progressista, representativa e participada, e, por tudo isso, complementada por uma política de verdadeira e honrosa assunção da soberania nacional – excluindo esse breves anos luminosos, Portugal foi sempre o tal «velho aliado» dos EUA (e vice-versa) a que Zoellick aludiu. Durante quase meio século, o fascismo salazarista teve no imperialismo norte-americano o seu mais sólido aliado - podendo dizer-se que os EUA apoiaram o fascismo até ao seu último dia de vida, e devendo sublinhar-se que foram inimigos da revolução de Abril desde o seu primeiro dia de existência. Depois, os vários governos da política da contra revolução de Abril voltaram a ser incondicionais apoiantes da política belicista e expansionista do Império.
Partindo do tal «ponto de partida», Zoellick mostrou-se, naturalmente, optimista e confidenciou à entrevistadora que «a mensagem essencial» de José Sócrates, «foi a da continuidade da política externa portuguesa e não a de mudanças drásticas.» E acrescentou, tutelar: «Era isto que eu esperava, dada a tradição portuguesa. Mas foi útil ouvi-lo da sua (de José Sócrates) boca.»
Durmamos, então, em paz: as explicações e garantias do primeiro -ministro português ao representante do Império, foram as que ele «esperava» e «queria ouvir», o «ponto de partida» e «a tradição» estão assegurados – os mísseis, como manda a tradição, podem acomodar-se, novamente, nos seus pontos de partida…
Não ficou por aqui, no entanto, a lição do enviado de Bush. Esta gente é incapaz de esconder o que lhe vai na alma e o que lhe está no sangue. Por isso, Zoellick achou por bem insistir no «essencial», e relembrando as críticas do actual MNE ao Presidente Bush, voltou, deste jeito, ao «ponto de partida»: «O ponto de partida é que (o MNE) vai ter de defender os interesses portugueses, e o primeiro-ministro explicou-me o sentido desses interesses.»
Ou seja: os «interesses portugueses» são os interesses dos EUA: de acordo com a «tradição», esse é o «ponto de partida».
E, ainda re-relembrando as críticas aos crimes contra a Humanidade perpetrados por Bush, o braço direito de Condoleza Rice, não quis deixar de disparar uma outra razão pela qual «esses comentários não foram bem recebidos»: «Há alguma ironia nisto tudo, quando estamos a comemorar o 60º aniversário da libertação da Europa do fascismo e foram os soldados americanos a fazê-lo.»
À entrevistadora, certamente posicionada no mesmo ponto de partida do entrevistado e embalada pela mesma tradição, não passou, sequer, pela cabeça, lembrar que um ano e meio antes de «os soldados americanos» libertarem a Europa, o Exército Vermelho destroçara o exército alemão em Estalinegrado e – honrando a memória de vinte milhões de mortos soviéticos e empunhando a bandeira da liberdade e da democracia – arrancara, Europa fora, libertando-a do nazi-fascismo, entrando em Berlim… - e que, se assim não tivesse sido, outro, e bem diferente, teria sido o papel dos EUA na II Guerra Mundial…
Mas essa é a História – e Zoellick só sabe de estórias: a estória da sua vinda a Portugal, e o seu regresso, tranquilizado pelas palavras de José Sócrates, seguro de que a política externa de Portugal, a praticar pelo MNE português, vai defender aquilo a que eufemisticamente, chama «os interesses portugueses» - e a sua sombria e sinistra garantia de que, «a partir de agora (…) os actos falarão mais alto do que as palavras». Que é como quem diz: o «ponto de partida» é o respeito pela «tradição».