Disparar sobre o património monumental
Uma das imagens mais belas de Lisboa é a das arcarias do Aqueduto das Águas Livres a atravessar o vale de Alcântara. É uma jóia da engenharia e da arquitectura que se inicia em Caneças, nas duas Mães de Água, a Velha, uma edificação cilíndrica com seis metros de diâmetro, fechada por uma abóbada de meia esfera, em que um corredor de visita e um banco em pedra que faz parte da parede interior permite a contemplação do lago de decantação, e a Nova, uma edificação octogonal fechada por uma abóbada com dezassete metros de diâmetro, e acaba na bem mais conhecida Mãe de Água das Amoreiras, onde a água cai em cascata para um tanque quase quadrado com trinta metros de lado, encerrado numa edificação de planta também quadrada, fechada por um terraço em lajetas de pedra. As Mães de Água estão ligadas por uma caleira de pedra por onde a água corre por gravidade, num sussurro sem fim.
O Aqueduto é uma obra impar, de uma beleza extrema, uma obra monumental, onde se celebra a água. De Caneças a Lisboa a paisagem é pontuada por essa galeria de pedra construída à escala humana, visitável ao longo dos seus quase 60 quilómetros de extensão, pontuada pelos torreões de respiração e oxigenação da água que marcam todo o percurso que ora corre subterrâneo, ora é um risco na paisagem, ora se ergue em arcarias que atingem a máxima espectacularidade em Alcântara, desenhando uma fantástica cortina de pedra.
Mil e quinhentos trabalhadores construíram ao longo de 120 anos, essa maravilha da engenharia hidráulica que ainda hoje nos assombra, sob as ordens de vários engenheiros e arquitectos de que se destacam Manuel da Maia que impôs a solução da água correr por gravidade e idealizou a forma monumental do aqueduto e Carlos Mardel que desenhou a parte final mais cenográfica.
É essa obra que está em risco de ser amputada de um dos seus troços mais visíveis, e não é a menor visibilidade ou mesmo a invisibilidade de muitos outros troços que lhes retira importância e notoriedade, por via da construção de um troço da CRIL, entre a Buraca e a Pontinha, pelo mais primário principio economicista: por ser a solução mais barata.
Não deixa de ser curioso assinalar como os mesmos que não controlam os custos das obras públicas deixando-os disparar para números estratosféricos, os mesmos que consideram bem gastos os milhões de euros gastos em estádios de futebol em excesso para o Euro 2004, os mesmos que estão prontos a ceder aos mais disparatados traçados do TGV para satisfazerem lobbies provincianos com os consequentes custos, não estremecem quando se coloca a hipótese de se destruir parte do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa que é qualquer como rasgar um Canto dos Lusíadas, ou retirar o Dies Irae do Requiem para as Vitimas do Fascismo em Portugal do Lopes-Graça e por aí fora, exemplos deste quilate são o mais fácil de enumerar.
Extraordinário, para quem não vive ou não conhece o nosso país, é que a entidade que se dispõe a viabilizar essa brutalidade é a que deveria estar na primeira linha da preservação dos monumentos nacionais, o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), por via de um despacho de uma ministra, Maria João Bustorff que presidiu a uma fundação, a Fundação Ricardo Espírito Santo, vocacionada para intervenções de recuperação de bens mobiliários patrimoniais de reconhecido valor, e que assinou, mas já se esqueceu ou renegou, um abaixo assinado contra a destruição de 250 metros do aqueduto. Espantoso? Talvez não! O aqueduto é um bem público e sagrado só é a cousa privada! Aliás, o IPPAR que se tinha oposto ao corte do aqueduto dá o dito por não dito e agora, por motivos obscuros, considera que tudo pode continuar tranquilamente. Dois arquitectos, o presidente e o director regional do IPPAR, subscrevem essa opinião!!! A Ordem dos Arquitectos não tem nada a dizer? Isto não deveria ser objecto de sanção disciplinar? Não está previsto? Então é bom que comecem a prever ou será que andam de cabeça enleadas naquelas teorias Content & etc.? Por essas doutrinas o aqueduto, este ou outro qualquer, tudo tem uma importância relativa em nome da pós – modernidade, da racionalidade económica ou mesmo por decisão voluntarista do poder.
Por cá se isto está para acontecer ao aqueduto, por maioria dessas razões, a ex-sede da PIDE, que não tem relevância arquitectónica, pode desaparecer, o Forte de Peniche vai apodrecendo, em vez de se investir fortemente num Museu à Resistência com um programa cultural mobilizador, tudo para justificar uma qualquer solução imobiliária-turistica-hoteleira. O objectivo é reduzir a escombros a memória da resistência antifascista o que está na mesma linha de tiro dos males tratos ao nosso património cultural que acaba por disparar contra a nossa memória e identidade nacional.
O Aqueduto é uma obra impar, de uma beleza extrema, uma obra monumental, onde se celebra a água. De Caneças a Lisboa a paisagem é pontuada por essa galeria de pedra construída à escala humana, visitável ao longo dos seus quase 60 quilómetros de extensão, pontuada pelos torreões de respiração e oxigenação da água que marcam todo o percurso que ora corre subterrâneo, ora é um risco na paisagem, ora se ergue em arcarias que atingem a máxima espectacularidade em Alcântara, desenhando uma fantástica cortina de pedra.
Mil e quinhentos trabalhadores construíram ao longo de 120 anos, essa maravilha da engenharia hidráulica que ainda hoje nos assombra, sob as ordens de vários engenheiros e arquitectos de que se destacam Manuel da Maia que impôs a solução da água correr por gravidade e idealizou a forma monumental do aqueduto e Carlos Mardel que desenhou a parte final mais cenográfica.
É essa obra que está em risco de ser amputada de um dos seus troços mais visíveis, e não é a menor visibilidade ou mesmo a invisibilidade de muitos outros troços que lhes retira importância e notoriedade, por via da construção de um troço da CRIL, entre a Buraca e a Pontinha, pelo mais primário principio economicista: por ser a solução mais barata.
Não deixa de ser curioso assinalar como os mesmos que não controlam os custos das obras públicas deixando-os disparar para números estratosféricos, os mesmos que consideram bem gastos os milhões de euros gastos em estádios de futebol em excesso para o Euro 2004, os mesmos que estão prontos a ceder aos mais disparatados traçados do TGV para satisfazerem lobbies provincianos com os consequentes custos, não estremecem quando se coloca a hipótese de se destruir parte do Aqueduto das Águas Livres de Lisboa que é qualquer como rasgar um Canto dos Lusíadas, ou retirar o Dies Irae do Requiem para as Vitimas do Fascismo em Portugal do Lopes-Graça e por aí fora, exemplos deste quilate são o mais fácil de enumerar.
Extraordinário, para quem não vive ou não conhece o nosso país, é que a entidade que se dispõe a viabilizar essa brutalidade é a que deveria estar na primeira linha da preservação dos monumentos nacionais, o Instituto Português do Património Arquitectónico (IPPAR), por via de um despacho de uma ministra, Maria João Bustorff que presidiu a uma fundação, a Fundação Ricardo Espírito Santo, vocacionada para intervenções de recuperação de bens mobiliários patrimoniais de reconhecido valor, e que assinou, mas já se esqueceu ou renegou, um abaixo assinado contra a destruição de 250 metros do aqueduto. Espantoso? Talvez não! O aqueduto é um bem público e sagrado só é a cousa privada! Aliás, o IPPAR que se tinha oposto ao corte do aqueduto dá o dito por não dito e agora, por motivos obscuros, considera que tudo pode continuar tranquilamente. Dois arquitectos, o presidente e o director regional do IPPAR, subscrevem essa opinião!!! A Ordem dos Arquitectos não tem nada a dizer? Isto não deveria ser objecto de sanção disciplinar? Não está previsto? Então é bom que comecem a prever ou será que andam de cabeça enleadas naquelas teorias Content & etc.? Por essas doutrinas o aqueduto, este ou outro qualquer, tudo tem uma importância relativa em nome da pós – modernidade, da racionalidade económica ou mesmo por decisão voluntarista do poder.
Por cá se isto está para acontecer ao aqueduto, por maioria dessas razões, a ex-sede da PIDE, que não tem relevância arquitectónica, pode desaparecer, o Forte de Peniche vai apodrecendo, em vez de se investir fortemente num Museu à Resistência com um programa cultural mobilizador, tudo para justificar uma qualquer solução imobiliária-turistica-hoteleira. O objectivo é reduzir a escombros a memória da resistência antifascista o que está na mesma linha de tiro dos males tratos ao nosso património cultural que acaba por disparar contra a nossa memória e identidade nacional.