
- Nº 1631 (2005/03/3)
Diga lá quem souber
Opinião
As multiplicadas certidões de óbito passadas ao PCP, ao longo dos tempos, constituem demonstrações concretas dos fracassos da permanente ofensiva ideológica anticomunista.
Muito provavelmente, elas decorrem da necessidade, sentida pelos cangalheiros de serviço em cada momento, de mostrar trabalho ao patrão, de manter nele a expectativa da boa nova, de não serem vistos como os mensageiros das más notícias, aos quais os pragmáticos chefes de outrora cortavam as cabeças. Percebe-se: há-de ser penoso e frustrante passar uma vida - meses e meses, anos e anos, lustros e lustros, ao todo mais de oito décadas - a demonstrar, com provas na mão, preto no branco, o fim iminente do PCP, o seu declínio irreversível… Daí a necessidade sentida de, de quando em quando, num desabafo sofrido, num alívio desconsolado, decretarem a morte do dito – há catorze anos, um desses soturnos cangalheiros, certamente no auge de um desespero de unhas roídas, chegou mesmo a escrever, nem mais palavra nem menos palavra, sic: «O PCP morreu ontem». Assinale-se: continuam, hoje, vivos e activos: o PCP e o cangalheiro.
As provas do definhamento são, regra geral, de carácter eleitoral - salvo no tempo do fascismo, em que a demonstração era feita com a prisão, a tortura, a morte. Estabelecendo como princípio que os partidos se medem, única e exclusivamente, pelos votos que obtêm em cada acto eleitoral, os cangalheiros, começam por utilizar todos os meios disponíveis (que são muitos e poderosos, reconheça-se) para, espalhando uma imagem terrífica do PCP, afastarem dele os votos dos que têm nele o seu único defensor de facto. Feito isso, e enquanto esperam, deitam olhos às lupas e procedem à análise da realidade nacional: embuçados numa modernidade mediática importada da Europa e avalizada por mútuos certificados de garantia, analisam, analisam, trocam de análises uns com os outros, citam-se uns aos outros citando-se a si próprios como se outros fossem, acampam em tudo quanto é espaço e tempo de têvê, de rádio, de jornal, de revista, e, em exuberantes manifestações de pluralismo, baralham e dão de novo, e falam, falam, e escrevem, escrevem, quilolitros e quilómetros infindos de análise da realidade nacional - palavras e escritos nos quais, uma vez por outra e por distracção, a palavra trabalhadores é utilizada.
Enquanto isso, o PCP move-se: está onde os efeitos da política de direita se fazem sentir, onde os direitos dos trabalhadores são postos em causa ou violados, onde os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos são desrespeitados, onde a democracia é desvirtuada e empobrecida, onde a soberania nacional é vendida a pataco. E age, todos os dias, seja qual for o número de votos que obtém em cada acto eleitoral, sendo certo que, quanto mais forem os votos obtidos, mais forte e eficaz é a sua acção. E intervém, todos os dias, quer o decreto dos cangalheiros o condene ao definhamento, quer a sentença seja de morte. Por isso, vive – porque para isso vive.
O Partido dos trabalhadores
E se, não obstante os esforços desenvolvidos para o definhar ou matar, acontece que o PCP aumenta a sua votação, então os gatos pingados voltam à estaca zero, ao monocórdico decreto pelo decreto, à transformação decretada dos sonhos em realidades. E continuam a desconhecer a palavra trabalhadores. E o PCP continua partido dos trabalhadores – por isso vivo sempre, activo sempre, e capaz, até, de, de um acto eleitoral para o outro, travar uma quebra eleitoral de mais de duas décadas, e subir, mesmo, um pequeno mas valioso degrau eleitoral. Ora, diga lá quem souber – os cangalheiros, por exemplo, que, como se sabe, sabem tudo - que outro partido há aí que resistisse a vinte e dois anos de sucessivas quebras eleitorais? E porquê?
É claro que o anticomunismo não se esgota nesta ofensiva ideológica, nem adormece embalado por este roteiro necrológico feito de desejos velhos de décadas. Para além de estar presente, como elemento marcante, na política de direita oposta aos interesses dos trabalhadores, do povo e do País, que há vinte e nove anos vem sendo aplicada – contra a qual o PCP é o único grande partido nacional a bater-se – ele dá constantes sinais de si, amiúde fedendo aos tempos passados. Um exemplo?: as leis dos partidos e do seu financiamento, made in PS, PSD e CDS – expressão eloquente do carácter do anticomunismo; confirmação inequívoca de que o anticomunismo carrega sempre, consigo, uma iniludível vertente antidemocrática: quer seja praticado pelas botas cardadas de má memória, quer seja destilado por democratas com tabuleta e porta para a rua.
José Casanova