O filme que não queremos voltar a ver (parte 6)
Concluímos nesta edição a série de trabalhos com a qual quisemos mostrar como a política de direita conduzida nos últimos 28 anos, desfigurando o que de mais avançado e moderno emanou da Revolução do 25 de Abril, foi um factor de perpetuação de alguns dos nossos atrasos estruturais.
Foram quase três décadas de acção governativa, da responsabilidade de PS e PSD (acolitados pelo CDS/PP quando necessário), num rotativismo empobrecedor e sem saída, de que resultou a manutenção ou o agravamento de dificuldades e problemas com incidência directa na vida dos trabalhadores, das populações e do País.
Com efeito, como mostram os exemplos concretos que temos ao longo das últimas semanas vindo a referir nas páginas do Avante!, à política de direita ficou a dever-se não a correcção das injustiças sociais mas o seu agravamento; não uma maior equidade na repartição do rendimento mas um maior desequilíbrio e uma crescente concentração da riqueza; não uma maior coesão social mas um agravamento das desigualdades e da pobreza; não a atenuação dos desequilíbrios territoriais mas o seu agravamento; em suma, a política de direita, por si só, foi o factor de maior entrave à construção de um Portugal mais solidário, mais democrático e desenvolvido.
Realidade que ocorre não por qualquer fatalismo ou má sorte mas porque a isso conduziram deliberadas orientações e medidas de política pautadas por interesses de classe bem concretos. As mesmas orientações que têm determinado, no que é estruturante e essencial, as opções e prioridades do PS e PSD que, à vez, têm trocado entre si a responsabilidade da governação.
É essa linha de continuidade que pode e deve ser interrompida, já no próximo domingo. A decisão cabe ao povo português.
Pacto de estabilidade
Garrote ao desenvolvimento
Já lá vão quase oito anos (foi em Junho de 1997) que o Conselho Europeu, sem qualquer auscultação prévia dos cidadãos, nem sequer ao Parlamento, aprovou o chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento. Entre as vozes que então se fizeram ouvir, destacada, esteve a do PCP, alertando para os constrangimentos que as condições macro-económicas impostas aos Estados-membros inevitavelmente imporiam à economia de muitos países, designadamente aos mais periféricos e menos desenvolvidos da União Europeia. Uma coisa é rigor e controlo da despesa, outra é a adopção de critérios rígidos que se transformam em travões ao desenvolvimento. Sobretudo em períodos de abrandamento e crise das economias, como advertiram os comunistas, tais critérios cedo desembocariam em opções de política económica que agravariam ainda mais os sinais de crise ou teriam de violar os compromissos assumidos por cada Estado.
Adivinhava-se, designadamente, que a imposição de ratios em planos como a dívida e o défice público, ao não terem em conta as necessidades e especificidades das economias dos países menos desenvolvidos (seja em termos do investimento público, seja da melhoria das política sociais, seja da valorização dos salários e rendimentos dos trabalhadores), contribuiriam não para garantir um efectivo processo de convergência real e de coesão social, como é necessário, mas para o seu contrário.
Às críticas dos comunistas, caiu o Carmo e a Trindade. Em defesa do pacto, PS e PSD, em plena sintonia, chegaram mesmo a aprovar no Parlamento uma resolução aplaudindo o rumo nele inscrito. A eliminação do défice orçamental passa a ser a grande obsessão da política orçamental. Foi-o com Guterres. Foi-o com Durão Barroso. Voltou a ser com Santana Lopes.
Os resultados, esses, são conhecidos: acentuou-se a crise no País, agravou-se de forma brutal o desemprego, diminuiu drasticamente o investimento público, desvalorizaram-se as funções sociais do Estado.
Tudo em nome do cumprimento do défice imposto por um Pacto em relação ao qual houve já quem, prudentemente, como o fizeram a Alemanha ou a França, aconselhasse a que dele seja feita uma leitura mais inteligente. Na linha, de resto, de posições assumidas pelo anterior responsável pela Comissão, que chegou mesmo a qualificá-lo de estúpido.
A suspensão e revisão do Pacto, substituindo-o por outros instrumentos de desenvolvimento e não de recessão, afigura-se, pois, como o único caminho razoável, como defende o PCP.
Para o bloco central – ignorando, por opção, que a questão orçamental, sendo um problema de despesa é antes de mais um problema de receita -, porém, cumprimento do Pacto e do défice continua a ser um bom pretexto para reduzir o investimento público e desresponsabilizar o Estado do seu papel e das suas obrigações em importantes áreas sociais como o Ensino Superior Público (diminuindo o seu financiamento e transferindo encargos para as famílias) ou a Saúde (entregando ao sector privado o que nunca deveria sair da esfera pública).
Construção europeia
À medida dos poderosos
A construção de uma Europa federal tem sido conseguida com elevados custos para o País. Os interesses nacionais são sacrificados em nome da chamada integração, processo do qual os grandes beneficiários e ganhadores são, afinal, as grandes empresas estrangeiras que progressivamente se vão instalando e dominando a economia portuguesa. Tudo o mais é conversa e propaganda para camuflar o que tem sido, verdadeiramente, uma história de capitulações de todos os governos PS e PSD perante as exigências e imposições dos países mais poderosos. A essa postura de subserviência e de aluno bem comportado dos governantes - falando grosso para consumo interno mas piando fino lá fora -, ficaram já a dever-se – e ainda a procissão vai no adro – dificuldades crescentes em sectores fundamentais da nossa economia, a braços com factores de concorrência desleal cujo desfecho previsível – a não ser invertido o rumo actual - é a falência ou mesmo a liquidação total da agricultura e pescas à construção naval e à metalomecânica pesada, dos têxteis às conservas ou ao sector agroalimentar.
Modelo esgotado
Desde há muito que as pessoas deixaram de estar no eixo central da acção dos governos. Com António Guterres, na que foi uma das suas promessas mais pungentes, chegou a ouvir-se que as pessoas eram o seu grande desígnio e era para elas que iria governar. Não demorou a perceber como viriam a falar mais alto e a impor-se as pressões dos lobbies e dos grandes grupos económicos, as exigências dos mercados financeiros.
Incorporadas no discurso governativo (seguindo o exemplo dos patrões) passaram a estar, isso sim, as questões da competitividade e da produtividade. Por esta ser baixa, dizem, dão-na como explicação para muitos dos nossos males.
A culpa, asseguram os mesmos, é de quem trabalha e produz. E por isso, sempre em nome da produtividade, acham que tudo é sacrificável, a começar pelas pessoas e sua subsistência. A questão é invocada sobretudo quando se trata de justificar a sempre reiterada posição de negar aumentos justos aos trabalhadores.
A mistificação, como sabemos, é antiga. E com ela o que os seus autores têm procurado iludir é que as razões da falta de competitividade da nossa economia são devidas essencialmente a um modelo assente nos baixos salários, na subcontratação e na dependência.
Um modelo que lida mal com os direitos dos trabalhadores – e por isso os procura liquidar, que é para isso que serve o código laboral – , que sobrevive apoiado na baixa qualificação dos recursos humanos, que é avesso à inovação tecnológica e ao risco, que atrai não o investimento estrangeiro capaz de trazer valor acrescentado e complexidade tecnológica mas o investimento predador, «beduíno» e desvalorizado.
O que tem faltado, pois, é um outro modelo de desenvolvimento. É uma outra política que promova o conhecimento, a informação e a formação, encarando-as, estas sim, como bases estruturantes para o aumento da competitividade da economia, cada vez mais exigente, sobretudo agora no novo quadro de alargamento da União Europeia.
Como é necessário apostar no plano da gestão das empresas, sua modernização e nível tecnológico, na inovação, na formação profissional dos trabalhadores portugueses – orientada para as necessidades de desenvolvimento, especialização e modernização produtiva do País - , e, também, em salários dignos que traduzam uma efectiva valorização do trabalho.
A opção pelo patronato
O Código de Trabalho é uma das expressões mais brutais do ataque aos direitos dos trabalhadores. Elaborado à medida dos interesses das corporações patronais e com estas concertado, com uma vincada opção de classe, é bem o testemunho da política anti-social do governo PSD-CDS/PP e das suas orientações em favor dos poderosos. Na sua visão neoliberal, no que tem de mais desregulamentador, este verdadeiro pacote laboral – tal como já sucedera com idênticos «pacotes» no tempo de Cavaco Silva – veio animado do propósito não só de diminuir direitos como de remover tudo o que seja entrave à livre exploração de quem trabalha.
Desestabilizar a vida familiar? E depois ? O que é isso comparado com as vantagens patronais obtidas por uma legislação capaz de cobrir a desregulação de horários ou medidas de mobilidade geográfica e funcional?
Pôr em xeque o futuro das novas gerações ? Qual o problema em comparação com as incomensuráveis vantagens para as empresas que resultam do agravamento da precariedade e da incerteza (alargando os contratos a prazo) ou com a negação de direitos consagrados nas convenções colectivas arduamente conquistadas pela luta de gerações de trabalhadores?
Por isso, às restrições aos seus direitos, liberdades e garantias – preconizadas por uma lei que, entre outras malfeitorias, ataca os seus direitos colectivos, como o direito à negociação colectiva e o direito à liberdade sindical – os trabalhadores responderam com um decidido e firme combate que teve um dos seus momentos altos na Greve Geral de Dezembro de 2002.
Beneficiar os infractores
Uma acção de protesto e repúdio dirigida contra os que não hesitam em atropelar a legalidade e os direitos de quem trabalha e produz. Durão Barroso era o alvo, como, seis anos antes (estava-se em 1996), fora o governo PS com a chamada lei da flexibilidade e polivalência.
Assistiu-se na altura ao que o PCP qualificou como «uma das mais graves operações de subversão da legislação laboral». Sucediam-se, por esses anos, a prepotência, a arbitrariedade e a ilegalidade no plano laboral. A prática quotidiana, diferentemente do que fora prometido – governar com consciência social e para as pessoas – era marcada pelo desrespeito das leis laborais em prejuízo dos trabalhadores e em benefício dos infractores. Estes gozavam de impunidade e contavam com a cobertura política do governo. Que o digam os pescadores ou os trabalhadores das obras na Ponte 25 de Abril, obrigados a lutar pelo direito ao 13.º mês de remuneração, frente a um patronato inflexível e arrogante que a tudo recorria, sem olhar a meios, incluindo o despedimento, para impor a lei do mais forte e quebrar a unidade dos trabalhadores. Isto perante um governo incapaz de fazer cumprir as leis e impor a legalidade democrática.
O mesmo governo que se mostrou ainda cúmplice do patronato e seus representantes quando se tratou de interpretar e aplicar a célebre lei da flexibilidade e polivalência. Esse embuste – verdadeira fraude, mais apropriadamente – através do qual o patronato, sobretudo nos têxteis e calçado, pôs em causa direitos legais e contratuais dos trabalhadores, designadamente no que respeita às pequenas interrupções de trabalho incluídas nos acordos de empresa ou nas convenções colectivas de trabalho.
Ao interpretar a lei da forma mais lesiva para os trabalhadores - às 40 horas de trabalho efectivo acrescia o tempo das pequenas pausas e intervalos, como na ocasião sustentou a ministra para a Qualificação e o Emprego – o governo PS não deixou dúvidas quanto a uma questão de fundo em matéria laboral: em caso de conflito, o seu lugar era ao lado do patronato e não dos trabalhadores. Dois anos depois (1998) – este é apenas um exemplo - , prosseguindo a linha desreguladora e de instabilidade das relações laborais, uma outra proposta de lei (esta sobre trabalho a tempo parcial) confirmava a crónica e submissa fidelidade dos governos socialistas aos interesses das centrais patronais.
Às mãos do fogo
Desde há mais de duas décadas que o cenário se repete: vem o Verão e, com ele, o flagelo dos fogos florestais. Com o País a arder, o tema faz manchetes e abre os telejornais; multiplicam-se as análises e denúncias; os responsáveis, numa lufa-lufa, por terra e por ar, percorrem o País; anunciam-se novos programas de prevenção e combate. Chega o Outono e o frenesim acalma... No ano seguinte – depois de um Inverno em que pouco ou nada foi feito – o ciclo repete-se.
Este é o filme a que assistimos há mais de duas décadas. Uma verdadeira tragédia, contabilizada em dramas humanos e incalculáveis perdas de bens e recursos económicos e ambientais. Os números são de arrepiar: só entre 1980 e 2000, mais de dois milhões de hectares foram varridos por incêndios florestais. De então para cá a situação não melhorou, bem pelo contrário (em 2001 arderam 106 592 hectares; em 2002 foram 117 294 hectares; em 2004 o fogo consumiu 423 276 hectares; em 2004 foram 140 000 hectares), transformando Portugal no País da Europa com mais área ardida em relação à respectiva superfície florestal (3,3 milhões de hectares).
Mas o que o quadro negro provocado pelos incêndios vem sobretudo mostrar, independentemente das suas causas – bem identificadas, aliás -, é a fragilidade do ordenamento da nossa floresta, realidade que tem persistido ao longo de décadas perante o confrangedor imobilismo do poder político.
E o mais grave ainda é que essas debilidades no ordenamento daquele nosso valioso património existem não por falta de leis mas por exclusiva falta de vontade política dos diferentes governos ao longo das últimas duas décadas. É que os instrumentos legislativos para um ordenamento sustentável da floresta, esses, existem, como é o caso da Lei de Bases da Política Florestal, aprovada em 1996 (a partir de iniciativas legislativas do PCP e do governo). O que faltou até hoje, no caso vertente – por exclusiva culpa dos governos PS e depois do PSD/CDS-PP -, foi a sua regulamentação em variadas matérias, o que impediu a adopção de medidas no sentido de uma verdadeira política florestal.
Inadmissível atraso que acaba por ser idêntico ao que atingiu também os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, dos quais apenas dois viram os seus processos chegar ao fim, quando a sua aprovação deveria ter sido concluído em 2001. Fazendo ainda com que os Planos de Gestão Florestal, àqueles associados, continuem sem conhecer a luz do dia.
Em favor dos incêndios – legítimo é concluir - não tem concorrido apenas uma floresta antiga, mal ordenada e sem limpeza; os apetites imobiliários e especulativos; o êxodo rural; a ausência de uma política de ordenamento do território; a falta de meios humanos e de combate, bem como a sua adequada coordenação; ou a inexistência de uma política que contrarie os interesses da chamada «indústria do fogo».
Para a desgraça tem contribuído, decisivamente, a falta de uma política de ordenamento florestal. E neste caso, como em relação aos restantes factores, emerge, nítida, a responsabilidade dos governos PS e PSD.
Expectativas defraudadas
PS e PSD, a pretexto ora da sustentabilidade do sistema de segurança Social ora do aumento da esperança de vida, têm vindo a falar com crescente insistência do aumento da idade da reforma. A questão não é nova. No seu primeiro governo, Guterres invocou os mesmos argumentos e chegou a fazer a mesma ameaça. Na ocasião, eram passados dois anos sobre a sua tomada de posse, a postura não surpreendeu. Pela simples razão de que o governo PS, nesse período, pelas medidas que tomara, defraudara já tudo o que haviam sido expectativas e promessas em matéria de defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores.
Inscritas como páginas negras na governação estavam já a promessa não cumprida das 40 horas (só mais tarde arrancada, a muito custo, pela luta dos trabalhadores), a aprovação da lei da flexibilidade e polivalência, a rejeição de reposição da idade de reforma das mulheres aos 62 anos. Mulheres a quem foi prometida ainda uma política de cunho progressista em outros domínios, como a interrupção voluntária da gravidez ou a definição de «quotas» como uma medida de discriminação positiva. Foi o que se viu... É que «não há política de esquerda - como o PCP sublinhou na altura - que não tenha a defesa do mundo do trabalho como critério e objectivos essencial». Como bem sabemos foi noutro sentido a preferência do governo PS: optou – e levou essa opção até às últimas consequências - pela defesa dos critérios de Maastricht.
Com efeito, como mostram os exemplos concretos que temos ao longo das últimas semanas vindo a referir nas páginas do Avante!, à política de direita ficou a dever-se não a correcção das injustiças sociais mas o seu agravamento; não uma maior equidade na repartição do rendimento mas um maior desequilíbrio e uma crescente concentração da riqueza; não uma maior coesão social mas um agravamento das desigualdades e da pobreza; não a atenuação dos desequilíbrios territoriais mas o seu agravamento; em suma, a política de direita, por si só, foi o factor de maior entrave à construção de um Portugal mais solidário, mais democrático e desenvolvido.
Realidade que ocorre não por qualquer fatalismo ou má sorte mas porque a isso conduziram deliberadas orientações e medidas de política pautadas por interesses de classe bem concretos. As mesmas orientações que têm determinado, no que é estruturante e essencial, as opções e prioridades do PS e PSD que, à vez, têm trocado entre si a responsabilidade da governação.
É essa linha de continuidade que pode e deve ser interrompida, já no próximo domingo. A decisão cabe ao povo português.
Pacto de estabilidade
Garrote ao desenvolvimento
Já lá vão quase oito anos (foi em Junho de 1997) que o Conselho Europeu, sem qualquer auscultação prévia dos cidadãos, nem sequer ao Parlamento, aprovou o chamado Pacto de Estabilidade e Crescimento. Entre as vozes que então se fizeram ouvir, destacada, esteve a do PCP, alertando para os constrangimentos que as condições macro-económicas impostas aos Estados-membros inevitavelmente imporiam à economia de muitos países, designadamente aos mais periféricos e menos desenvolvidos da União Europeia. Uma coisa é rigor e controlo da despesa, outra é a adopção de critérios rígidos que se transformam em travões ao desenvolvimento. Sobretudo em períodos de abrandamento e crise das economias, como advertiram os comunistas, tais critérios cedo desembocariam em opções de política económica que agravariam ainda mais os sinais de crise ou teriam de violar os compromissos assumidos por cada Estado.
Adivinhava-se, designadamente, que a imposição de ratios em planos como a dívida e o défice público, ao não terem em conta as necessidades e especificidades das economias dos países menos desenvolvidos (seja em termos do investimento público, seja da melhoria das política sociais, seja da valorização dos salários e rendimentos dos trabalhadores), contribuiriam não para garantir um efectivo processo de convergência real e de coesão social, como é necessário, mas para o seu contrário.
Às críticas dos comunistas, caiu o Carmo e a Trindade. Em defesa do pacto, PS e PSD, em plena sintonia, chegaram mesmo a aprovar no Parlamento uma resolução aplaudindo o rumo nele inscrito. A eliminação do défice orçamental passa a ser a grande obsessão da política orçamental. Foi-o com Guterres. Foi-o com Durão Barroso. Voltou a ser com Santana Lopes.
Os resultados, esses, são conhecidos: acentuou-se a crise no País, agravou-se de forma brutal o desemprego, diminuiu drasticamente o investimento público, desvalorizaram-se as funções sociais do Estado.
Tudo em nome do cumprimento do défice imposto por um Pacto em relação ao qual houve já quem, prudentemente, como o fizeram a Alemanha ou a França, aconselhasse a que dele seja feita uma leitura mais inteligente. Na linha, de resto, de posições assumidas pelo anterior responsável pela Comissão, que chegou mesmo a qualificá-lo de estúpido.
A suspensão e revisão do Pacto, substituindo-o por outros instrumentos de desenvolvimento e não de recessão, afigura-se, pois, como o único caminho razoável, como defende o PCP.
Para o bloco central – ignorando, por opção, que a questão orçamental, sendo um problema de despesa é antes de mais um problema de receita -, porém, cumprimento do Pacto e do défice continua a ser um bom pretexto para reduzir o investimento público e desresponsabilizar o Estado do seu papel e das suas obrigações em importantes áreas sociais como o Ensino Superior Público (diminuindo o seu financiamento e transferindo encargos para as famílias) ou a Saúde (entregando ao sector privado o que nunca deveria sair da esfera pública).
Construção europeia
À medida dos poderosos
A construção de uma Europa federal tem sido conseguida com elevados custos para o País. Os interesses nacionais são sacrificados em nome da chamada integração, processo do qual os grandes beneficiários e ganhadores são, afinal, as grandes empresas estrangeiras que progressivamente se vão instalando e dominando a economia portuguesa. Tudo o mais é conversa e propaganda para camuflar o que tem sido, verdadeiramente, uma história de capitulações de todos os governos PS e PSD perante as exigências e imposições dos países mais poderosos. A essa postura de subserviência e de aluno bem comportado dos governantes - falando grosso para consumo interno mas piando fino lá fora -, ficaram já a dever-se – e ainda a procissão vai no adro – dificuldades crescentes em sectores fundamentais da nossa economia, a braços com factores de concorrência desleal cujo desfecho previsível – a não ser invertido o rumo actual - é a falência ou mesmo a liquidação total da agricultura e pescas à construção naval e à metalomecânica pesada, dos têxteis às conservas ou ao sector agroalimentar.
Modelo esgotado
Desde há muito que as pessoas deixaram de estar no eixo central da acção dos governos. Com António Guterres, na que foi uma das suas promessas mais pungentes, chegou a ouvir-se que as pessoas eram o seu grande desígnio e era para elas que iria governar. Não demorou a perceber como viriam a falar mais alto e a impor-se as pressões dos lobbies e dos grandes grupos económicos, as exigências dos mercados financeiros.
Incorporadas no discurso governativo (seguindo o exemplo dos patrões) passaram a estar, isso sim, as questões da competitividade e da produtividade. Por esta ser baixa, dizem, dão-na como explicação para muitos dos nossos males.
A culpa, asseguram os mesmos, é de quem trabalha e produz. E por isso, sempre em nome da produtividade, acham que tudo é sacrificável, a começar pelas pessoas e sua subsistência. A questão é invocada sobretudo quando se trata de justificar a sempre reiterada posição de negar aumentos justos aos trabalhadores.
A mistificação, como sabemos, é antiga. E com ela o que os seus autores têm procurado iludir é que as razões da falta de competitividade da nossa economia são devidas essencialmente a um modelo assente nos baixos salários, na subcontratação e na dependência.
Um modelo que lida mal com os direitos dos trabalhadores – e por isso os procura liquidar, que é para isso que serve o código laboral – , que sobrevive apoiado na baixa qualificação dos recursos humanos, que é avesso à inovação tecnológica e ao risco, que atrai não o investimento estrangeiro capaz de trazer valor acrescentado e complexidade tecnológica mas o investimento predador, «beduíno» e desvalorizado.
O que tem faltado, pois, é um outro modelo de desenvolvimento. É uma outra política que promova o conhecimento, a informação e a formação, encarando-as, estas sim, como bases estruturantes para o aumento da competitividade da economia, cada vez mais exigente, sobretudo agora no novo quadro de alargamento da União Europeia.
Como é necessário apostar no plano da gestão das empresas, sua modernização e nível tecnológico, na inovação, na formação profissional dos trabalhadores portugueses – orientada para as necessidades de desenvolvimento, especialização e modernização produtiva do País - , e, também, em salários dignos que traduzam uma efectiva valorização do trabalho.
A opção pelo patronato
O Código de Trabalho é uma das expressões mais brutais do ataque aos direitos dos trabalhadores. Elaborado à medida dos interesses das corporações patronais e com estas concertado, com uma vincada opção de classe, é bem o testemunho da política anti-social do governo PSD-CDS/PP e das suas orientações em favor dos poderosos. Na sua visão neoliberal, no que tem de mais desregulamentador, este verdadeiro pacote laboral – tal como já sucedera com idênticos «pacotes» no tempo de Cavaco Silva – veio animado do propósito não só de diminuir direitos como de remover tudo o que seja entrave à livre exploração de quem trabalha.
Desestabilizar a vida familiar? E depois ? O que é isso comparado com as vantagens patronais obtidas por uma legislação capaz de cobrir a desregulação de horários ou medidas de mobilidade geográfica e funcional?
Pôr em xeque o futuro das novas gerações ? Qual o problema em comparação com as incomensuráveis vantagens para as empresas que resultam do agravamento da precariedade e da incerteza (alargando os contratos a prazo) ou com a negação de direitos consagrados nas convenções colectivas arduamente conquistadas pela luta de gerações de trabalhadores?
Por isso, às restrições aos seus direitos, liberdades e garantias – preconizadas por uma lei que, entre outras malfeitorias, ataca os seus direitos colectivos, como o direito à negociação colectiva e o direito à liberdade sindical – os trabalhadores responderam com um decidido e firme combate que teve um dos seus momentos altos na Greve Geral de Dezembro de 2002.
Beneficiar os infractores
Uma acção de protesto e repúdio dirigida contra os que não hesitam em atropelar a legalidade e os direitos de quem trabalha e produz. Durão Barroso era o alvo, como, seis anos antes (estava-se em 1996), fora o governo PS com a chamada lei da flexibilidade e polivalência.
Assistiu-se na altura ao que o PCP qualificou como «uma das mais graves operações de subversão da legislação laboral». Sucediam-se, por esses anos, a prepotência, a arbitrariedade e a ilegalidade no plano laboral. A prática quotidiana, diferentemente do que fora prometido – governar com consciência social e para as pessoas – era marcada pelo desrespeito das leis laborais em prejuízo dos trabalhadores e em benefício dos infractores. Estes gozavam de impunidade e contavam com a cobertura política do governo. Que o digam os pescadores ou os trabalhadores das obras na Ponte 25 de Abril, obrigados a lutar pelo direito ao 13.º mês de remuneração, frente a um patronato inflexível e arrogante que a tudo recorria, sem olhar a meios, incluindo o despedimento, para impor a lei do mais forte e quebrar a unidade dos trabalhadores. Isto perante um governo incapaz de fazer cumprir as leis e impor a legalidade democrática.
O mesmo governo que se mostrou ainda cúmplice do patronato e seus representantes quando se tratou de interpretar e aplicar a célebre lei da flexibilidade e polivalência. Esse embuste – verdadeira fraude, mais apropriadamente – através do qual o patronato, sobretudo nos têxteis e calçado, pôs em causa direitos legais e contratuais dos trabalhadores, designadamente no que respeita às pequenas interrupções de trabalho incluídas nos acordos de empresa ou nas convenções colectivas de trabalho.
Ao interpretar a lei da forma mais lesiva para os trabalhadores - às 40 horas de trabalho efectivo acrescia o tempo das pequenas pausas e intervalos, como na ocasião sustentou a ministra para a Qualificação e o Emprego – o governo PS não deixou dúvidas quanto a uma questão de fundo em matéria laboral: em caso de conflito, o seu lugar era ao lado do patronato e não dos trabalhadores. Dois anos depois (1998) – este é apenas um exemplo - , prosseguindo a linha desreguladora e de instabilidade das relações laborais, uma outra proposta de lei (esta sobre trabalho a tempo parcial) confirmava a crónica e submissa fidelidade dos governos socialistas aos interesses das centrais patronais.
Às mãos do fogo
Desde há mais de duas décadas que o cenário se repete: vem o Verão e, com ele, o flagelo dos fogos florestais. Com o País a arder, o tema faz manchetes e abre os telejornais; multiplicam-se as análises e denúncias; os responsáveis, numa lufa-lufa, por terra e por ar, percorrem o País; anunciam-se novos programas de prevenção e combate. Chega o Outono e o frenesim acalma... No ano seguinte – depois de um Inverno em que pouco ou nada foi feito – o ciclo repete-se.
Este é o filme a que assistimos há mais de duas décadas. Uma verdadeira tragédia, contabilizada em dramas humanos e incalculáveis perdas de bens e recursos económicos e ambientais. Os números são de arrepiar: só entre 1980 e 2000, mais de dois milhões de hectares foram varridos por incêndios florestais. De então para cá a situação não melhorou, bem pelo contrário (em 2001 arderam 106 592 hectares; em 2002 foram 117 294 hectares; em 2004 o fogo consumiu 423 276 hectares; em 2004 foram 140 000 hectares), transformando Portugal no País da Europa com mais área ardida em relação à respectiva superfície florestal (3,3 milhões de hectares).
Mas o que o quadro negro provocado pelos incêndios vem sobretudo mostrar, independentemente das suas causas – bem identificadas, aliás -, é a fragilidade do ordenamento da nossa floresta, realidade que tem persistido ao longo de décadas perante o confrangedor imobilismo do poder político.
E o mais grave ainda é que essas debilidades no ordenamento daquele nosso valioso património existem não por falta de leis mas por exclusiva falta de vontade política dos diferentes governos ao longo das últimas duas décadas. É que os instrumentos legislativos para um ordenamento sustentável da floresta, esses, existem, como é o caso da Lei de Bases da Política Florestal, aprovada em 1996 (a partir de iniciativas legislativas do PCP e do governo). O que faltou até hoje, no caso vertente – por exclusiva culpa dos governos PS e depois do PSD/CDS-PP -, foi a sua regulamentação em variadas matérias, o que impediu a adopção de medidas no sentido de uma verdadeira política florestal.
Inadmissível atraso que acaba por ser idêntico ao que atingiu também os Planos Regionais de Ordenamento Florestal, dos quais apenas dois viram os seus processos chegar ao fim, quando a sua aprovação deveria ter sido concluído em 2001. Fazendo ainda com que os Planos de Gestão Florestal, àqueles associados, continuem sem conhecer a luz do dia.
Em favor dos incêndios – legítimo é concluir - não tem concorrido apenas uma floresta antiga, mal ordenada e sem limpeza; os apetites imobiliários e especulativos; o êxodo rural; a ausência de uma política de ordenamento do território; a falta de meios humanos e de combate, bem como a sua adequada coordenação; ou a inexistência de uma política que contrarie os interesses da chamada «indústria do fogo».
Para a desgraça tem contribuído, decisivamente, a falta de uma política de ordenamento florestal. E neste caso, como em relação aos restantes factores, emerge, nítida, a responsabilidade dos governos PS e PSD.
Expectativas defraudadas
PS e PSD, a pretexto ora da sustentabilidade do sistema de segurança Social ora do aumento da esperança de vida, têm vindo a falar com crescente insistência do aumento da idade da reforma. A questão não é nova. No seu primeiro governo, Guterres invocou os mesmos argumentos e chegou a fazer a mesma ameaça. Na ocasião, eram passados dois anos sobre a sua tomada de posse, a postura não surpreendeu. Pela simples razão de que o governo PS, nesse período, pelas medidas que tomara, defraudara já tudo o que haviam sido expectativas e promessas em matéria de defesa dos interesses e direitos dos trabalhadores.
Inscritas como páginas negras na governação estavam já a promessa não cumprida das 40 horas (só mais tarde arrancada, a muito custo, pela luta dos trabalhadores), a aprovação da lei da flexibilidade e polivalência, a rejeição de reposição da idade de reforma das mulheres aos 62 anos. Mulheres a quem foi prometida ainda uma política de cunho progressista em outros domínios, como a interrupção voluntária da gravidez ou a definição de «quotas» como uma medida de discriminação positiva. Foi o que se viu... É que «não há política de esquerda - como o PCP sublinhou na altura - que não tenha a defesa do mundo do trabalho como critério e objectivos essencial». Como bem sabemos foi noutro sentido a preferência do governo PS: optou – e levou essa opção até às últimas consequências - pela defesa dos critérios de Maastricht.