O filme que não queremos voltar a ver
Prosseguimos a abordagem ao que tem sido nas suas linhas fundamentais a política de direita e seus efeitos na vida das pessoas e no curso do País. Do que aqui falamos, renovando o convite à reflexão do leitor, é de situações e factos concretos que evidenciam como por trás da retórica social ou de propalados «choques» na economia ou na educação se escondem, afinal, velhas receitas de matriz neo-liberal.
Aos casos recordados em anteriores edições do Avante! juntamos hoje novas questões, nomeadamente em matéria de educação e ensino, onde é visível essa marca de quase três décadas de política de direita e suas repercussões no presente e no futuro do País.
«Paixão» sem chama
Não há programa eleitoral do PS e do PSD onde a questão não surja como uma prioridade governativa. Assumida como promessa favorita, chegou a ser erigida por Guterres como uma «paixão». Foi o que se viu. A educação – é dela que falamos – tem servido sobretudo para encher páginas de discursos e dar o mote para muito blá blá: sociedade de informação, modernidade, ligação das escolas à internet, etc., etc.. Sócrates, não fugindo à regra, fala agora em «inglês para todos» desde o básico.
A realidade, porém, é mais prosaica, em todos os níveis de ensino: elevadas taxas de abandono, aumento do insucesso escolar, dificuldades de saída profissionais para os jovens licenciados, crescente elitização, sistemas de avaliação desajustados, crescente mercantilização do sistema educativo, asfixia financeira do ensino superior, numerus clausus, desconformidade das formações ministradas com as necessidades de desenvolvimento do País.
Uma decorrência, afinal, da política de sucessivos governos para quem a educação tem sido encarada como uma despesa e não como um investimento. Uma política que, atropelando a Lei Fundamental e os direitos nela consagrados, aposta na redução de recursos, pouco se importando que isso signifique a reprodução das desigualdades.
Não admira, por isso, em consequência do que o PCP considerou ser «a maior ofensiva, pós 25 de Abril, à escola pública universal e democrática» - estávamos em Janeiro de 2003, com Durão Barroso ao leme – que o governo, fiel à lei do mercado, aprofundasse a peregrina ideia de fazer das escolas empresas.
A educação, essa, não estava – como não está – nas preocupações de quem nos tem governado. Com resultados bem à vista, segundo o último censo: mais de 10 por cento da população é analfabeta; quase 50 por cento dos alunos chegam ao segundo ciclo com (pelo menos) uma reprovação; cerca de 45 por cento dos jovens entre os 18 e os 24 anos não finalizam o ensino secundário; o insucesso no ensino secundário ronda os 40 por cento (em 2001, por exemplo, 18 mil alunos não completaram o ensino secundário); a oferta da educação pré-escolar é insuficiente na maioria das regiões.
Enquanto tudo isto sucede, simultaneamente, milhares e milhares de professores qualificados (em 2003 foram 30 mil) ficam no desemprego, muitos deles sem direitos ao respectivo subsídio de desemprego porque o PS e o PSD assim o determinaram.
Esta é a consequência de políticas que elevaram Portugal à categoria de país detentor das maiores taxas de analfabetismo e de abandono escolar da União Europeia. Políticas que, em vez de se orientarem para a requalificação do sistema educativo (ao nível pedagógico, das infra-estruturas, da melhoria das condições de trabalho de alunos e docentes), apostam na sua degradação, comprometendo o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades no acesso e êxito escolares.
Em defesa do Superior
Não à desresponsabilização do Estado
A Lei das propinas, como ficou conhecida a denominada Lei de Financiamento do Ensino Superior, aprovada em 1997 pelo PS e PSD, em pleno consulado de Guterres, constitui um dos instrumentos mais vergonhosos de desresponsabilização do Estado relativamente ao cumprimento das suas obrigações financeiras.
Dizia o governo que os valores resultantes das propinas seriam um acréscimo de financiamento destinado à melhoria da qualidade do ensino. Pura mentira. Com a nova legislação, de uma penada, visados, isso sim, foram dois outros objectivos: o primeiro, pôr os estudantes e suas famílias a financiar o ensino superior; o segundo, libertar o governo do imperativo de afectar no Orçamento do Estado as verbas necessárias ao funcionamento das instituições.
Anos mais tarde (Junho de 2003), com o governo PSD/CDS-PP, uma nova proposta de lei veio repetir a receita, invocando e necessidade de estabelecer as bases de financiamento do Ensino Superior. Provado foi, no entanto – como então denunciou o PCP na Assembleia da República –, não passar de um mero «pretexto para aumentar as propinas, financiar com o Orçamento do Estado o ensino superior privado e assim apostar no desinvestimento do ensino superior público».
Em qualquer dos casos, aos governos pouco importou que tais alterações legislativas tenham sido adoptadas em desrespeito frontal do princípio constitucional da universalidade do direito ao ensino, em todos os seus escalões, e da garantia do direito de igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. Claro está que as reacções de repúdio à tramóia não se fizeram esperar. Das instituições universitárias e politécnicas às famílias e aos estudantes um coro de protesto fez-se ouvir no País, juntando-se aos comunistas que desde a primeira hora não hesitaram na condenação de medidas que, em sua opinião, estrangulam o ensino superior público e não servem as necessidades de desenvolvimento do País.
Uma contestação que, tendo como alvo, primeiro, o governo PS e um dos seus rostos – Marçal Grilo (como tivera antes Couto dos Santos e viria a ter mais recentemente Pedro Lynce, ambos do PSD) -, foi muito para além do boicote à propina, assumindo múltiplas outras formas, das vigílias às manifestações, das greves aos boicotes.
Lutas que se dirigiram, ainda, contra a destruição da acção social escolar levada a cabo, ano após ano, fosse pela diminuição do investimento em infra-estruturas de acção social escolar (já de si com enorme carências, em todos os planos, das residências universitárias às cantinas, à assistência médica, aos apoios em material escolar), fosse pelo insuficiente número de bolsas e respectivos montantes em média muito baixos.
Contra a redução da responsabilidade financeira do Estado, estas foram - e são, porque actuais - lutas, em síntese, em defesa da sobrevivência do ensino superior, em defesa da democratização da educação e da cultura, em defesa do desenvolvimento e do futuro do País.
Contra a revisão curricular
Lutas históricas
65 mil jovens, um pouco por todo o País, desceram às ruas. Eram estudantes do ensino básico e secundário. Contestavam a reorganização do ensino básico, a revisão curricular do secundário e o numerus clausus. Mas esta era uma luta também para exigir a aplicação efectiva da educação sexual. No Parlamento – estava-se a 8 de Fevereiro de 2001 - , a bancada do PCP, expressando o seu apoio solidário - depois de lembrar a luta que exactamente um ano antes, com o mesmo objectivo, mobilizara para as ruas idêntico número de estudantes -, reafirma que esta luta juvenil encerra no seu significado mais profundo o repúdio por uma reforma gizada pelo governo com o intuito de «dar a mínima educação possível ao máximo de alunos», criando, simultaneamente, «um ensino de primeira e um ensino de segunda», a par do propósito de diferenciar ainda mais prematuramente «aqueles que seguirão a via de ensino dos outros que serão mão-de-obra desqualificada e barata».
Imposta à comunidade educativa, quando a devida avaliação às anteriores reformas ainda estava por fazer, a revisão curricular surgiu, assim, como o PCP então denunciou, com o intuito de acentuar a linha de desresponsabilização da administração central relativamente ao financiamento, às instalações, ao equipamento e à oferta curricular das escolas. Sendo tudo isto foi, ainda, um novo passo no sentido da elitização do sistema, pondo em causa a igualdade de oportunidades no acesso e sucessos educativos, para além de representar um inequívoco retrocesso no combate às desigualdades sociais.
Ciência & Tecnologia
Condenar o País ao atraso
Também a área da Ciência e Tecnologia, desde há muito, sofre os efeitos da política de direita dos sucessivos governos que se traduz na falta de uma visão estratégica capaz de incrementar medidas ajustadas às necessidades de desenvolvimento do País.
Alvo de um insuficiente financiamento crónico, esta área viu em 1988 consagrada em lei uma disposição estipulando que no prazo de dez anos a despesa nacional em Investigação & Desenvolvimento deveria atingir 2,5 por cento do PIB.
Foi mais uma medida para inglês ver... Não só essa meta esteve longe de ser atingida como sucedeu mesmo que 15 anos depois (estava-se em 2003) o governo de Durão Barroso resolveu proceder a uma diminuição do investimento na Ciência e Tecnologia, passando-o para 0,7 por cento do PIB (quando a Comissão Europeia aponta a meta de três por cento do PIB para as despesas com I & D). O corte foi tal que só nos Laboratórios do Estado representou uma redução efectiva de 15 por cento.
Não satisfeito, contrariando recomendações emanadas de entidades que realizaram uma avaliação externa às instituições públicas de I & D, o executivo do PSD/CDS-PP foi mais longe e nesse mesmo ano retirou autonomia às instituições e fundiu institutos, tudo com o único objectivo de reduzir o investimento e os recursos humanos e financeiros.
Perpetuar a pobreza
Mais de dois milhões de portugueses vivem em situação de pobreza. Esta realidade (são as estatísticas a indicar que 21 por cento da população tem um rendimento inferior a 60 por cento do rendimento médio nacional) colocava-nos como o país da União Europeia (à data do alargamento) com a mais elevada taxa de pobreza e onde é maior o fosso entre os 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres.
A razões e causas que estão na base deste desgraçado quadro estão há muito identificadas. Ainda que ancorado na herança de um passado de dificuldades, o fenómeno só veio a atingir as actuais proporções devido a quase trinta anos de políticas de direita que perpetuaram um modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários, na precarização das relações laborais, na fraca qualificação dos recursos humanos. Um modelo económico assente numa injusta repartição do rendimento nacional, na permanente desvalorização do factor trabalho (levando a sobre-exploração da mão-de-obra aos limites). Um modelo que na componente social tem como orientação estratégica a diminuição das funções sociais do Estado, numa linha desresponsabilizadora do que são as suas obrigações, coarctando progressivamente a sua resposta nos mais variados planos, desde a prestação dos cuidados de saúde à garantia da escola pública e de um ensino para todos, passando por um eficaz sistema público de segurança social.
Com a destruição do aparelho produtivo, o aumento do desemprego, da política de «moderação» salarial, de baixas pensões e reformas, de brutais aumentos dos preços de bens e serviços essenciais, a marginalização de minorias étnicas, a exploração de mão-de-obra imigrante, a desertificação do interior, não admira, pois, que a pobreza e novos fenómenos de exclusão alastrem, atingindo um número crescente de idosos e de população activa.
Pobreza e exclusão social que é indissociável de outros dramas sociais e flagelos, alguns deles em crescendo, como os cidadãos sem abrigo ou as crianças e jovens em risco, a toxicodependência ou o alcoolismo, a prostituição ou a seropositividade.
Por isso o combate às desigualdades sociais, à pobreza e à exclusão social - como defende o PCP -, faz-se não com políticas de direita mas com a adopção de políticas orientadas no sentido de uma mais justa repartição da riqueza, salvaguardando o direito ao trabalho com direitos, revalorizando os salários e pensões. Uma política, como os comunistas insistentemente reclamam, que garanta maior justiça fiscal, com o Estado a assumir - e não a demitir-se, como agora sucede - as suas funções e obrigações sociais, nomeadamente nas esferas da Saúde, da Educação e da Segurança Social.
Estagnar e regredir
Contrariando a tendência de decréscimo que vinha a registar-se desde a década de 60, a taxa de mortalidade infantil em 2002 aumentou em várias regiões do País, designadamente em Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Açores. A interrupção da evolução positiva daquele indicador de desenvolvimento ocorreu em 2002, ano em que a taxa de mortalidade neonatal subiu para 3,4 por mil, contra os 2,9 por mil verificados em 2001.
Esta é sem qualquer dúvida mais uma das consequências negativas da política de direita (no caso vertente no plano da saúde) seguida pelos vários governos, sobretudo nas duas últimas décadas.
Outros indicadores de saúde confirmam essa tendência de agravamento, como é, ainda no capítulo da saúde materno-infantil, o aumento do número de mortes de recém-nascidos com baixo peso ou as taxas de cesarianas superiores a 20 por cento, indiciando quer as crescentes dificuldades no acompanhamento da gravidez e do parto quer (com elevada probabilidade) o acentuar da degradação das condições de vida.
Elevado significado não pode deixar de ter, noutro plano, o facto de Portugal ter a segunda mais elevada taxa da União Europeia no que se refere ao número de jovens mães entre os 15 e os 19 anos.
Sintomáticas são igualmente as estagnações ou mesmo retrocessos constatados na taxa de incidência da SIDA ou no aumento da tuberculose, o que é indissociável, como tem afirmado o PCP, da inexistência de uma «política coordenada e com meios suficientes para a prevenção, o rastreio e o tratamento eficaz dessas doenças».
• Qual a relação entre as recorrentes propostas de alteração do sistema eleitoral e as pretensões hegemónicas e bipolarizadoras do PS e do PSD ?
• Como se explica que perante os incêndios florestais, flagelo que anualmente consome vastas áreas do território, o País continue sem uma política de ordenamento florestal? E que se assista à progressiva e acentuada diminuição dos guardas florestais?
• O que há de comum entre o modelo de competitividade e produtividade em que assenta a nossa economia e o facto de termos dos mais baixos salários da Europa e as mais baixas taxas de escolarização?
• Tendo Portugal das maiores taxas de analfabetismo e abandono escolar da União Europeia, como se explica que milhares de professores qualificados continuem anualmente sem encontrar colocação?
• Qual a relação entre o alastrar das manchas de pobreza e de novos fenómenos de exclusão social e a forma como é distribuído o rendimento nacional?
«Paixão» sem chama
Não há programa eleitoral do PS e do PSD onde a questão não surja como uma prioridade governativa. Assumida como promessa favorita, chegou a ser erigida por Guterres como uma «paixão». Foi o que se viu. A educação – é dela que falamos – tem servido sobretudo para encher páginas de discursos e dar o mote para muito blá blá: sociedade de informação, modernidade, ligação das escolas à internet, etc., etc.. Sócrates, não fugindo à regra, fala agora em «inglês para todos» desde o básico.
A realidade, porém, é mais prosaica, em todos os níveis de ensino: elevadas taxas de abandono, aumento do insucesso escolar, dificuldades de saída profissionais para os jovens licenciados, crescente elitização, sistemas de avaliação desajustados, crescente mercantilização do sistema educativo, asfixia financeira do ensino superior, numerus clausus, desconformidade das formações ministradas com as necessidades de desenvolvimento do País.
Uma decorrência, afinal, da política de sucessivos governos para quem a educação tem sido encarada como uma despesa e não como um investimento. Uma política que, atropelando a Lei Fundamental e os direitos nela consagrados, aposta na redução de recursos, pouco se importando que isso signifique a reprodução das desigualdades.
Não admira, por isso, em consequência do que o PCP considerou ser «a maior ofensiva, pós 25 de Abril, à escola pública universal e democrática» - estávamos em Janeiro de 2003, com Durão Barroso ao leme – que o governo, fiel à lei do mercado, aprofundasse a peregrina ideia de fazer das escolas empresas.
A educação, essa, não estava – como não está – nas preocupações de quem nos tem governado. Com resultados bem à vista, segundo o último censo: mais de 10 por cento da população é analfabeta; quase 50 por cento dos alunos chegam ao segundo ciclo com (pelo menos) uma reprovação; cerca de 45 por cento dos jovens entre os 18 e os 24 anos não finalizam o ensino secundário; o insucesso no ensino secundário ronda os 40 por cento (em 2001, por exemplo, 18 mil alunos não completaram o ensino secundário); a oferta da educação pré-escolar é insuficiente na maioria das regiões.
Enquanto tudo isto sucede, simultaneamente, milhares e milhares de professores qualificados (em 2003 foram 30 mil) ficam no desemprego, muitos deles sem direitos ao respectivo subsídio de desemprego porque o PS e o PSD assim o determinaram.
Esta é a consequência de políticas que elevaram Portugal à categoria de país detentor das maiores taxas de analfabetismo e de abandono escolar da União Europeia. Políticas que, em vez de se orientarem para a requalificação do sistema educativo (ao nível pedagógico, das infra-estruturas, da melhoria das condições de trabalho de alunos e docentes), apostam na sua degradação, comprometendo o direito ao ensino e à igualdade de oportunidades no acesso e êxito escolares.
Em defesa do Superior
Não à desresponsabilização do Estado
A Lei das propinas, como ficou conhecida a denominada Lei de Financiamento do Ensino Superior, aprovada em 1997 pelo PS e PSD, em pleno consulado de Guterres, constitui um dos instrumentos mais vergonhosos de desresponsabilização do Estado relativamente ao cumprimento das suas obrigações financeiras.
Dizia o governo que os valores resultantes das propinas seriam um acréscimo de financiamento destinado à melhoria da qualidade do ensino. Pura mentira. Com a nova legislação, de uma penada, visados, isso sim, foram dois outros objectivos: o primeiro, pôr os estudantes e suas famílias a financiar o ensino superior; o segundo, libertar o governo do imperativo de afectar no Orçamento do Estado as verbas necessárias ao funcionamento das instituições.
Anos mais tarde (Junho de 2003), com o governo PSD/CDS-PP, uma nova proposta de lei veio repetir a receita, invocando e necessidade de estabelecer as bases de financiamento do Ensino Superior. Provado foi, no entanto – como então denunciou o PCP na Assembleia da República –, não passar de um mero «pretexto para aumentar as propinas, financiar com o Orçamento do Estado o ensino superior privado e assim apostar no desinvestimento do ensino superior público».
Em qualquer dos casos, aos governos pouco importou que tais alterações legislativas tenham sido adoptadas em desrespeito frontal do princípio constitucional da universalidade do direito ao ensino, em todos os seus escalões, e da garantia do direito de igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar. Claro está que as reacções de repúdio à tramóia não se fizeram esperar. Das instituições universitárias e politécnicas às famílias e aos estudantes um coro de protesto fez-se ouvir no País, juntando-se aos comunistas que desde a primeira hora não hesitaram na condenação de medidas que, em sua opinião, estrangulam o ensino superior público e não servem as necessidades de desenvolvimento do País.
Uma contestação que, tendo como alvo, primeiro, o governo PS e um dos seus rostos – Marçal Grilo (como tivera antes Couto dos Santos e viria a ter mais recentemente Pedro Lynce, ambos do PSD) -, foi muito para além do boicote à propina, assumindo múltiplas outras formas, das vigílias às manifestações, das greves aos boicotes.
Lutas que se dirigiram, ainda, contra a destruição da acção social escolar levada a cabo, ano após ano, fosse pela diminuição do investimento em infra-estruturas de acção social escolar (já de si com enorme carências, em todos os planos, das residências universitárias às cantinas, à assistência médica, aos apoios em material escolar), fosse pelo insuficiente número de bolsas e respectivos montantes em média muito baixos.
Contra a redução da responsabilidade financeira do Estado, estas foram - e são, porque actuais - lutas, em síntese, em defesa da sobrevivência do ensino superior, em defesa da democratização da educação e da cultura, em defesa do desenvolvimento e do futuro do País.
Contra a revisão curricular
Lutas históricas
65 mil jovens, um pouco por todo o País, desceram às ruas. Eram estudantes do ensino básico e secundário. Contestavam a reorganização do ensino básico, a revisão curricular do secundário e o numerus clausus. Mas esta era uma luta também para exigir a aplicação efectiva da educação sexual. No Parlamento – estava-se a 8 de Fevereiro de 2001 - , a bancada do PCP, expressando o seu apoio solidário - depois de lembrar a luta que exactamente um ano antes, com o mesmo objectivo, mobilizara para as ruas idêntico número de estudantes -, reafirma que esta luta juvenil encerra no seu significado mais profundo o repúdio por uma reforma gizada pelo governo com o intuito de «dar a mínima educação possível ao máximo de alunos», criando, simultaneamente, «um ensino de primeira e um ensino de segunda», a par do propósito de diferenciar ainda mais prematuramente «aqueles que seguirão a via de ensino dos outros que serão mão-de-obra desqualificada e barata».
Imposta à comunidade educativa, quando a devida avaliação às anteriores reformas ainda estava por fazer, a revisão curricular surgiu, assim, como o PCP então denunciou, com o intuito de acentuar a linha de desresponsabilização da administração central relativamente ao financiamento, às instalações, ao equipamento e à oferta curricular das escolas. Sendo tudo isto foi, ainda, um novo passo no sentido da elitização do sistema, pondo em causa a igualdade de oportunidades no acesso e sucessos educativos, para além de representar um inequívoco retrocesso no combate às desigualdades sociais.
Ciência & Tecnologia
Condenar o País ao atraso
Também a área da Ciência e Tecnologia, desde há muito, sofre os efeitos da política de direita dos sucessivos governos que se traduz na falta de uma visão estratégica capaz de incrementar medidas ajustadas às necessidades de desenvolvimento do País.
Alvo de um insuficiente financiamento crónico, esta área viu em 1988 consagrada em lei uma disposição estipulando que no prazo de dez anos a despesa nacional em Investigação & Desenvolvimento deveria atingir 2,5 por cento do PIB.
Foi mais uma medida para inglês ver... Não só essa meta esteve longe de ser atingida como sucedeu mesmo que 15 anos depois (estava-se em 2003) o governo de Durão Barroso resolveu proceder a uma diminuição do investimento na Ciência e Tecnologia, passando-o para 0,7 por cento do PIB (quando a Comissão Europeia aponta a meta de três por cento do PIB para as despesas com I & D). O corte foi tal que só nos Laboratórios do Estado representou uma redução efectiva de 15 por cento.
Não satisfeito, contrariando recomendações emanadas de entidades que realizaram uma avaliação externa às instituições públicas de I & D, o executivo do PSD/CDS-PP foi mais longe e nesse mesmo ano retirou autonomia às instituições e fundiu institutos, tudo com o único objectivo de reduzir o investimento e os recursos humanos e financeiros.
Perpetuar a pobreza
Mais de dois milhões de portugueses vivem em situação de pobreza. Esta realidade (são as estatísticas a indicar que 21 por cento da população tem um rendimento inferior a 60 por cento do rendimento médio nacional) colocava-nos como o país da União Europeia (à data do alargamento) com a mais elevada taxa de pobreza e onde é maior o fosso entre os 20 por cento mais ricos e os 20 por cento mais pobres.
A razões e causas que estão na base deste desgraçado quadro estão há muito identificadas. Ainda que ancorado na herança de um passado de dificuldades, o fenómeno só veio a atingir as actuais proporções devido a quase trinta anos de políticas de direita que perpetuaram um modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários, na precarização das relações laborais, na fraca qualificação dos recursos humanos. Um modelo económico assente numa injusta repartição do rendimento nacional, na permanente desvalorização do factor trabalho (levando a sobre-exploração da mão-de-obra aos limites). Um modelo que na componente social tem como orientação estratégica a diminuição das funções sociais do Estado, numa linha desresponsabilizadora do que são as suas obrigações, coarctando progressivamente a sua resposta nos mais variados planos, desde a prestação dos cuidados de saúde à garantia da escola pública e de um ensino para todos, passando por um eficaz sistema público de segurança social.
Com a destruição do aparelho produtivo, o aumento do desemprego, da política de «moderação» salarial, de baixas pensões e reformas, de brutais aumentos dos preços de bens e serviços essenciais, a marginalização de minorias étnicas, a exploração de mão-de-obra imigrante, a desertificação do interior, não admira, pois, que a pobreza e novos fenómenos de exclusão alastrem, atingindo um número crescente de idosos e de população activa.
Pobreza e exclusão social que é indissociável de outros dramas sociais e flagelos, alguns deles em crescendo, como os cidadãos sem abrigo ou as crianças e jovens em risco, a toxicodependência ou o alcoolismo, a prostituição ou a seropositividade.
Por isso o combate às desigualdades sociais, à pobreza e à exclusão social - como defende o PCP -, faz-se não com políticas de direita mas com a adopção de políticas orientadas no sentido de uma mais justa repartição da riqueza, salvaguardando o direito ao trabalho com direitos, revalorizando os salários e pensões. Uma política, como os comunistas insistentemente reclamam, que garanta maior justiça fiscal, com o Estado a assumir - e não a demitir-se, como agora sucede - as suas funções e obrigações sociais, nomeadamente nas esferas da Saúde, da Educação e da Segurança Social.
Estagnar e regredir
Contrariando a tendência de decréscimo que vinha a registar-se desde a década de 60, a taxa de mortalidade infantil em 2002 aumentou em várias regiões do País, designadamente em Lisboa e Vale do Tejo, Alentejo, Algarve e Açores. A interrupção da evolução positiva daquele indicador de desenvolvimento ocorreu em 2002, ano em que a taxa de mortalidade neonatal subiu para 3,4 por mil, contra os 2,9 por mil verificados em 2001.
Esta é sem qualquer dúvida mais uma das consequências negativas da política de direita (no caso vertente no plano da saúde) seguida pelos vários governos, sobretudo nas duas últimas décadas.
Outros indicadores de saúde confirmam essa tendência de agravamento, como é, ainda no capítulo da saúde materno-infantil, o aumento do número de mortes de recém-nascidos com baixo peso ou as taxas de cesarianas superiores a 20 por cento, indiciando quer as crescentes dificuldades no acompanhamento da gravidez e do parto quer (com elevada probabilidade) o acentuar da degradação das condições de vida.
Elevado significado não pode deixar de ter, noutro plano, o facto de Portugal ter a segunda mais elevada taxa da União Europeia no que se refere ao número de jovens mães entre os 15 e os 19 anos.
Sintomáticas são igualmente as estagnações ou mesmo retrocessos constatados na taxa de incidência da SIDA ou no aumento da tuberculose, o que é indissociável, como tem afirmado o PCP, da inexistência de uma «política coordenada e com meios suficientes para a prevenção, o rastreio e o tratamento eficaz dessas doenças».