Ministro, mágoas e «media»
Muitas vezes é esquecido que a expressão «ser competente» é como que sintacticamente transitiva, isto é, pede complemento directo ou indirecto, conforme os casos ou como melhor se queira. Isto porque ser competente não é um mérito de aplicação universal, geral, e quem é competente, caso verdadeiramente o seja, é-o necessariamente para algumas coisas e não para outras: a presumida ou efectiva competência é inevitavelmente dirigida (agora nos media usa-se muito dizer «direccionada») para o objecto da competência. Recordei tudo isto e alguma coisa mais quando seguia a entrevista de Maria João Avilez a Álvaro Barreto na rubrica «Outras Conversas» (Sic-Notícias). Maria João referiu por mais de uma vez a superlativa competência do entrevistado, mas não esclareceu em que é que Álvaro Barreto é muito competente, para a consecução de quais objectivos, no quadro de que conjunto de opções, em favor de quê e de quem, também forçosamente contra quem e o quê. A questão não será decerto apenas quanto a eucaliptos e celuloses, nem essa inverosímil hipótese teria justificado a sua assumpção da pasta da Economia neste Governo agora demitido no qual sempre foi apontado como talvez a figura mais credível, se não uma espécie de eminência parda que encaminharia quanto possível o peculiar itinerário do senhor primeiro-ministro. Ora, foi essa mesma reputação de competência e credibilidade que me levou ao duro sacrifício de assistir a mais uma entrevista conduzida por Maria João Avilez, espectáculo que se situa longe da minha escala de agrado por motivos que já aqui sumariamente referi um dia e a que não volto. O caso é que o ainda ministro da Economia disse coisas com interesse, embora porventura esse interesse não coincidisse com os objectivos por ele visados ao proferi-las. A questão é que, como se sabe, a muitas das palavras que ouvimos na televisão, e é claro que não apenas nela, é preciso abri-las com cuidado e verificar o que está lá dentro, pois não há-de ter sido inutilmente que quando éramos pequeninos nos ensinaram que somos animais racionais, e seria bem pior que um mero desperdício não utilizarmos a razão que em maior ou menor grau nos foi distribuída, em desfavor, ao que parece, de uma multidão de bichos simpáticos que não foram beneficiados com a mesma vantagem.
A solidariedade adiada
Ora, de entre tudo quanto ouvi a Álvaro Barreto, fui particularmente tocado pelo que o ministro disse da Comunicação Social, decerto porque com razão ou sem ela tenho a convicção de ser essa a área acerca da qual devo reflectir com maior bagagem de atenção dispensada e posso produzir algum trabalho útil. E Barreto queixou-se com alguma perceptível amargura de que nunca a Comunicação Social foi justa em relação ao governo Santana/Portas, sempre minimizando ou quase omitindo as iniciativas que no entendimento do ministro terão sido as boas obras do Executivo, sempre fazendo um injustificado empolamento com os acontecimentos menores e irrelevantes. Não chegou Álvaro Barreto ao pormenor porventura inexequível de quantificar em que medida essa má-vontade dos media, ou talvez a sua generalizada hostilidade substanciada em omissões, ampliações e eventual confusão entre boatos e realidades, contribuiu para o desprestígio do governo no País em geral e no espírito do PR em especial, mas foi clara e nítida a sugestão de que se tratou de uma grande, porventura decisiva, contribuição. E como eu o compreendi! É que se o governo emergente do consórcio do PSD com o PP assim se lamenta pela voz de um destacado ministro que bem pode ser entendido como autorizada voz da Direita unida, o que dirão e como poderão lamentar-se todos os cidadãos que se identificam com a área do Partido Comunista Português e que estão cansados de testemunhar a quotidiana avalanche de estratégicos silêncios, de desvergonhadas falsificações, de invenções e calúnias, com que a maioria dos grandes media nacionais, ainda que uns mais que outros, bombardeiam o Partido, os comunistas e os que com os comunistas se pareçam aos seus olhos, muitas vezes através do trabalhinho de criaturas que parecem ter-se especializado nessas tarefas com vista a construírem com elas uma carreira de sucesso? A mágoa que o ministro deixou transparecer ter-se-ia potenciado na sensibilidade dos que se apercebem de toda a variedade de infâmias despejadas sobre o PCP e, tanto quanto me toca pessoalmente, senti-me inclinado a solidarizar-me com a tristeza de Álvaro Barreto. Susteve-me, porém, a suspeita de que o ministro não estará inclinado a retribuir-me, e é claro que não apenas a mim, solidariedade simétrica por motivos idênticos mas de muito maior grandeza e gravidade. Pelo que decidi que o meu bom impulso ficará para a outra vez. Crendo contudo que não haverá essa quase mítica outra vez.
A solidariedade adiada
Ora, de entre tudo quanto ouvi a Álvaro Barreto, fui particularmente tocado pelo que o ministro disse da Comunicação Social, decerto porque com razão ou sem ela tenho a convicção de ser essa a área acerca da qual devo reflectir com maior bagagem de atenção dispensada e posso produzir algum trabalho útil. E Barreto queixou-se com alguma perceptível amargura de que nunca a Comunicação Social foi justa em relação ao governo Santana/Portas, sempre minimizando ou quase omitindo as iniciativas que no entendimento do ministro terão sido as boas obras do Executivo, sempre fazendo um injustificado empolamento com os acontecimentos menores e irrelevantes. Não chegou Álvaro Barreto ao pormenor porventura inexequível de quantificar em que medida essa má-vontade dos media, ou talvez a sua generalizada hostilidade substanciada em omissões, ampliações e eventual confusão entre boatos e realidades, contribuiu para o desprestígio do governo no País em geral e no espírito do PR em especial, mas foi clara e nítida a sugestão de que se tratou de uma grande, porventura decisiva, contribuição. E como eu o compreendi! É que se o governo emergente do consórcio do PSD com o PP assim se lamenta pela voz de um destacado ministro que bem pode ser entendido como autorizada voz da Direita unida, o que dirão e como poderão lamentar-se todos os cidadãos que se identificam com a área do Partido Comunista Português e que estão cansados de testemunhar a quotidiana avalanche de estratégicos silêncios, de desvergonhadas falsificações, de invenções e calúnias, com que a maioria dos grandes media nacionais, ainda que uns mais que outros, bombardeiam o Partido, os comunistas e os que com os comunistas se pareçam aos seus olhos, muitas vezes através do trabalhinho de criaturas que parecem ter-se especializado nessas tarefas com vista a construírem com elas uma carreira de sucesso? A mágoa que o ministro deixou transparecer ter-se-ia potenciado na sensibilidade dos que se apercebem de toda a variedade de infâmias despejadas sobre o PCP e, tanto quanto me toca pessoalmente, senti-me inclinado a solidarizar-me com a tristeza de Álvaro Barreto. Susteve-me, porém, a suspeita de que o ministro não estará inclinado a retribuir-me, e é claro que não apenas a mim, solidariedade simétrica por motivos idênticos mas de muito maior grandeza e gravidade. Pelo que decidi que o meu bom impulso ficará para a outra vez. Crendo contudo que não haverá essa quase mítica outra vez.