Aldrabice e pesca à linha
Segui a excelente intervenção de Carlos Carvalhas na abertura do 17.º Congresso através da SIC-Notícias, que teve o acerto e o asseio de transmiti-la integralmente. Mais tarde, quer na televisão quer noutros órgãos de informação, nos dias seguintes e naquela mesma sexta-feira, muitos seriam os momentos em que jornalistas, afins ou equiparáveis, haveriam de se dedicar à fácil e lucrativa prática de falsificar pela distorção, pela citação cirurgicamente descontextualizada, pelo exorbitante destaque do irrelevante complementado pela sábia ocultação do essencial, o que se passou em Almada no passado fim-de-semana. Nem outra coisa seria de esperar, bem se sabe. Ainda assim, porém, parecia-me improvável que a aldrabice no seu estado puro, sem sequer se preocupar em parecer decentezinha, se seguisse imediatamente às palavras de Carvalhas. Contudo, foi o que aconteceu e, para mais, pela boca de um jornalista de quem me parecia natural esperar mais rigor ou, dizendo-o de outra maneira, um mínimo de asseio. E a coisa foi-me de tal modo inesperada que, talvez ingénuo, ainda quero crer que tudo foi questão de audição deficiente, de dureza de ouvido ou até, suprema boa vontade da minha parte, rijeza de entendimento. Porque, como dizia a minha avó, senhora de outro tempo, antes burro que ladrão, regra que actualmente não é muito posta em prática.
Ocorreu o caso quando Carlos Carvalhas referiu e acentuou que ao PCP aderiram nos últimos tempos uns milhares de cidadãos, sendo que um bom punhado de eles são jovens, o que contraria o boato intensamente posto em circulação segundo o qual isto de ser militante do PCP é coisa de velho, de cidadãos do tempo da Guerra Civil de Espanha se não da implantação da República. Contrariado talvez pelo dado avançado por Carvalhas ou por qualquer outro motivo, o certo é que o jornalista encarregado da reportagem não perdeu a oportunidade que por sinal em boa verdade não existia mas que ele próprio, desenrascado, criou: e vai de pressurosamente apontar uma suposta contradição de Carlos Carvalhas. Assim, segundo o rapaz, pouco tempo antes teria Carvalhas reconhecido que diminuíra o número de militantes do Partido para vir, apenas minutos depois, dizer que crescera uns milhares. É claro que o secretário-geral falara primeiro do número total dos militantes e depois apenas das adesões jovens, bastando não ser surdo e estar de atenta boa-fé para não incorrer em grosseiras confusões e, por consequência, para não ser nem parecer mentiroso. Mas a confusão aconteceu e, estando embora longe de ser a única, teve o travo de um vício capaz de contaminar até profissionais de quem se esperaria melhor.
Do bombardeio à denúncia
Dir-se-á, e com razão, que foi um episódio minúsculo, uma pequenina aldrabicezinha sem consequências de maior. Pois tê-lo-á sido. A questão, porém, é que a cobertura de iniciativas do PCP com dimensão bastante para que a Comunicação Social fique impedida de ignorá-las é, de um modo geral, tecida com profuso recurso a aldrabices de calibre e índole diversos, tudo de tal modo que do seu conjunto resulte que no espírito do cidadão desavisado e ingénuo se reforce a convicção de que o PCP é o diabo de um partido que, estando embora irremediavelmente defunto, continua a ser terrivelmente mau e a constituir um verdadeiro perigo para o País, a moral e os bons costumes. Voltou a ser assim, naturalmente, com a cobertura televisiva deste 17.º Congresso, embora tenha havido momentos que escaparam à regra, e de modo a que quem esperasse ainda pior possa ter concluído em boa consciência que «afinal não foi assim tão mau» o trabalho das reportagens. Alguns pormenores até me fizeram sorrir: por exemplo, quando um repórter, porventura na esperança de atinar com um militante que desse sinais de alguma dissidência, decidiu fazer abordagens ao acaso e logo lhe calhou o Rui Matos Dias, um dos poucos militantes do PCP que, tendo estado há uns anos na Coreia do Norte durante umas semanas, é dos raros que pode falar daquela república com algum conhecimento directo. Azar do jornalista, que dali não levou nada que indiciasse contestações internas, como aliás não encontrou nada desse género noutras abordagens que ele e outros fizeram. É por isso que os pescadores de dissidências são forçados a abandonar tentativas de alvos casuais e a trocá-los pelos interlocutores «do costume», que são poucos mas de rendibilidade garantida, só que a manobra já está tão estafada que se desvalorizou. Restam, decerto, outros temas a permitirem que o bombardeio continue. E que continue também a rábula do fingido espanto quando os comunistas denunciam boa parte da comunicação social como instrumento ao serviço do anticomunismo que vem dos maus velhos tempos.
Ocorreu o caso quando Carlos Carvalhas referiu e acentuou que ao PCP aderiram nos últimos tempos uns milhares de cidadãos, sendo que um bom punhado de eles são jovens, o que contraria o boato intensamente posto em circulação segundo o qual isto de ser militante do PCP é coisa de velho, de cidadãos do tempo da Guerra Civil de Espanha se não da implantação da República. Contrariado talvez pelo dado avançado por Carvalhas ou por qualquer outro motivo, o certo é que o jornalista encarregado da reportagem não perdeu a oportunidade que por sinal em boa verdade não existia mas que ele próprio, desenrascado, criou: e vai de pressurosamente apontar uma suposta contradição de Carlos Carvalhas. Assim, segundo o rapaz, pouco tempo antes teria Carvalhas reconhecido que diminuíra o número de militantes do Partido para vir, apenas minutos depois, dizer que crescera uns milhares. É claro que o secretário-geral falara primeiro do número total dos militantes e depois apenas das adesões jovens, bastando não ser surdo e estar de atenta boa-fé para não incorrer em grosseiras confusões e, por consequência, para não ser nem parecer mentiroso. Mas a confusão aconteceu e, estando embora longe de ser a única, teve o travo de um vício capaz de contaminar até profissionais de quem se esperaria melhor.
Do bombardeio à denúncia
Dir-se-á, e com razão, que foi um episódio minúsculo, uma pequenina aldrabicezinha sem consequências de maior. Pois tê-lo-á sido. A questão, porém, é que a cobertura de iniciativas do PCP com dimensão bastante para que a Comunicação Social fique impedida de ignorá-las é, de um modo geral, tecida com profuso recurso a aldrabices de calibre e índole diversos, tudo de tal modo que do seu conjunto resulte que no espírito do cidadão desavisado e ingénuo se reforce a convicção de que o PCP é o diabo de um partido que, estando embora irremediavelmente defunto, continua a ser terrivelmente mau e a constituir um verdadeiro perigo para o País, a moral e os bons costumes. Voltou a ser assim, naturalmente, com a cobertura televisiva deste 17.º Congresso, embora tenha havido momentos que escaparam à regra, e de modo a que quem esperasse ainda pior possa ter concluído em boa consciência que «afinal não foi assim tão mau» o trabalho das reportagens. Alguns pormenores até me fizeram sorrir: por exemplo, quando um repórter, porventura na esperança de atinar com um militante que desse sinais de alguma dissidência, decidiu fazer abordagens ao acaso e logo lhe calhou o Rui Matos Dias, um dos poucos militantes do PCP que, tendo estado há uns anos na Coreia do Norte durante umas semanas, é dos raros que pode falar daquela república com algum conhecimento directo. Azar do jornalista, que dali não levou nada que indiciasse contestações internas, como aliás não encontrou nada desse género noutras abordagens que ele e outros fizeram. É por isso que os pescadores de dissidências são forçados a abandonar tentativas de alvos casuais e a trocá-los pelos interlocutores «do costume», que são poucos mas de rendibilidade garantida, só que a manobra já está tão estafada que se desvalorizou. Restam, decerto, outros temas a permitirem que o bombardeio continue. E que continue também a rábula do fingido espanto quando os comunistas denunciam boa parte da comunicação social como instrumento ao serviço do anticomunismo que vem dos maus velhos tempos.