
- Nº 1613 (2004/10/28)
Orçamento do Estado para 2005 agrava a injustiça fiscal
Em Foco
O governo acabou de apresentar a Proposta de Orçamento de Estado para 2005. Uma rápida análise leva à conclusão que é um orçamento que agrava a injustiça fiscal e reduz significativamente o peso das despesas do Estado com a chamadas funções sociais (Educação, Saúde, Segurança Social, Cultura).
O quadro I, construído com dados que constam dos Relatórios do Orçamento do Estado de 2003, 2004 e de 2005 (os dados do de 2005 constam da pág. 51 do Relatório), mostra o agravamento que se verificará em 2005 da injustiça fiscal que já existia em Portugal.
Como se sabe, os Impostos Directos são, sob o ponto de vista de equidade, mais justos que os Impostos Indirectos.
E isto porque os primeiros – os Impostos Directos – atendem ao rendimento auferido por cada contribuinte. Quanto mais elevado é o rendimento maior é o imposto pago ao Estado. Por ex., a nível do IRS, quanto mais elevado é o rendimento maior é a percentagem de imposto que se tem de pagar ao Estado.
Em relação aos Impostos Indirectos isso não acontece. Seja qual for o rendimento do contribuinte, ele paga sempre o mesmo imposto (em euros) ao Estado. Por ex., um contribuinte que receba o salário mínimo nacional, quando adquire um maço de cigarros SG Filtro paga o mesmo imposto (em euros) que é pago por um contribuinte que adquira o mesmo maço de cigarros mas cujo rendimento mensal seja dez vezes superior ao salário mínimo nacional.
É pelas razões anteriores que se afirma que os Impostos Directos são mais justos que os Impostos Indirectos. E o que revelam os dados do quadro I? Entre 2002 e 2005, o peso das receitas fiscais que têm como origem os Impostos Directos diminuíram – passaram 41,8% para 39,1% das receitas fiscais totais do Estado –, enquanto o peso das receitas que têm como origem os Impostos Indirectos, que são os impostos mais injustos porque não têm em conta o rendimento de cada contribuinte, cresceram, pois passaram de 58,2% das receitas fiscais do Estado para 60,9%. É claro o agravamento da injustiça fiscal.
Mas não é apenas por esta razão que a Proposta de OE para 2005 é uma proposta de agravamento da injustiça fiscal. Mesmo a nível de Impostos Directos o agravamento da injustiça é também claro.
As receitas dos impostos Directos têm fundamentalmente como origem o IRS e o IRC. O primeiro – o IRS – é pago fundamentalmente pelos trabalhadores. O segundo – o IRC – é pago pelas empresas. E como mostram também os dados do quadro I, o peso das receitas que têm como origem o IRS não tem diminuído (em 2002 representou 26,4% das receitas fiscais do Estado, e em 2005 prevê-se que represente 26,3%, portanto praticamente mantém-se igual), enquanto o peso das receitas que têm como fonte o IRC tem descido (em 2002, representou 15% das receitas fiscais totais e, em 2005, prevê-se que represente somente 12,7%), e a pressão para que baixe ainda mais continua (é o chamado “choque fiscal” do PSD).
Despesas sociais do Estado descem
A Proposta de OE para 2005 não é apenas uma proposta de maior injustiça fiscal para os trabalhadores. Ela também pretende diminuir o peso das despesas sociais do Estado no total das despesas do Estado.
O quadro II mostra essa realidade, que terá consequências graves nomeadamente para os trabalhadores.
Num único ano – 2004/2005 – o peso das despesas do Estado com as funções sociais passa de 58,3% para 55,3%, portanto sofre um diminuição superior a 5,1%, o que não deixa de ser significativo, até porque em termos reais é ainda maior.
O quadro III completa o anterior e mostra de uma forma mais concreta onde se verificam algumas das descidas.
Os comentários parecem desnecessários face à linguagem fria e clara dos próprios dados oficiais.
Uma evolução muito semelhante nas mesmas áreas verifica-se a nível dos valores inscritos no PIDDAC (Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central) para 2005. Assim, se compararmos as dotações inscritas no PIDDAC de 2004 com as inscritas no PIDDAC de 2005, verifica-se as reduções mesmo em valores nominais. Os dados do quadro IV mostram isso mesmo.
Entre 2004 e 2005, as dotações inscritas no PIDDAC para a Educação Pré-Escolar, Ensino Básico e Secundário, Ensino Superior e Saúde têm uma diminuição de 10,2% em valores nominais, pois em valores reais ainda é maior, já que se teria de deduzir o efeito da inflação.
O aumento insuficiente nos escalões e a baixa na taxa de IRS
O quadro V mostra as alterações verificadas a nível dos escalões e das taxas do IRS, incluindo também as variações observadas num caso e noutro, para ser mais fácil a avaliação dos mesmos.
O primeiro aspecto importante a ter presente é que a actualização nos valor dos escalões é extremamente reduzida, pois na maior parte deles o aumento rondou os 2%. Isto significa que um pequeno aumento nas remunerações que ronde a taxa de inflação, que será certamente superior a 2%, até determinada pelo subida em flecha do petróleo (tenha-se presente que o Governo fez todas as suas previsões para 2005 com base no barril de petróleo a 38,7 dólares, conforme consta da pág. 23 do Relatório do OE para 2005, quando o seu preço actual já ultrapassa os 50 dólares/barril); repetindo, devido ao aumento dos limites dos escalões certamente inferior à inflação que se verificará em 2005, basta um pequeno aumento nas remunerações para o trabalhador saltar de escalão e ter de pagar uma taxa de IRS muito superior.
Em relação à descida das taxas de IRS, ela só tem algum significado nos dois primeiros escalões, ou seja, para rendimentos mensais inferiores a 470 euros, o que significa que uma parte importante dos trabalhadores não será beneficiada com tal descida.
Interessa chamar a atenção para a descida da taxa de IRS no escalão entre os 36 792 € e 53 322 euros é de -3,9%, que é superior à descida que se verifica no escalão mais baixo, o compreendido entre 6581 euros e 16 317 euros, que é apenas de -2,1% , e também no escalão entre 16317 euros e 37 528 euros, que é zero. Para rendimentos mais elevados a descida na taxa de IRS é maior. É caso para dizer: Que estranha justiça fiscal é esta.
Deduções insuficientes e perda de benefícios
O quadro VI mostra o que sucede na Proposta de OE para 2005 nos benefícios fiscais de interesse directo para os trabalhadores.
As actualizações previstas são insignificantes e, em vários casos, insuficientes até para cobrir o aumento de preços que certamente se verificará naqueles produtos ou serviços.
Para finalizar interessa chamar a atenção para o facto de que a Proposta apresentada prevê um aumento nas Despesas com Pessoal, entre 2004 e 2005, de apenas 1,5% conforme consta da pág. 45 do Relatório OE 2005, quando a subida nas mesmas despesas, entre 2003 e 2004, foi de 2,5% e, em 2004, as remunerações dos trabalhadores da Função Pública superiores a 1000 euros foram congeladas.
Eugénio Rosa